O aguaceiro que expandiu o leito dos principais rios do Rio Grande do Sul para dentro de cidades atingiu uma área que corresponde a sete vezes a cidade de Porto Alegre, o dobro do município de São Paulo e maior do que o território de Luxemburgo, na Europa. A inundação que vem castigando o Estado há duas semanas alcança uma extensão de 3,8 mil quilômetros quadrados, segundo dados do grupo Cientistas pelo RS, formado por pesquisadores das áreas de hidrologia e urbanismo da UFRGS e outras instituições parceiras.
A força das águas também causou inundação com impacto direto em cerca de 630 mil pessoas na região da bacia do Guaíba, sem levar em conta o sul do Estado; são 301 mil domicílios, 2,7 mil quilômetros de estradas e 400 mil edificações, segundo o levantamento. A pesquisa pintou uma mancha sobre o Estado, destacando a área mais afetada e deixou clara a rota da cheia, que passou pela Região Central, Vale do Rio Pardo, Serra, Vale do Caí, Vale do Sinos, Região Metropolitana e Região Sul.
O estudo usa imagens de satélite, filtrando regiões com acúmulo de água e lama, que mostram a extensão da inundação. Além disso, cruza esses dados com informações demográficas das cidades, extraídas do Censo 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Um dos pesquisadores voluntários do grupo, Guilherme Marques Iablonovski, cientista de dados espaciais na Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da ONU (UN-SDSN), afirma que o tamanho da área atingida é um dos principais pontos que chamaram a atenção na elaboração do material:
— O que impressiona é a extensão. A gente pegou essa imagem de satélite que em geral cobre áreas muito grandes. Estamos acostumados a pegar uma imagem e olhar para um pedacinho dela. Dessa vez, não, a gente olhou para essa imagem inteira, ela cobre metade do Estado. É muito grande.
Efeito pulverizado
Ao contrário de outros eventos onde a natureza subjugou cidades do Estado, esse mostra uma pulverização do efeito das cheias, atingindo mais de uma região ao mesmo tempo, com chuva persistente que insistia em não se afastar do pago dos gaúchos.
O tamanho da devastação impressiona tanto quem mora no Estado e já passou por desastres envolvendo enchentes, quanto quem é de fora. Um dos exemplos é Edmilson Leite, mais conhecido como Coronel Leite e por suas participações em programas do canal Discovery Channel, como Desafio em Dose Dupla — Brasil. No Rio Grande do Sul para ajudar nos trabalhos de resgate às vítimas atingidas pela inundação, o militar compartilhou em suas redes sociais que nunca havia visto uma adversidade como esta. Vale lembrar que ele esteve presente no resgate de tragédias como o acidente do voo Gol 1907, em 2006, no Mato Grosso, e o rompimento da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais, em 2019.
Diferentemente de enchentes registradas no século passado, essa ocorre em um cenário onde os centros urbanos e subúrbios se expandiram e contam com maior número de pessoas, segundo Iablonovski. Isso aumenta o potencial de estragos, acrescenta:
— Talvez o que diferencia muito do evento de 1941 é a quantidade de pessoas que agora existem e que estão em áreas expostas. Em 1941, por exemplo, o Sarandi (em Porto Alegre) não existia, Mathias Velho (em Canoas) não existia. Essas regiões não precisavam ser protegidas, elas eram as áreas de inundação dos seus rios e agora a gente tem muito mais pessoas expostas.
Dados em prol de melhorias e prevenção
Os responsáveis pelo estudo apontam que esse material mostra um raio X dos problemas no enfrentamento à inundação, revela pontos críticos de sistemas e informações importantes para combater crises nesse molde.
— Têm municípios falando que talvez tenham que rever a sua localização. Também há uma segunda situação, que é como se adaptar. Nesse sentido, essas previsões são muito importantes para planejar o que precisa ser feito, revisar legislações — destaca Geisa Rorato, arquiteta e urbanista, professora do Departamento Urbanismo Faculdade de Arquitetura da UFRGS.
A pesquisadora afirma que esse levantamento também consegue mostrar um cenário mais próximo da realidade, usando informações científicas e cruzando diversos bancos de dados.
O Cientistas pelo RS também conta com a participação de diversos pesquisadores, como Leonardo Laipelt e Iporã Brito Possantti, engenheiros ambientais, hidrólogos e doutorandos do Departamento de Hidromecânica e Hidrologia do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS.