Na cozinha de uma escola desativada de Encantado, um sofá grande de quatro lugares divide espaço com um fogão industrial, geladeira e roupas ainda empacotadas. Uma divisória de madeira separa o que seria a sala de um quarto, onde Romário e Márcia vivem com os seis filhos desde que a segunda enchente atingiu o Vale do Taquari. A família havia perdido tudo no desastre de setembro, e ainda estava sem casa quando um segundo transbordamento do Rio Taquari atingiu o município.
— A gente, eu e as crianças, dorme tudo pelo chão, uns não tem cama ainda. Algumas coisas aqui eu juntei do barro na segunda enchente né? A gente tava levantando, faceiro. Mas nós perdemos. Essa segunda enchente ainda foi diferente, foi bem abatido. Ainda tá abatendo nas nossas almas o sentimento — lamentou Márcia de Oliveira Tavares, de 35 anos.
Nas demais salas de aula da antiga Escola Municipal Tancredo Neves, no bairro Lago Azul, outras 12 famílias vivem pelo mesmo período, a maioria com crianças. Cada sala serve como uma espécie de apartamento, para garantir o mínimo de privacidade, embora os banheiros ainda sejam compartilhados.
Neste local, estão pessoas que não conseguiram nenhum imóvel através do aluguel social, nem acomodação em casa de amigos e familiares, e que agora esperam uma definição de um lar temporário.
Viver em um ambiente compartilhado exige regras e adaptações na rotina das famílias. Ainda que informalmente, o casal exerça uma função como de síndico do abrigo. E isso envolve o contato com as autoridades, bem como administrar eventuais problemas internos.
— A gente tá aqui, dependendo deste lugar onde tem bastante família. Estamos em 13, e a gente vai tentando, vai driblando, contornando e vai passando. Mas não é fácil, tem dias aí que tem bastante movimento — contou Romário Borges, aposentado.
O casal recorda que antes da enchente vivia em uma casa alugada, próxima do abrigo. A estrutura, segundo eles, foi totalmente destruída. Desde setembro, a família já passou por ginásios, antes de chegar na escola.
— A gente espera uma resposta. Tá pra sair essas casas aí, pra gente ser contemplado, e ver se as coisas melhoram. Tem bastante conversa, até essa semana que passou a gente recebeu umas fotos de um terreno que o município recebeu. Vamos ver se vai sair da foto, a gente tem esperança que saia e melhore — completou Romário, que também é cadeirante e necessita de espaços acessíveis.
O anúncio que animou a família de Romário e Márcia foi feito na semana passada, pela prefeitura de Encantado. O Executivo informou que recebeu um terreno por meio do programa de Democratização de Imóveis da União.
Esses imóveis são cedidos às prefeituras em projetos aprovados estabeleçam a nova finalidade dos espaços, como moradia popular, atividades esportivas, educação e cultura. No caso de Encantado, a área de quase 35 mil metros quadrados no bairro São José será usada para a construção de cem casas destinadas aos moradores afetados pelas enchentes, sem nenhum custo para os beneficiados, por meio do programa Minha Casa, Minha Vida - Calamidade 2.
O município também confirmou a construção de 80 apartamentos em um condomínio vertical no bairro Navegantes.
Aluguel social
Apesar de viver em uma casa através do aluguel social, Helena Pereira é outra moradora que sonha com uma residência fixa através do programa. A casa alugada onde ela vivia antes da primeira enchente foi condenada. No dia 1º de novembro, se mudou para a residência atual, por meio do programa social. Dias depois, a casa seria mais uma vez atingida pela cheia de novembro e tudo se perdeu.
— Tem gente que tá no abrigo que tá em situação pior. Tô numa casinha melhor, mas só que aqui a gente tá na beira do rio. Se vier uma enchente, eu vou precisar de ajuda. Como é que eu vou sair com as crianças e com todas essas coisas de arrasto? — questionou Helena, ao recordar da segunda enchente, quando saiu desta casa grávida de oito meses com água na altura da cintura.
A filha mais nova, Ana Pereira, nasceu poucos dias depois, quando Helena ainda estava abrigada em um ginásio. A auxiliar de produção ainda tem outros quatro filhos, de 14, 12, 10 e dois anos de idade. Todos vivem apenas com ela, que atualmente está em licença maternidade do trabalho de auxiliar de produção.