Dois dirigentes do Grupo Sabemi são réus na Justiça Federal, sob acusação de crimes contra o sistema financeiro nacional, porque a empresa teria depositado nas contas de clientes valores menores do que eles efetivamente contratavam em operações de assistência financeira (empréstimo). Hipoteticamente, é como se uma pessoa solicitasse crédito de R$ 100, mas recebesse da Sabemi apenas R$ 70. Parte da diferença seria usada pela empresa para pagar comissão aos promotores que captaram o cliente e também para cobrar um "seguro prestamista" do tomador do financiamento.
Depois, segundo o Ministério Público Federal, o consumidor era duplamente lesado porque os juros eram calculados sobre o valor total da operação, e não sobre o montante que, de fato, ingressou na conta dele. A denúncia foi aceita em janeiro de 2019 pela juíza federal Karine da Silva Cordeiro, tornando réus Alexandre Girardi e Antônio Túlio Lima Severo. Eles são, respectivamente, diretor administrativo-financeiro e diretor-presidente do Grupo Sabemi, instituição financeira com matriz em Porto Alegre e 38 filiais espalhadas pelo país.
Na quarta-feira (28), a Susep suspendeu por tempo indeterminado as operações de empréstimo (assistência financeira) da Sabemi. O órgão entendeu que a empresa estava reiterando práticas possivelmente irregulares. A Sabemi, agora, está proibida de assinar qualquer nova concessão de crédito para clientes. A instituição financeira se declarou surpresa, afirmou trabalhar com princípios idôneos e dentro das regras de mercado e assegurou que buscará reverter a suspensão imposta pelo órgão regulador.
A Sabemi também é suspeita de ter se beneficiado de casos de falsificação de assinatura de aposentados e pensionistas do INSS com o objetivo de incluir nos seus contracheques descontos a título de seguros associativos não autorizados, conforme revelou reportagem do Grupo de Investigação da RBS (GDI). Por conta disso, a empresa está sob investigação da Polícia Federal e anunciou um plano para devolver o dinheiro de idosos lesados.
No caso já judicializado, que trata de irregularidades em operações de empréstimo, ocorreram apurações prévias. Primeiro foi a Superintendência de Seguros Privados (Susep), entidade que regulamenta o setor, quem constatou os supostos descontos ilegais após receber reclamações de pessoas prejudicadas. Uma norma circular da Susep diz que cobrar dos clientes pelo pagamento de comissões a terceiros é irregular. A Polícia Federal, na sequência, abriu inquérito e reforçou as ocorrências. A apuração constatou que, em junho de 2014, dos 27 casos analisados, a média de liberação de valores foi de 56,1% do montante contratado pelos clientes. É como se os indivíduos acertassem empréstimo de R$ 1 mil, mas recebessem na conta R$ 561. Os outros 43,9% da operação não entravam na conta das pessoas, diz a PF: a fatia de 18,7% teria sido usada para pagar comissões de correspondentes, o que é vedado. Uma porção de 25,2% teria sido destinada a quitar refinanciamentos — neste caso, as autoridades não apontaram indício de ilegalidade.
"Ficou demonstrado que, em todos os casos elencados na denúncia, o valor contratado não foi integralmente entregue para os participantes, sendo que parte do empréstimo foi repassado para terceiros, para pagamento de despesas comerciais da seguradora (comissões)", diz o MPF na denúncia.
A inicial ainda descreve que as "despesas comerciais deveriam estar a cargo da seguradora, e não transferidas aos consumidores". As irregularidades teriam acontecido entre junho de 2014 e abril de 2016, o que configurou, segundo a acusação, a prática de "crime continuado".
A denúncia diz que os dois gestores responsabilizados incorreram no artigo 8º da lei dos crimes contra o sistema financeiro nacional: "exigir, em desacordo com a legislação, juro, comissão ou qualquer tipo de remuneração sobre operação de crédito ou de seguro". Caso sejam considerados culpados, a pena prevista é de um a quatro anos de reclusão, acrescida de multa.
A concessão de empréstimos está entre os negócios mais relevantes da operação da Sabemi. O público principal deste produto é formado por servidores públicos federais civis e das Forças Armadas, sejam eles ativos ou inativos.
Entenda o caso
- No procedimento de fiscalização da Susep contra a Sabemi por supostas irregularidades em empréstimos, consta o caso de um homem que apresentou denúncia aos órgãos públicos por se considerar vítima de prática abusiva.
- A operação ocorreu em fevereiro de 2007, ocasião em que a Sabemi atuou como correspondente do Banco Matone (atual Banco Original). Ou seja, a Sabemi fechou o negócio, mas o dinheiro envolvido na operação saiu dos fundos do Matone.
- A vítima contratou empréstimo de R$ 50,4 mil, contudo, o valor que ingressou na sua conta ficou limitado a R$ 38,3 mil.
- A própria Sabemi, em ofício, respondeu à Susep que a diferença se referia ao pagamento de comissão ao intermediador do negócio, no valor de R$ 7,7 mil. Esse desconto é considerado irregular. Ainda foi feito outro abatimento de R$ 4,3 mil para quitar um seguro da Sabemi incluído na operação.
- O contrato previa que o cliente teria de pagar 72 parcelas de R$ 2 mil pelo empréstimo, o que totaliza R$ 144 mil em favor das instituições financeiras. O homem, na prática, teria de devolver R$ 106 mil a mais do que ingressou na conta bancária dele.
Contraponto
Questionada pela reportagem, a direção da Sabemi prestou esclarecimentos em uma entrevista feita pessoalmente. Depois, solicitou a oportunidade de enviar explicações mais detalhadas por escrito. Até o fechamento desta reportagem, ainda não havia enviado a nota.
Na conversa feita pessoalmente, os dirigentes da Sabemi Antonio Carlos Pedrotti e Alexandre Girardi afirmaram:
"1 - A Sabemi trabalha dentro das regras de mercado, adotando práticas iguais a de outras empresas.
2 - A empresa nega depositar valores menores aos clientes que buscam empréstimo para pagar comissões de agenciadores. Os dirigentes explicaram que, quando um valor é creditado na conta de um cliente em montante menor do que o contratado, significa que se tratou de uma operação de refinanciamento. Ou seja, uma parcela teria sido repassada pela Sabemi diretamente para outro banco onde o cliente quitaria uma dívida. A autorização para essa operação é expressamente dada pelos consumidores, diz a Sabemi.
3 - Sobre o cálculo do juro sobre o montante total do contrato, mesmo quando o valor que ingressa na conta do cliente é menor, a empresa informou que é uma prática de mercado e que encontra amparo legal.
4 - Os dirigentes se declararam tranquilos quanto ao processo, convencidos de que haverá absolvição."