Em uma região traumatizada por um modelo de pedágios da década de 1990, que cobrava caro e não adequava a infraestrutura ao ritmo crescente do desenvolvimento, a desconfiança quando se menciona o pagamento de tarifas nas estradas da serra gaúcha é até comum. No modelo proposto atualmente, porém, mais do que a óbvia conservação do asfalto e sinalização, o foco está na ampliação da capacidade das estradas. Nos 271,54 quilômetros do bloco 3 das concessões das rodovias estaduais do Rio Grande do Sul, os estudos elaborados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) apontam ainda a necessidade de construção de 40 viadutos e 24 pontes.
As obras constam como obrigatórias e com prazo de execução no Plano de Exploração de Rodovias (PER), documento publicado com o edital para a seleção da concessionária, que ocorre na próxima quarta-feira (13). Os compromissos da empresa vencedora do leilão também incluem a duplicação de 119,46 quilômetros de estradas, além da implantação de 53,96 quilômetros de terceiras faixas, 10,45 quilômetros de ruas laterais, 45 passarelas para pedestres e melhorias em acostamentos. Ao todo, o contrato exigirá o aporte de R$ 3,4 bilhões dos valores arrecadados nas seis praças de pedágio a serem implantadas no bloco, duas das quais já estão em operação - em Portão e Flores da Cunha - mas que mudarão de endereço.
O montante de investimentos estimado inicialmente era menor, mas cerca de R$ 400 milhões foram acrescidos no fim do ano passado, após a etapa de discussões públicas. O valor representa o custo de investimentos que não constavam na proposta inicial e foram incluídos a pedido de líderes empresariais, políticos e representantes da sociedade. Coordenado pelo Conselho Regional de Desenvolvimento Econômico da Serra (Corede Serra) o grupo de trabalho concentrou as discussões a respeito do bloco 3, principalmente na Serra. Entre as obras adicionadas estão dois viadutos no entroncamento da RS-453 com a RS-444, no acesso a Bento Gonçalves pela localidade de Barracão, com construção prevista para o terceiro ano de contrato. Outro investimento importante adicionado é um túnel no acesso a Farroupilha pela RS-453, programado para o sétimo ano.
— Consideramos que 95% das nossas demandas foram atendidas. De toda forma, as empresas tomam decisões técnicas e nem sempre são aquelas que imaginamos. Os outros 5% tiveram argumento técnico e qualquer estrangulamento que surja, pode ser conversado com o concessionário — aponta Mônica Mattia, presidente do Corede Serra.
Uma das alterações mais significativas definidas após as discussões foi a realização de todas as obras de infraestrutura até o sétimo ano de contrato, reduzindo o prazo anterior que chegava ao 25° ano. As primeiras duplicações, precisam ser entregues até o terceiro ano de contrato, junto com viadutos e todas as obras complementares previstas para os trechos. Estão nesse prazo, por exemplo, quase 11 quilômetros da RS-122 no contorno norte de Caxias do Sul, entre o chamado viaduto torto e a saída para Flores da Cunha; a RS-453, entre Farroupilha e o entroncamento com a BR-470, em Garibaldi; e o trecho urbano da RS-240 em Montenegro. A RS-122, entre Farroupilha e São Vendelino tem duplicação prevista para o 4º ano de contrato, com mudanças de traçado, como a eliminação da chamada curva da morte, no km 47, em Farroupilha.
A relação de obras obrigatórias não exclui a possibilidade de implantação de melhorias não previstas atualmente, como a duplicação da RS-122, entre Caxias e Flores da Cunha. Nesse caso, o investimento dependerá do aumento no fluxo de veículos para que se justifique. Já o trecho da RS-453, entre a saída para a Flores da Cunha e o entroncamento com a BR-116, na zona norte de Caxias, não foi incluído na concessão. O trecho é um prolongamento de um segmento que será duplicado e, segundo o Estado, demandariam novos estudos para a inclusão no bloco de concessões. Não se descarta, porém, incluir o trecho em uma concessão envolvendo a Rota do Sol no futuro.
Solução de demandas históricas
Além das duplicações, a construção de viadutos e outras melhorias previstas para o bloco 3 contempla gargalos históricos no eixo logístico da Serra e do Vale do Caí. É o caso do entroncamento da RS-453 com a RS-122, na saída de Farroupilha para Porto Alegre. O entroncamento reúne boa parte do fluxo local da região e também veículos que se deslocam entre Porto Alegre e a região de Vacaria.
Embora entidades contrárias ao modelo de concessões proposto, como a Associação das Entidades Representativas da Classe Empresarial da Serra Gaúcha (CICS Serra), defendam que não há previsão construção de um viaduto no ponto, a reportagem confirmou o projeto da elevada junto ao governo do Estado. A obra também aparece na documentação da concessão, com previsão de entrega no 4º ano de contrato.
Entre Caxias e Farroupilha, além da implantação de terceiras faixas, a RS-122 terá o fechamento dos retornos que atualmente obrigam os motoristas a cruzar a pista contrária. Os dispositivos aumentam o risco de acidentes e serão substituídos por rótulas no eixo da pista. O trecho também terá a primeira ciclovia inclusa em uma concessão rodoviária do país.
Outro ponto contemplado é o entroncamento da RS-453 com a BR-470, em Garibaldi, que deve ganhar elevada para aliviar o fluxo na interseção. A própria BR-470, inclusive tem viadutos previstos em pontos como o entroncamento com a RS-444, no acesso ao Vale dos Vinhedos e no acesso a Garibaldi, entre outros. Nesse caso, porém, a realização das obras depende da transferência, da União para o Estado, do trecho da rodovia que liga Bento Gonçalves a Carlos Barbosa, já que a responsabilidade voltou a ser do governo federal em 2015. O processo já está em andamento, mas ainda não tem prazo para ser finalizado. Caso a transferência não se efetive até a assinatura do contrato, a BR-470 ficará de fora da concessão.
No Vale do Caí, o destaque é a construção de um viaduto ligando dois segmentos da RS-240, onde atualmente fica o pedágio de Portão. A estrutura ficará pronta no 5º ano de contrato, quatro anos após as cancelas serem transferidas para São Sebastião do Caí. As travessias urbanas de São Leopoldo, no bairro Scharlau, e de Montenegro, também contarão com elevadas e ruas laterais, entre outras melhorias.
Atendimento ao usuário e monitoramento
As obrigações da concessionária que vencer o leilão não se limitam à melhoria da infraestrutura. A empresa também precisará disponibilizar uma série de serviços aos motoristas, que vão de socorro médico e mecânico a três áreas de escape para caminhões desgovernados na RS-122, entre Farroupilha e Flores da Cunha. O trecho, que margeia o Rio das Antas, historicamente concentra acidentes com veículos pesados. O dispositivo é semelhante ao já utilizado em rodovias como BR-376, na divisa do Paraná com Santa Catarina, em trecho administrado pela concessionária Arteris Litoral Sul.
A concessionária também deverá implantar sistema de monitoramento de tráfego com câmeras e outros dispositivos, cercamento eletrônico e balanças para pesagem de caminhões na RS-453, em Farroupilha e na RS-122, em Bom Princípio. As encostas, preocupação frequente em trechos de serra devido a desmoronamentos, devem passar por monitoramento constante e receber contenções. Além disso, a empresa também deverá equipar os pelotões do Comando Rodoviário da Brigada Militar (CRBM) com dispositivos que auxiliem na fiscalização, como bloqueadores de fuga e sinalizadores.
Confira os principais serviços obrigatórios
- Centro de Controle Operacional (CCO): deverá contar com monitoramento de imagens, coordenará envio de mensagens aos usuários por painéis eletrônicos nas rodovias, site e sistemas de radiodifusão. O início de funcionamento é até o primeiro ano de contrato.
- Sistema de pesagem: dois postos fixos de pesagem de caminhões em cada bloco. O serviço ajuda a detectar excesso de carga, o que prejudica o pavimento. Deverão entrar em operação até o 36º mês de contrato.
- Câmeras: todas as rodovias deverão ser monitoradas de forma ininterrupta e sem pontos cegos. A operação deve começar até o 24º mês de concessão em todos os blocos.
- Sistema de controle de velocidade: instalação e operação de pardais e lombadas eletrônicas em pontos críticos, além de cercamento eletrônico. Devem entrar em operação até o 24º mês de contrato.
- Sistema de sensoriamento meteorológico: estações deverão contar com sensores de temperatura, chuva, umidade, neblina, névoa e nevoeiro. Os dados serão compilados pelo centro de operações, que deverá divulgar as informações por vários canais.
- Bases operacionais: Serão cinco e ficarão ao longo das rodovias. Terão estacionamento, banheiro, fraldário, água potável, área de descanso, telefone público e acesso iluminado. Também terão a estrutura necessária para abrigar funcionários.
- Pontos de descanso para caminhoneiros: situado na RS-122, entre São Vendelino e Bom Princípio. Deve ter área de 4 mil metros quadrados com banheiros, chuveiro quente, estacionamento, vigilância privada e internet sem fio. Serviço será gratuito e deve estar disponível até o 24º mês de operação.
- Atendimento médico: poderá ser acionado por qualquer canal, mas a concessionária também poderá deslocar as equipes a partir do monitoramento de câmeras. O serviço 24 horas deve oferecer suporte para salvamento em locais de difícil acesso e aparelhos para remover pessoas das ferragens. A chegada das equipes deve ocorrer em até 20 minutos em 90% dos casos e em até 30 minutos nos 10% restantes.
- Atendimento mecânico: deve contar com guinchos leves e pesados e oferecer auxílio para a troca de pneus 24 horas. Os guinchos leves devem chegar em até 60 minutos no local da ocorrência em 90% dos casos, com tolerância de 10 minutos para os 10% restantes. Para guinchos pesados, o tempo máximo é 1h30min em 90% dos casos e 1h40min para o restante das ocorrências.
- Demais incidentes: concessionária deverá ter caminhões pipa e caminhões para o resgate de animais. Os veículos servirão de apoio aos bombeiros e ao Comando Rodoviário da Brigada Militar (CRBM). A chegada ao local da ocorrência deve levar no máximo duas horas.
- Sistema de informações aos usuários: boletim mensal gratuito com informações importantes, como tarifa, serviços, obras, etc. Deve estar disponível no site, pedágios, bases operacionais e outros canais de comunicação da concessionária. Também deve ser disponibilizado canal para reclamações e sugestões, por telefone e por escrito. Deve começar até o 6º mês de contrato.
- Pedágios: devem oferecer agilidade na cobrança. Além da cobrança manual, precisam ter sistemas automáticos de pagamento, que também permitirão descontos de até 20% para usuários frequentes. Em dias úteis, as filas de veículos não poderão ultrapassar 200 metros, enquanto em vésperas de feriado e fins de semana o limite é de 400 metros. O limite será definido caso a caso para horários de pico. Caso a fila fique maior do que o determinado por mais de 15 minutos, as cancelas deverão ser liberadas sem cobrança.
- Reforma e adequação de postos policiais: até o 12º mês de contrato, a concessionária deverá reformar e adequar postos do CRBM.
- Monitoramento e relatórios: a concessionária deverá monitorar de forma constante e enviar ao governo do Estado relatórios periódicos de tudo o que diz respeito à rodovia. Entre eles estão controle permanente do pavimento e da sinalização, que devem obedecer parâmetros mínimos de nivelamento, aderência e reflexo, condições de pontes, viadutos e elevadas, além de monitoramento das encostas, a fim de evitar queda de barreiras. Ainda no primeiro ano deve ser eliminado qualquer risco de desmoronamento no curto prazo.
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