Clientes que procuravam a Sabemi Seguradora para contratar assistência financeira — modalidade de empréstimo disponível aos seus segurados — recebiam valores menores do que os efetivamente acordados porque a empresa repassaria parte do dinheiro da operação para outras instituições a título de "taxa de adesão ao quadro social". Os descontos alcançavam cifras superiores a R$ 8 mil, tendo como beneficiárias a Sociedade Mutualista de Assistência a Servidores Públicos (Somas) e o Clube de Seguros Pampa.
Todas essas informações constam em tabela elaborada durante fiscalização, em 2014, pela Superintendência dos Seguros Privados (Susep), autarquia vinculada ao Ministério da Economia, responsável pela regulação dos mercados de seguro, previdência privada aberta, capitalização e resseguro. O material da Susep está reproduzido na denúncia do Ministério Público Federal (MPF) à Justiça, em que dois dirigentes da cúpula da Sabemi, com sede em Porto Alegre e 38 filiais pelo país, são réus sob acusação de crime contra o sistema financeiro nacional.
Os descontos de "adesão ao quadro social" ainda eram somados a outro abatimento promovido pela Sabemi: ela usava fatia do empréstimo contratado pelo cliente para pagar a comissão do corretor que intermediou o negócio — prática que é irregular. O resultado é que, em 14 casos concretos analisados pela Susep e pelo MPF (ver tabela abaixo), as pessoas receberam, em média, montante 22,5% menor do que o realmente contratado.
Os números mostram que, nestas operações, os consumidores contrataram R$ 569,7 mil, mas a quantia de R$ 128,2 mil foi usada pela Sabemi para outras finalidades, causando prejuízo às pessoas.
No processo de fiscalização, a Susep organizou tabelas em que lista a data do negócio, o nome da vítima, o valor contratado de empréstimo e, depois, as colunas em que constavam os descontos "A" e "B". O primeiro era o valor que a Sabemi retirava do empréstimo para pagar comissões. O segundo se referia às "taxas de adesão ao quadro social" da Somas e do Clube de Seguros Pampa.
Segundo o MPF, muitas das operações em análise eram de portabilidade de dívida (transferir o passivo de um banco para outro ou refinanciar): "Os clientes recebiam propostas da Sabemi, supostamente vantajosas, assinavam documentos em branco, induzidos de acordo com as instruções dos representantes da seguradora, e posteriormente eram surpreendidos com os valores dos contratos, distintos daqueles combinados, e com descontos indevidos no montante", diz trecho da denúncia assinada pelo procurador da República Felipe da Silva Muller.
A peça de acusação diz que a Susep recebeu, ao longo de 2016, "1.057 reclamações de consumidores contra a Sabemi, o que situa a seguradora na quarta posição das empresas mais citadas nesse tipo de registro, indicando fortemente a ocorrência de problemas no seu modo de operar".
O MPF aponta que, ainda em 2016, "do total de 84,4 mil contratos, em 99,84% dos casos ocorreram pagamentos realizados diretamente pela Sabemi para terceiros, com recursos dos empréstimos que deveriam ser repassados na sua integralidade para os mutuários (clientes)".
O Clube de Seguros Pampa, um dos beneficiados pela "taxa de adesão ao quadro social" descontada pela Sabemi nos empréstimos, teve relação em outros negócios com a seguradora. Até 2018, o clube era contratado pela Sabemi para fazer a análise de documentos de associação de aposentados do INSS à Central Nacional de Aposentados e Pensionistas (Centrape).
Por que voltamos ao assunto?
Após a primeira reportagem do GDI revelar que aposentados do INSS sofriam descontos não autorizados nos seus contracheques a título de seguro associativo, surgiram indícios de que a Sabemi Seguradora poderia ter cometido irregularidades em outras modalidades de negócio, como nas operações de assistência financeira, um empréstimo concedido para os clientes que são segurados. Noticiamos, então, que a Superintendência de Seguros Privados (Susep), órgão regulador do ramo, suspendeu as operações de assistência financeira da Sabemi no dia 26 de junho. Também noticiamos que dois dirigentes da empresa são réus por suposto crime contra o sistema financeiro por terem repassado a clientes valores inferiores aos que eles realmente contratavam no empréstimo. Agora, o GDI teve acesso à íntegra da denúncia do Ministério Público Federal. O documento mostra que parte do dinheiro retido em prejuízo dos clientes era usado para adesões a quadros sociais de entidades, sem a concordância das pessoas. Como é público, o acesso a documentos é assegurado, inclusive, pela via digital.
Qual o impacto das reportagens do GDI?
A partir das reportagens de GaúchaZH, a Sabemi Seguradora anunciou um plano de devolução do dinheiro aos aposentados que foram vítimas do golpe dos seguros associativos não autorizados. O Procon-RS e a Defensoria Pública abriram procedimentos para fiscalizar se a reparação dos lesados está sendo feita corretamente. O INSS suspendeu por 60 dias os repasses de mensalidades a quatro associações de aposentados, entre elas a Centrape, parceira da Sabemi que também teria participação em fraudes na operação de seguros associativos. A Polícia Federal investiga o caso.
Em reportagem do Grupo de Investigação da RBS (GDI), foi revelado como supervisores do clube pressionavam funcionários a aprovar propostas de adesão com as assinaturas de aposentados falsificadas, o que viria a beneficiar a Centrape e a Sabemi com o recebimento de parcelas retidas dos salários de idosos.
No caso dos descontos ilegais em empréstimos, são réus o diretor-presidente da Sabemi, Antônio Túlio Lima Severo, e o diretor administrativo-financeiro, Alexandre Girardi. O processo corre na 7ª Vara Federal de Porto Alegre.
Por conta destes episódios, que supostamente estariam acontecendo de forma reiterada, a Susep suspendeu por tempo indeterminado as operações de assistência financeira (empréstimo) da Sabemi, as quais têm como público alvo os servidores públicos federais civis e militares, ativos e inativos.
Sobre as fraudes em seguros associativos reveladas pelo GDI, a empresa anunciou um plano de devolução do dinheiro aos idosos lesados — é preciso ligar para o número 0800-880-0515. A Polícia Federal investiga o caso, enquanto o Procon-RS e a Defensoria Pública abriram procedimentos para acompanhar a reparação de danos às vítimas.
Contraponto
O que diz a Sabemi Seguradora:
"A SABEMI já esclareceu ao público ser uma empresa séria, com 45 anos de tradição na busca do melhor para seus clientes, parceiros e funcionários. Os fatos retratados na acusação derivam de uma interpretação equivocada dos acontecimentos que, por sua vez, serão devidamente esclarecidos perante o Poder Judiciário".