O novo júri dos quatro réus pelo incêndio da boate Kiss, marcado para 26 de fevereiro de 2024, deverá ser mais curto do que o primeiro julgamento – que foi realizado em 2021 e durou dez dias.
A projeção foi feita, nesta sexta-feira (22), pelo desembargador Antonio Vinicius Amaro da Silveira, que é o 2º vice-presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e preside o Conselho de Comunicação Social da Corte. Em entrevista ao Gaúcha Mais, da Rádio Gaúcha, o desembargador também garantiu que o novo júri dos quatro réus do caso Kiss será transmitido ao vivo – como ocorreu no julgamento anulado, de 2021.
Leia a íntegra da entrevista
O que muda neste julgamento na comparação com o primeiro em relação aos principais personagens, como juiz, promotores, advogados? As testemunhas serão as mesmas?
Vamos começar pelo juiz. O juiz de fato não será o mesmo, houve uma troca por circunstâncias totalmente alheias a este processo. A vara trocou de juiz. Então, nós tínhamos um titular nesta vara, nesse juizado, e ele, por pedido próprio, acabou indo para uma outra vara, e outro juiz assumiu esse lugar. É um magistrado também experiente. O Ministério Público tem a autonomia de indicar os promotores a elaborarem a acusação.
Os jurados serão totalmente distintos, serão novos jurados que comporão o corpo de sentença. E serão sorteados, todo aquele processo novamente será realizado, com sorteio de novos jurados, e com mais atenção ainda, para evitar novas nulidades. E há testemunhas, que é o ponto-chave, que talvez seja o mais relevante, porque eles acabam sendo as personagens que nos dão maior dificuldade em função de toda a logística.
São as mesmas testemunhas já arroladas antes?
O processo é o mesmo, portanto, só o julgamento que é outro. Serão as mesmas testemunhas.
E se pode descartar testemunhas?
Pode, isso pode. Olha só, quando nós tínhamos naquele primeiro momento uma situação totalmente inusitada, não se sabia exatamente o que iria acontecer. De uma certa forma, isso (o primeiro júri) já nos serviu de experiência, ou seja, nós que eu digo o sistema de justiça. Então as pessoas já sabem o que vai acontecer com determinadas testemunhas, ou seja, essa testemunha não vai acrescentar, essa testemunha é fundamental, outra não fala tanto, então eles podem entender como um acordo de não ouvir tantas testemunhas porque talvez não acrescente ao processo. Então, de uma forma mais racional, esse júri tenha uma duração menor pela redução de testemunhas. É, por muito provável que isso aconteça.
Previsão de quantos dias de julgamento?
Vai depender de quantas testemunhas nós vamos ouvir. Vai andar da mesma forma, nós não temos como mudar os prazos. Evidentemente, que as partes irão usar os seus prazos, normalmente de sustentação oral, isso é absolutamente normal, até em função da complexidade, neste caso. Muitas pessoas vão ser ouvidas, ainda que haja redução. Naquele julgamento, nós tivemos 10 dias de júri, mas muito em razão do grande volume de pessoas que foram ouvidas. Então, na medida em que haja uma redução no número de pessoas a serem ouvidas, provavelmente nós teremos uma redução no número de dias também. Então, isso é uma circunstância que ainda está em aberto, porque vai depender exatamente dessas diligências que serão feitas agora, talvez em reuniões que as partes vão fazer com o juiz, talvez ouvindo menos testemunhas do que da outra vez, o que certamente demandará um número menor de dias.
O senhor citou o cuidado para que não haja nulidades novamente. Que tipo de cuidado será tomado?
O colega (juiz) que vai para os dias de júri terá que ter um cuidado redobrado naqueles pontos em que houve o questionamento, que é a questão dos números jurados que foram sorteados, todas aquelas questões que levaram o processo (anterior) à nulidade. Eu não quero aqui dizer que houve erro ou que não houve erro, mas diante da avaliação que foi feita pelas instâncias jurisdicionais a que o processo foi submetido, recomenda-se que o magistrado adote maiores cautelas para evitar que a mesma argumentação seja feita novamente com relação a esse procedimento.
Um dos pontos centrais que levou à anulação do júri anterior diz respeito exatamente à escolha dos jurados à época.
Eu estou tentando aqui não fazer nenhum juízo de valor acerca das decisões que foram tomadas no procedimento adotado no júri anterior. Mas justamente o que se visava evitar naquele momento era que não houvesse jurados suficientes para compor o conselho de sentença. Temos que ter no mínimo 25 pessoas presentes para fazer o sorteio dos sete jurados que irão compor o conselho de sentença. Então é justamente por isso que naquele momento a opção foi fazer mais de uma sessão de sorteio justamente para que houvesse um número suficiente de jurados, de pessoas aliás, a comporem o sorteio, o conselho de sentença. Então uma das questões a ser resolvida, ou seja, que vai ter que ser enfrentada nesse momento é essa. Como irá-se superar essa circunstância de eventualmente não termos um número suficiente de pessoas a comporem o conselho de sentença. Eu ressalto aqui que isso é muito preocupante, é muito importante em qualquer processo, nesse em especial, não só pela repercussão e pelo número de anos que já se passaram, mas porque há toda uma questão de logística e infraestrutura que se adota com antecedência para que um evento desta ordem ocorra.
Custo, inclusive?
Custo inclusive. Para todos, para a sociedade. Para o poder público. Então, na medida em que a sessão, o julgamento não ocorra, todo esse arcabouço que se faz de infraestrutura, de logística, acaba se perdendo. Tivemos um outro caso recente também que houve isso, no interior do Estado, onde tivemos um prejuízo bastante grande. Então são todas as coisas que nós aqui, que trabalhamos na área administrativa, que nos preocupamos com tudo isso, com o sucesso do julgamento, nós estamos todos trabalhando com isso. Então é uma frustração muito grande quando se tem um júri cancelado por uma circunstância formal. Então a cautela tem que ser muito grande. Por isso, talvez, algumas medidas possam ter sido justificadas no outro julgamento, mas que agora terão que ser buscadas outras alternativas.
Sobre transparência, no primeiro julgamento houve a transmissão das imagens. Para o novo julgamento também está sendo previsto algo nesse sentido?
Sim, nós temos já um padrão de transmissões aqui do Poder Judiciário, que trabalha justamente com julgamentos de grande repercussão, cujas transmissões possam colaborar com a transparência e para também desmistificar certos ritos que o Judiciário impõe aos seus julgamentos. Então nós temos como campanha institucional isso, a transparência, para mostrar para a sociedade como o trabalho é feito. E evidentemente que preservando todas as garantias individuais das pessoas que estão envolvidas para que não haja exploração indevida de imagem, etc. Mas evidentemente que isso é uma questão muito pontual. Nós por regra temos um regulamento específico que trata disso e que disciplina quais casos se enquadram no interesse público a ser transmitido, enfim. Nesse caso específico, ele (o julgamento) está inserido, ele é um dos casos mais simbólicos desta relevância pela transparência ao interesse público. Eventualmente isso poderá ser questionado em outros julgamentos, enfim. Mas sempre há um Conselho de Comunicação, que eu presido, e que avalia essa repercussão, esse interesse, se o caso se molda ao regulamento. Nesse caso está enquadrado.
O novo julgamento foi marcado para 26 de fevereiro, daqui a aproximadamente cinco meses. É um processo que está há muito tempo pendente de definição. Não havia possibilidade de marcar para antes?
Justamente por causa da questão da logística, nós precisamos nos preparar com antecedência para contratar as empresas terceirizadas que irão trabalhar (no júri). Por exemplo, a logística hoteleira para os jurados e testemunhas e réus. Precisamos de alimentação, precisamos de deslocamento. Tudo isso tem que ser previamente contratado e todas as contratações do poder público demandam licitação, e isso tem prazos muito rigorosos. Como a gente faz em todos os casos em que haja necessidade desse tipo de contratação? A gente estabelece qual seria o prazo mínimo que nós poderíamos, enxugando todas as possibilidades, chegar a uma data adequada. Primeiramente até se cogitou uma data mais antecipada, mas infelizmente não haveria como atender as contratações necessárias.
Em caso de os réus serem condenados novamente, eles saem presos imediatamente após o júri?
Essa é uma orientação jurisprudencial que é observada a via de regra, mas isso, como eu disse, é uma questão jurisdicional que vai ficar a cargo do magistrado ao proferir a sentença, se eventualmente for condenatória. Se for condenatória, ele poderá, sim, havendo uma pena mais elevada, ele poderá, sim, determinar a prisão imediata, como aconteceu, aliás, no júri anterior, em que houve um pedido de habeas corpus que acabou, por entendimento da primeira câmara criminal, que não se aplicaria a tese ao caso concreto e os réus responderam em liberdade. Mas, em tese, existe, sim, essa possibilidade de estar com resguardo da jurisprudência, inclusive.
Os familiares, parentes, amigos das vítimas, poderão ficar dentro do auditório de julgamento?
Vamos estabelecer o seguinte. O processo é público. Ele é público a princípio, então, qualquer pessoa poderia assistir presencialmente. Como, na verdade, se trata de um processo de imensa repercussão, com um número imenso de vítimas, evidentemente que nós não teríamos capacidade física de atender a todos. Por isso se faz um trabalho de logística para receber essas pessoas, inclusive com salas de apoio. Estou narrando aqui o que foi feito no julgamento passado. Uma adequação de salas de apoio, onde nós permitimos que as pessoas ficassem inclusive assistindo num telão, mais de um telão, e aos poucos nós fazíamos rodízio. Havia um rodízio porque a sala não contemplava um grande número de pessoas. Aliás, é um grande número de pessoas, mas não o suficiente para toda a assistência. E por isso também é que se busca dar a transparência através da transmissão pelo YouTube.