Após meses de reforma, a comissária de bordo Debora Soper Avila havia concluído, na semana passada, uma extensa obra no apartamento adquirido em Canoas, na Região Metropolitana. Nos próximos dias, começaria vida nova no tão sonhado lar. Na sexta-feira (9), o marido recebeu uma súbita mensagem no celular, na qual ela dizia que o amava muito. Aos 28 anos, a gaúcha de Porto Alegre estava trabalhando no voo 2283 da Voepass, que, instantes depois, caiu em Vinhedo, no interior de São Paulo.
A mais recente tragédia da aviação brasileira matou 62 pessoas. Formada em 2017 na Aerosul, empresa pioneira na formação de comissários de voo no Rio Grande do Sul, Debora era uma das quatro tripulantes. Desde sábado (10) à noite, o marido e o irmão estão em São Paulo, aguardando a identificação e a liberação do corpo.
— É um trabalho criterioso, leva tempo. Mas vamos levá-la de volta para casa — conta o irmão Luiz Soper.
Filha de um relojoeiro de 74 anos e uma dona de casa de 67, Debora cresceu brincando com aviõezinhos na região do Parque dos Maias, na zona norte da Capital. A paixão pela aviação foi herdada do avô paterno, um ex-paraquedista tcheco que lutou no exército polônes e fugiu da perseguição nazista buscando refúgio no Rio Grande do Sul.
O pai também tentou a carreira militar e o irmão sonhava em pilotar helicópteros, mas foi Debora quem deu vazão ao sonho familiar. Concluiu o curso de comissária de voo, com festa de formatura cuja decoração remetia à temática aérea.
Logo em seguida conseguiu seu primeiro emprego no setor, como comissária da Avianca Brasil. Menos de um ano depois, porém, a empresa faliu e encerrou as operações no país. Fora do mercado, formou-se em Gestão de Recursos Humanos. Debora trabalhou como gerente de uma estética na Cidade Baixa até março de 2023, quando passou a atuar na Voepass.
A Debora é uma pessoa incrível. A vida dela era no ar, mas sempre foi o chão de muita gente.
LUIZ SOPER
Irmão da comissária
Casada há três anos com um engenheiro civil, Debora foi deslocada de Porto Alegre para São Paulo após a enchente de maio, quando o aeroporto Salgado Filho teve as atividades suspensas pelos alagamentos. Na capital paulista, dividia apartamento com uma amiga de outra empresa aérea. Sempre que podia, porém, retornava ao Rio Grande do Sul. No dia 4 de agosto, esteve com a família na festa de aniversário do irmão.
— A gente tinha uma conexão muito forte, tínhamos as mesmas paixões por música e Fórmula-1. Estávamos sempre nos falando — diz Luiz.
Após concluir a obra no apartamento, Debora fazia planos para o futuro. Planejava um outro rumo profissional, longe da aviação, e queria ser mãe. A mudança para a casa nova, em Canoas, seria o princípio de um recomeço.
Na sexta-feira, Luiz estava trabalhando quando recebeu um telefonema do cunhado, preocupado com o sumiço do voo de Debora nos radares de aplicativos de acompanhamento de viagens aéreas. Eles conversavam com um amigo, especialista em aviação, quando vídeos com a queda de uma aeronave começaram a aparecer na internet. Luiz identificou o prefixo e logo percebeu que uma tragédia se abatia sobre a família.
Não tardou a receberem um comunicado da Voepass confirmando o óbito.
— A Debora é uma pessoa incrível. A vida dela era no ar, mas sempre foi o chão de muita gente — cita o irmão.
Levados pela Voepass para São Paulo, ele e o cunhado estão em um hotel junto a outras 37 famílias das vítimas. Também estão em São Paulo parentes do representante comercial André Armindo Michel, 52 anos, outro gaúcho vítima do acidente.
Até o final da manhã desta segunda-feira (12), 17 corpos já haviam sido identificados. Oito foram entregues aos familiares e outros nove aguardavam a documentação ser concluída. Mais de 40 médicos e profissionais de saúde trabalham na identificação. Foram coletadas ao menos 45 amostras de DNA para auxiliar no trabalho.