Foi preciso abrir espaço entre os escombros do Cemitério Municipal de Muçum para encontrar lugar para repousar os corpos de uma família vítima da enxurrada que atingiu a cidade. O casal de idosos Alvaro Pietta, 75 anos, e Beatriz Maria Pietta, 72, e o filho deles Macximiliano Ricardo Pietta, 46, foram sepultados no fim da manhã deste sábado (9). O cortejo chegou de Vespasiano Corrêa, onde foi realizado velório coletivo de nove vítimas.
O cenário por todos lados é de devastação. Os prédios que circundavam o cemitério desapareceram. Dentro do sepulcrário, jazigos foram destruídos, formando pilhas de entulhos.
Em frente ao cemitério, a equipe da funerária precisou até mesmo estudar como chegar com os caixões até o jazigo disponibilizado para o sepultamento. Havia receio de que os veículos atolassem. As vias estão cobertas de lama e alagamentos. Pouco antes das 11h, sob chuva, os três caixões foram depositados no jazigo.
Alvaro, Beatriz e Macximiliano estão entre as 15 vítimas que tiveram corpos localizados após a passagem da enxurrada. Beatriz era professora aposentada e adorava ler. A idosa enfrentava um câncer.
O casal de idosos era conhecido na comunidade e plantava produtos orgânicos em sua propriedade. Os dois eram casados havia quase meio século. Max, como era conhecido, era o único filho do casal. Solteiro e sem filhos, residia com os pais.
Valcenor Leopoldo Fleck, 74 anos, veio do Paraná para acompanhar o enterro da irmã caçula.
— Ela enfrentou um câncer, precisou retirar os dois seios. E agora morre assim, tragicamente — lamentou.
Natural de Encantado, Beatriz se mudou para Muçum ainda na infância, com o pai e os irmãos, após a mãe falecer. Na adolescência, começou a lecionar. Considerada uma das melhoras alunas no colégio, chegava a pedalar 13 quilômetros na estrada de chão para chegar à escola. Foi professora por mais de 50 anos até se aposentar.
— Hoje ouvi uma frase aqui no velório de uma das pessoas, que a Beatriz foi a pessoa que mais lhe inspirou a ser quem é. Isso me tocou muito — disse o irmão.
O casal mantinha uma chácara onde passaram a se dedicar ao plantio.
— A diversão deles era plantar, colher e distribuir para a comunidade. O pomar deles era fantástico — descreve Valcenor.
Outras vítimas
As demais vítimas serão sepultados em cemitérios da região. O casal Genecilde de Freitas, 52 anos, e Sebastião de Oliveira, 60, foi enterrado no Cemitério Murige de Roca Sales. Também no município, no Cemitério Aparecida, foi sepultada Joeci Filiceti, 64.
Pai e filho, Danilo Lourenzi, 71 anos, e Vagner Lourenzi, 43, foram enterrados no cemitério municipal de Anta Gorda. Já Zilda Bonatto do Amaral, 90, foi sepultada no cemitério Santo Antão de Encantado.
Pai e filho inseparáveis
"Furão pai" e "Furão filho". Assim eram conhecidos Danilo Lourenzi e o filho Vagner Lourenzi. A família tinha uma mercearia especializada em lanches, o Disk Furão. O apelido era do pai, mas foi herdado também pelo filho quando ainda era criança.
Desde que ficou paraplégico, Vagner era levado para todo lado pelo Furão pai, inclusive para as quadras de basquete. O filho participava de campeonatos da modalidade para cadeirantes, na equipe Blindados do Vale, de Lajeado.
— Ele era um amigão, extrovertido, vivia a vida intensamente. Mesmo com a cadeira de rodas, não deixava de sorrir e de ajudar os outros — recorda o colega de time e presidente da Fundação de Articulação e Desenvolvimento de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência e com Altas Habilidades no RS (Faders), Marquinho Lang.
Apenas pai e filho estavam na residência, em Muçum, quando a água começou a subir.
Salvou a mãe
Leandro Menegildo, 43 anos, morava no bairro Niterói, em Canoas, mas estava em Muçum nos últimos dias para ajudar a consertar o telhado da casa da mãe, que havia quebrado por conta da chuva de granizo da última semana.
Segundo o irmã, Fernando Menegildo, 30 anos, com a chegada da enchente, Leandro levou a mãe até a casa da tia, numa área mais afastada. Mas decidiu retornar para ajudar os conterrâneos que estavam precisando. Foi quando acabou se tornando vítima da enxurrada.
Leandro, que deixa uma filha de 15 anos, é velado neste sábado no cemitério Santo Antônio, em Canoas.