As duas estâncias onde foram resgatados 85 trabalhadores em situação análoga à escravidão, em Uruguaiana, afirmaram, nesta quinta-feira (16), que não mantinham qualquer vínculo com os funcionários. Uma das propriedades, a Agropecuária Santa Adelaide divulgou nota (leia a íntegra abaixo) dizendo que os trabalhadores eram ligados a uma empresa terceirizada, que foi contratada para fazer a limpeza da lavoura de arroz.
O texto ressalta que, embora os funcionários não fossem contratados pela fazenda, a estância disponibilizava transporte para facilitar o deslocamento dos trabalhadores até a lavoura.
"Os referidos funcionários vinham da cidade todas as manhãs, normalmente em Vans, trabalhavam em dois turnos e ao final do dia, retornavam para cidade com as mesmas vans que os traziam. Ainda que os funcionários não eram contratados da fazenda, era disponibilizado transporte para facilitar o deslocamento dos funcionários para dentro da lavoura e retorno da mesma", diz um trecho da nota.
A Agropecuária Santa Adelaide também destaca que está colaborando com "todas as informações necessárias para contribuir com a justiça" e que coloca-se "inteiramente à disposição para esclarecimentos dos fatos".
Já a estância São Joaquim afirmou que arrenda (aluga) a lavoura para um terceiro e que não possui o "gerenciamento do pessoal". Em conversa com GZH, um dos proprietários relatou que não tinha conhecimento sobre a situação.
— Essa área é arrendada para lavoura, não temos relação com o custo (da plantação) e gerenciamento de pessoal. Ficamos surpresos — afirmou o proprietário, que pediu para não ser identificado.
Investigação
O Ministério Público do Trabalho (MPT) já identificou os produtores rurais, a empresa de sementes e os aliciadores envolvidos na redução de 85 homens à condição de trabalho análogo à escravidão em Uruguaiana, mas ainda resta a tarefa de distinguir a responsabilidade objetiva pela figura de empregador. Caberá aos enquadrados a obrigação de pagar a verba rescisória dos trabalhadores.
— São duas granjas, cada uma com proprietários diferentes. Elas tinham contrato com outra empresa, que fornecia as sementes que seriam plantadas, o amparo técnico, fiscalizava a safra e que, depois, iria comprar essa safra. E havia os aliciadores, os gatos, que chamavam as pessoas da região, as colocavam em serviço e davam orientações para elas conforme as orientações da empresa dona da safra — detalhou o procurador do Trabalho Hermano Martins Domingues, coordenador da Procuradoria do Trabalho em Uruguaiana, em entrevista a GZH na quarta-feira (15).
O MPT não revelou qual é a empresa investigada, mas a reportagem da RBS TV apurou que se trata da multinacional Basf. A companhia confirmou, em nota, que contrata as fazendas onde os trabalhadores foram resgatados, e disse que lamenta e condena o ocorrido e que contribui com as investigações.
A reportagem procurou novamente o MPT e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) nesta quinta-feira, e ouviu que as investigações permanecem em andamento.
— Quanto às propriedades rurais, duas estão sendo objeto de ação fiscal. (Em) uma delas, o produtor rural é o proprietário da terra ou a família dele é proprietária da terra. Na outra, existe um arrendante e um arrendatário. O arrendante é quem aluga a terra. E o arrendatário é aquele que explora o local. O dono da terra, nesta segunda propriedade, dessa segunda granja, ele não tem responsabilidade nenhuma. Quem tem responsabilidade é o produtor que explora o local — indicou o auditor fiscal do trabalho Vitor Siqueira Ferreira.
Ferreira, que é chefe do Setor de Inspeção do Trabalho em Uruguaiana, complementa dizendo que a investigação busca identificar "de quem é a responsabilidade pela empregabilidade dessas pessoas":
— Nessa ação fiscal em específico, nós estamos analisando de quem é a responsabilidade pela empregabilidade dessas pessoas, se é do produtor rural ou da empresa que explora a produção de sementes. Isso ainda está sendo investigado. Essa investigação está no final, nós estamos terminando as oitivas de todos os atores dessa relação, tanto de produtores rurais quanto os prepostos da empresa, os responsáveis técnicos, os próprios trabalhadores. Em breve teremos a conclusão.
Leia a íntegra da nota enviada pela Santa Adelaide:
"AGROPECUÁRIA SANTA ADELAIDE - NOTA DE ESCLARECIMENTO.
A Fazenda Santa Adelaide, localizada em Uruguaiana, vem a publico prestar esclarecimentos em relação às noticias vinculadas em alguns meios de comunicação a respeito de irregularidades e descumprimento de normas e regulamentações de trabalho em sua propriedade:
1- Os funcionários ora encontrados na fazenda por ocasião da fiscalização dos órgãos competentes não fazem parte nem nunca fizeram parte do quadro de funcionários da mesma. Estes funcionários pertenciam a uma empresa terceirizada, que fora contratada para realizar roguing (arranque de plantas atípicas);
2- Os referidos funcionários vinham da cidade todas as manhãs, normalmente em Vans, trabalhavam em dois turnos e ao final do dia, retornavam para cidade com as mesmas vans que os traziam;
3- Ainda que os funcionários não eram contratados da fazenda, era disponibilizado transporte para facilitar o deslocamento dos funcionários para dentro da lavoura e retorno da mesma.
4- Somos produtores de arroz há 30 anos, e durante todo este período procuramos estar rigorosamente em dia com toda a legislação trabalhista, com as devidas normas de segurança e principalmente com o bem estar de todos os colaboradores que estão ou estiveram conosco ao longo destes anos;
5- Por fim, neste momento o que estaremos priorizando é dar todas as informações necessárias para contribuir com a justiça e nos colocarmos inteiramente à disposição para esclarecimentos dos fatos.
Atenciosamente,
AGROPECUARIA SANTA ADELAIDE".