Ao saírem como grandes vencedores do Encontro de Artes e Tradição Gaúcha (Enart) de 2019, os membros do CTG Tiarayú, de Porto Alegre, prepararam-se para um 2020 desafiador. Só não imaginavam que seria tanto. Com o retorno das férias e a chegada da pandemia, as centenas de eventos, apresentações e ensaios que já estavam programados tiveram de ser cancelados, reagendados e refeitos em novos formatos.
Foi aí que o grupo se destacou mais uma vez. Usando três das características que os fizeram ganhadores no ano passado — a união, a criatividade e o cuidado com os mínimos detalhes —, estão conseguindo realizar uma série de atividades virtuais, promover campanhas de arrecadação e engajar os integrantes em aulas que mantêm o constante aprendizado sobre as tradições gaúchas.
Desde o último encontro presencial, um ensaio que ocorreu no dia 16 de março, eles vêm organizando gincanas online com os jovens, drive-in de doação de roupas e cestas básicas, além de visitas em grupos pequenos à sede para manter o local limpo e organizado.
— Fomos muitos felizes no ano passado, tivermos muitas conquistas não só de prêmios, mas de união. Estamos conseguindo manter tudo isso mesmo com o distanciamento social — conta a patroa do CTG, Vera Lucia Menna Barreto.
Uma das formas que encontraram para se sentirem mais próximos — e relembrar um pouco dos almoços em que costumavam reunir os associados —, foi um galeto realizado em junho em prol dos profissionais do CTG. Um pequeno grupo de colaboradores foi à sede para preparar o almoço, que foi distribuído para os amigos e familiares que passavam de carro no local. As visitas sem sair do carro, por sinal, serviram também para o grupo manter ativas as tradicionais campanhas de doações.
Neste ano de pandemia, conseguiram realizar cinco eventos de arrecadação, que mobilizaram centenas de voluntários. Somente em cestas básicas, coletaram 120 unidades, que foram distribuídas para instituições carentes e moradores de rua. Tudo, é claro, com os cuidados de higiene e distanciamento social.
E, junto com essas atividades, a patronagem não deixou de lado as aulas que foram programadas para os mais de 500 associados e quase 200 bailarinos, que se encontram semanalmente para bate-papos e aprendizados. Nessas reuniões, uma das características do grupo é que, mesmo para os encontros virtuais, eles se vestem a rigor.
— Nós temos alguns uniformes, e é muito bonito porque eu vejo pela tela do computador que o pessoal se veste com as roupas do CTG, colocam pilcha. É uma maneira de estar com o Tiarayú no corpo — orgulha-se a patroa.
CTG promove atividades juvenis online
Uma das grandes alegrias e características que orgulham o CTG é a comunidade de crianças e jovens que se mantêm ativa e empenhada em dançar. O grupo é tão motivado que, no ano passado, quando ocorreu o primeiro campeonato da invernada Juvenil, foram campeões. Quem sentiu o gostinho dessa alegria que ronda a turma jovem do Tiarayú foi o Matheus Fiuza Guedes, seis anos. No início do ano passado, ao se aproximar de uma colega que dançava na invernada, pediu aos pais para assistir um ensaio e logo de cara viu que ali era o seu lugar:
— Ele logo se envolveu com o CTG. O pessoal acolheu e ajudou muito ele em vários aspectos. Ele foi convidado para participar de concursos, ir a rodeios, e logo toda a nossa família também ficou mais próxima dessas tradições — conta a mãe Chaiane Leal, 28 anos, enquanto arruma a câmera do computador para o filho participar de mais uma live com os amigos da invernada.
Apesar de ter convivido com a comunidade do Tiarayú por apenas um ano de forma presencial, o menino se mantém ativo nas atividades online, e não perde a oportunidade de dizer que sente saudade do grupo que tão bem o acolheu:
— Quando eu participo dos encontros no computador do Tiarayú, passa um pouco da saudade, eu quero que tudo isso passe logo — diz o menino.
Se depender dos pais, assim que for autorizado e seguro, ele irá retornar às atividades e se preparar para os ensaios. Desde março, as invernadas decidiram formar grupo de WhatsApp para assim manter a rotina de trocar ideias sobre as futuras coreografias. De acordo com a patroa do CTG, os coreógrafos já estão com um planejamento de aulas e ensaios montados, e pretendem começar a botar em prática assim que for possível.
Planos do tricampeonato seguem vivos
Algumas dessas ideias para futuras coreografias surgiram já no ano passado, logo que o CTG levou o bicampeonato no Enart (a primeira vitória do CTG foi em 2016). Animados com o título recém-conquistado, eles já haviam começado a organizar as estratégias que os levariam ao tri. No entanto, com o cancelamento do festival neste ano, e enquanto aguardam a chance de voltar a competir, terão de se contentar em manter o mesmo troféu por dois anos.
— Logo que ganhamos, no dia seguinte da vitória, já estávamos organizando o show de abertura do Enart 2020. Foi um choque o que aconteceu neste ano, a gente não esperava. A única vantagem é que o troféu ainda está com a gente — brinca a patroa, que, aos 58 anos, comanda pela segunda vez consecutiva o CTG.
O bom humor de Vera frente às adversidades é resultado de uma trajetória de desafios e vitórias que englobam os quase 50 anos de história do CTG. Criado em 1962, o Tiarayú guarda centenas de troféus conquistados em categorias artísticas de rodeios e festivais, além das lembranças de algumas fases difíceis.
Localizado na Zona Norte de Porto Alegre, o galpão de 1,3 mil metros já foi palco de muitos eventos que buscaram arrecadar recursos para manter o tradicionalismo vivo. No ano passado, por exemplo, escolheram um tema desafiador para apresentar no Enart, que demandava diferentes figurinos. A proposta para a apresentação do grupo foi contar a história da visita do botânico francês Auguste de Saint-Hilaire ao Rio Grande do Sul, entre 1820 e 1821, que virou um livro. Em sua jornada, ele passou por Porto Alegre, onde viu uma cidade com forte influência europeia e em desenvolvimento, mas também teve contato com índios nas Missões. Por causa desse contraste de realidade, um grupo de bailarinos dançou com trajes finos e um estilo de dança elegante. Já o outro representou os índios, com pilchas simples e coreografias rústicas.
Para conseguir financiar o audacioso projeto, realizaram uma série de rifas e eventos. No final, a disposição das centenas de voluntários e bailarinos deu certo, e resultou no tão desejado troféu. Neste ano, os esforços resultarão em um prêmio ainda maior: a união fortalecida da comunidade.
E para celebrar tanto sucesso, a patronagem também preparou surpresas no aniversário do CTG, que é comemorado dia 20 de setembro. Neste ano, o grupo está organizando uma série de atividades que ocorrerão ao longo de toda a Semana Farroupilha. Eles reservaram um estúdio de gravação que transmitirá, ao vivo, shows e depoimentos de associados para contar os causos de mais de meio século de história do Tiarayú.