O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) concluiu a investigação do caso de 85 trabalhadores resgatados de uma situação análoga à escravidão em lavouras de arroz em Uruguaiana, na Fronteira Oeste. A auditoria aponta a multinacional de sementes Basf e proprietários de duas fazendas como responsáveis pela situação dessas pessoas, definida pelos fiscais como "degradante". Foi determinado que a empresa deposite R$ 365,5 mil de verbas rescisórias para os agricultores, que atuavam na remoção manual de inço da lavoura de arroz.
Os trabalhadores atuavam na remoção do arroz vermelho, um tipo de planta daninha localizada nas lavouras de arroz. Foram resgatados, dia 10, de duas propriedades rurais: a Santa Adelaide (onde atuavam 54 pessoas, sendo 10 adolescentes), e a São Joaquim (com 31 pessoas, sendo um adolescente). Até hoje, as informações apontavam 82 resgatados (outros foram localizados). Conforme os fiscais do Trabalho, as condições eram degradantes: os agricultores atuavam 14 horas por dia sob temperaturas próximas aos 40ºC, sem teto, água fresca, sombra e banheiro. A comida azedava em decorrência do calor. Eles também aspergiam venenos na lavoura, sem contar com equipamentos de proteção.
Conforme os fiscais do ministério, a remoção das plantas daninhas era feita de duas formas: por corte manual (com faquinhas de cozinha, que eles mesmos precisavam providenciar) ou por veneno, aspergido por meio de uma barra química carregada nos ombros pelos próprios trabalhadores, sem proteção.
"Há de se relatar, ainda, que algumas das vítimas estavam alojadas em local distante cerca de 10km da granja São Joaquim. O alojamento, na verdade um galpão sem janelas e com seis colchões perfilados lado a lado, não apresentava condições mínimas de higiene e conforto aos trabalhadores, sendo interditado de pronto pelos Auditores-Fiscais do Trabalho", descreve o documento intitulado Inspeção do Trabalho, concluído neste sábado (18).
A inspeção concluiu que a Basf recrutava trabalhadores para multiplicar sementes gerenciadas pela empresa e controlava seu volume de trabalho e a qualidade do serviço.
O chefe do setor de Inspeção do Trabalho do MTE em Uruguaiana, auditor Vitor Siqueira Ferreira, explica que a multinacional terá de pagar a rescisão porque ficou comprovado que ela não apenas comprava a safra, mas supervisionava (através de engenheiros agrônomos contratados por ela) a arregimentação de mão de obra, o acompanhamento das etapas de trabalho e a autorização de pagamento após a realização dos serviços.
-Era uma parceria, já que englobava a gestão conjunta de todas as fases de produção, desde o preparo de solo, o plantio, a irrigação, a aplicação de agrotóxicos, a adubação, o roguing (eliminação de plantas daninhas) e a colheita - analisa Ferreira.
O auditor do MTE ressalta que o pagamento das verbas rescisórias é uma primeira etapa, mas que pode não ser a única verba recebida pelos trabalhadores resgatados. Isso porque o Ministério Público do Trabalho (MPT) poderá exigir, via judicial, indenização por danos morais coletivos ou mesmo individuais para os agricultores que foram lesados em seus direitos trabalhistas. Não só da empresa, mas também dos donos das fazendas. Caso semelhante aconteceu este mês na Serra e as empresas responsáveis firmaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) no qual concordaram em pagar R$ 7 milhões, para evitar um processo judicial relativo a trabalho escravo.
CONTRAPONTO
O que diz a Basf:
Em nota, a Basf disse que contribuiu proativamente com os auditores fiscais do trabalho prestando espontaneamente todos os esclarecimentos desde que tomou conhecimento do caso a respeito dos trabalhadores contratados pelas fazendas multiplicadoras que fornecem sementes de arroz, em Uruguaiana – RS. "A empresa recebeu com surpresa a manifestação à imprensa enviada hoje pelo Setor de Inspeção do Trabalho (SIT) e continuará contribuindo com todas as autoridades, em especial o Ministério Público do Trabalho, para que se defina uma solução rápida e justa para todas as partes, principalmente aos trabalhadores. A Basf segue exigências de contratação de fornecedores e subcontratados que incluem, entre outras medidas, que as empresas contratadas estejam de acordo com a lei trabalhista e sejam rigorosas no respeito aos direitos humanos. A Basf está comprometida com o desenvolvimento sustentável ao longo da sua cadeia de valor, que tem como premissa o respeito e a proteção às pessoas, bem como a transparência na sua relação com a sociedade. A companhia condena veementemente práticas que desrespeitem os direitos humanos. A companhia atua no Brasil há mais de 110 anos e investe em inovação para o desenvolvimento das melhores práticas para a agricultura, meio ambiente e a sociedade. A Basf reitera o seu compromisso com a valorização, o respeito e a proteção às pessoas em sua cadeia produtiva".