O Grupo de Investigação da RBS (GDI) foi ao Uruguai e à Argentina e comprovou: mesmo com leis mais rígidas, ainda é possível comprar nesses países armas proibidas no Brasil. A reportagem visitou cinco armerías em três cidades uruguaias – Montevidéu, a capital, Treinta y Tres, no centro do país, e Melo, a 50 quilômetros da fronteira com o Brasil. E contatou comerciantes que vendem, de maneira informal, munição na cidade argentina de Mercedes, a 120 quilômetros de Uruguaiana.
Conversamos com um paraguaio que acerta venda de armas pela internet. No Uruguai, pedimos pistolas para defesa pessoal e constatamos que, mesmo com a proibição, a venda pode ser acertada com intermediários uruguaios. É que, desde 2014, a legislação daquele país restringiu o comércio de armas aos cidadãos nacionais que tenham permissão para tal, mas isso não impediu o surgimento de formas de burlar a regra.
A venda legal agora é limitada a quem tem o THATA (Título de Habilitação para Aquisição e Tenência de Armas), documento que permite a posse, mas não o porte de armas de fogo no país. Policiais e colecionadores também estão autorizados a comprar.
Mas os truques para adquirir armas são comuns, longe da capital uruguaia. Em Treinta y Tres, um casal atende a reportagem na loja de produtos de caça e pesca. O dono diz que vendeu as últimas armas há uma semana da nossa passagem e alega que deixará de oferecer o produto porque "está muito difícil".
— Você pode conseguir algum uruguaio que compre para você — sugere ele, ensinando a burlar a lei.
Em Melo, a 50 quilômetros de Aceguá, só resta uma loja que comercializa armas – as outras duas fecharam depois da lei que restringiu o comércio. O atendente se nega a nos vender quando contamos que buscamos pistolas para proteção de uma propriedade rural, mas indica os caminhos.
— O que vocês precisam fazer é conseguir algum trabalhador que seja uruguaio, algum peão da sua estância. Ou pode fazer um acordo com um vizinho que faça a posse de armas, para depois vir aqui. A outra pessoa põe o nome e você paga algo extra para que te compre a arma — orienta o comerciante.
O vendedor se recusa a indicar alguém que poderia intermediar a compra, mas reforça a sugestão dando a entender que outros clientes já seguiram o mesmo caminho.
— Em geral, o que fazem pessoas como você, estrangeiros que não tem a permissão aqui, é com os peões que têm nas fazendas — relata.
Em Montevidéu, o dono de uma das três armerías visitadas pelo GDI fala que a legislação rígida pode ser driblada.
— Feita a lei, feita a "trampa" — resume ele, quando questionado sobre formas alternativas de vender armas. — O que vão fazer depois, se vendem, se dão, se levam, não importa. Diante da lei, é só vender com documentos — completa o comerciante.
Para ter o THATA é preciso passar por testes psicológicos, aulas teóricas e práticas de tiro. Somente uruguaios e cidadãos com residência fixa e legal no país podem pedir a permissão para ter armas.
— Antes compravam e passavam todas para o lado brasileiro. Esse negócio estava tão descarado que tiveram que por freio — argumenta o empresário. No ramo há 25 anos, ele diz que a lei prejudicou os negócios.
A reportagem esteve em outras duas lojas na capital do Uruguai. Uma delas é a Todo Armas, onde foram compradas armas depois encontradas em cenas de crimes no Rio Grande do Sul. Lá fomos atendidos na porta. Desta vez não foi feita venda a nós, brasileiros.
— Se você é estrangeiro, não pode — disse o dono, cortando a conversa.
O mesmo aconteceu na terceira loja.
Números do Registro Nacional de Armas do Exército do Uruguai apontam que o país tem 600 mil armas registradas. Organizações não governamentais como o Ielsur (Instituto de Estudos legais e Sociais) estimam que para cada arma legal há outra no mercado ilegal. Caso correto, isso significa que um em cada três uruguaios adultos tem arma em casa, o que transforma o Uruguai no oitavo país mais armado do mundo, atrás apenas de países como Estados Unidos e Iraque.
— Há uma naturalização da posse de armas — afirma a senadora Daisy Tourné, uma das principais lideranças do movimento pelo desarmamento da população uruguaia.