Depois de apostar em modelos de gestão de rodovias que se tornaram alvo de críticas nas últimas décadas, como o dos polos rodoviários lançados nos anos 1990 e a da Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR), o Rio Grande do Sul dará um passo decisivo na próxima quarta-feira (13) rumo a uma nova proposta para aprimorar a infraestrutura de suas estradas.
Será realizado na bolsa de valores B3, em São Paulo, o primeiro dos três leilões previstos para conceder à iniciativa privada blocos rodoviários que somam 1.131 quilômetros e viabilizar um dos maiores projetos de investimento em infraestrutura já vistos no Estado: mediante cobrança em 22 praças de pedágio, devem ser injetados R$ 11,1 bilhões ao longo de 30 anos em duplicações, construção de viadutos, pontes, acostamentos e outras intervenções.
A primeira oferta aos investidores vai reunir 271,5 quilômetros de vias concentradas na Serra e no Vale do Caí, que receberão aportes de R$ 3,4 bilhões ao longo das três décadas de concessão. O resultado desse leilão inicial poderá levar a mudanças para o lançamento dos dois polos restantes nas próximas semanas. O bloco 2 reúne Vale do Taquari, e região de Passo Fundo e Erechim, e o bloco 1 congrega as regiões Metropolitana, Litoral Norte, e das Hortênsias (Gramado, Canela e cidades vizinhas).
O novo programa de concessões é mais uma tentativa de desatar um dos principais nós que amarram o desenvolvimento do RS. De acordo com a Câmara Brasileira de Logística e Infraestrutura, todos os anos os gaúchos desperdiçam o equivalente a 21,5% do seu Produto Interno Bruto (PIB), algo na ordem de R$ 96 bilhões, devido a dificuldades de infraestrutura como crateras no asfalto, engarrafamentos e falta de alternativas para circulação de pessoas e produtos. A precariedade das rodovias é um dos pontos mais vulneráveis nesse cenário. Uma comparação simples ajuda a entender o nível da defasagem em que os gaúchos se encontram em relação à qualidade de sua malha viária: embora o Estado costume figurar como a quarta principal economia do país, atrás apenas de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, ocupa um vergonhoso 17º lugar no ranking de qualidade das estradas.
Conforme a pesquisa de 2021 da Confederação Nacional do Transporte (CNT), apenas 37,2% de toda a malha gaúcha é classificada como boa ou ótima, abaixo da média nacional de 38,2%, muito distante dos paulistas, na primeira colocação com 79,6%, e atrás de outras localidades menos pujantes economicamente, como Roraima (57,5%) ou Piauí (49,7%). O relatório da CNT aponta que seria necessário um aporte mínimo de R$ 5,2 bilhões para amenizar a precariedade da malha.
As duas tentativas anteriores de elevar esse padrão não tiveram o resultado esperado. Os polos criados durante a gestão de Antonio Britto, em 1998, foram marcados por divergências em relação ao valor dos pedágios, descumprimentos contratuais e poucas obras de impacto. Sucessora das antigas concessões, a EGR investiu em manutenção de rodovias e obras, como o viaduto de acesso a Santa Cruz do Sul, mas também não demonstrou capacidade de realizar os investimentos necessários para elevar o padrão geral das estradas gaúchas. Conforme o Piratini, em nove anos, a empresa teve fôlego para duplicar 7,2 quilômetros.
— Esse modelo (de empresa pública) não deu certo por vários motivos. Identificando isso, buscamos o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para estruturar um novo modelo que levasse em conta o maior impacto em redução de acidentes e escoamento de produção — afirma o secretário estadual de Parcerias, Leonardo Busatto.
Concessão em blocos e prazos alongados
O novo conceito, a exemplo dos antigos polos, se baseia na concessão à iniciativa privada de rodovias reunidas em blocos, com cobrança de pedágio. Diferentemente da iniciativa dos anos 1990, porém, os prazos contratuais são mais longos (30 anos em vez de 15, o que permite diluir mais a captação dos recursos), e as obras exigidas são mais ambiciosas, com 687 quilômetros duplicados ao final das três décadas. Estudos do governo projetam que as melhorias previstas seriam capazes de evitar 12 mil acidentes e 780 mortes no trânsito.
O bloco da serra gaúcha e do Vale do Caí, primeiro dos três conjuntos a serem leiloados, receberá 119 quilômetros de duplicação de estradas e a construção de quatro dezenas de viadutos e estruturas semelhantes de grande porte.
— Não estamos falando de concessão de estradas prontas, mas que precisam ser modificadas brutalmente, ter mais capacidade de tráfego, modernização. Só aqui na Serra será um investimento de quase R$ 4 bilhões. Não lembro qual foi a última vez que ouvimos falar de um número dessa magnitude — avalia o presidente da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul, Celestino Oscar Loro.
Para viabilizar esse desembolso, estão previstas seis praças de pedágio no bloco 3, que terão como teto de cobrança valores que variam de R$ 6,98, em Ipê, a R$ 9,95, em São Sebastião do Caí. A empresa que garantir os maiores deságios em relação a esses parâmetros deverá ser escolhida. Porém, para cada ponto percentual de desconto que for oferecido, o investidor terá de depositar previamente R$ 6,7 milhões como garantia da execução dos serviços.
— É um valor a ser depositado em uma conta de garantia que pode ser usado se a empresa não cumprir algo ou até rescindir contrato. Nesse caso, ficamos com o recurso para investir — afirma Busatto.
Resultado do primeiro leilão poderá levar a ajustes
A divulgação das propostas para concessão das rodovias gaúchas do bloco formado pela Serra e pelo Vale do Caí servirá também como baliza para as próximas etapas do novo programa de gestão viária do Estado, que vão incluir regiões como a Metropolitana, Litoral Norte, Vale do Taquari e Norte do RS.
— Estaríamos com tudo praticamente pronto para publicar o edital de mais um bloco, o 2, mas vamos esperar pelo resultado desse primeiro leilão para entender melhor como está a situação do mercado de construção de rodovias, ver o interesse das empresas, o nível de desconto que elas oferecem. Depois disso, vamos levar adiante o modelo como foi projetado ou fazer mudanças - afirma Busatto.
O modelo desenhado pelo governo gaúcho é visto por setores da sociedade como uma chance de tirar obras do papel, mas também enfrenta resistências a pontos específicos. Presidente do Conselho Regional de Desenvolvimento da Serra (Corede Serra), Mônica Mattia coordenou um grupo de trabalho que reuniu entidades para debater a proposta e sugerir mudanças.
- O projeto está muito bem amarrado, tanto do ponto de vista de edital quanto de contrato. Para se ter uma ideia, o contrato tem 267 páginas - diz Mônica.
Mas um evento realizado na Federasul na quarta-feira (6) reuniu pontos de vista divergentes - que consideram elevado o valor de partida das tarifas de pedágio e criticam a chamada conta de aporte prevista no edital, que exige depósito de R$ 6,7 milhões como garantia para cada ponto percentual de desconto oferecido sobre o valor do pedágio.
— Isso é um desestímulo ao deságio — afirmou o vice-presidente da Federasul na Serra, Elton Gialdi, observando que a obrigatoriedade de depositar um valor cada vez mais alto quanto maior for o desconto sobre o preço máximo previsto pode levar as empresas a moderar esse deságio, o que resultaria em custos mais elevados para o usuário ao passar pelas cancelas.
O governo entende que esse é um recurso capaz de aumentar o grau de segurança de que as intervenções exigidas serão feitas. Gialdi observa ainda que, embora a Federasul seja favorável à concessão de estradas, a implantação de um novo modelo com impacto significativo sobre a sociedade gaúcha por três décadas deveria ser mais discutida. O Piratini sustenta que foram realizadas discussões com entidades comunitárias e empresariais e audiências públicas.
Outro ponto polêmico é a decisão de não conceder isenção a moradores das proximidades das praças. O governo optou por oferecer descontos progressivos para usuários frequentes das rodovias pedagiadas — que, conforme a quantidade mensal de viagens, pode chegar a 20%. Busatto argumenta que, embora muitas pessoas não gostem de pagar pedágio, é o modelo seguido pela maioria dos países para garantir investimentos que governos não conseguem fazer, e que isenções acabam penalizando outros usuários por terem de arcar com um custo maior.
As rodovias em cada bloco
- Serra e Vale do Caí
- Investimento previsto: R$ 3,4 bilhões
- Seis praças de pedágio
- RS-122, RS-240, RS-287, RS-446 e RS-453 + BR-470
Confira os demais blocos
Bloco 1 - 444,7 quilômetros
- Região Metropolitana, Litoral Norte e Hortênsias (Gramado e Canela)
- Investimento previsto: R$ 3,97 bilhões
- Nove praças de pedágio
- RS-020, RS-040, RS-115, RS-118, RS-235, RS-239, RS-466 e RS-474
Bloco 2 - 414,9 quilômetros
- Vale do Taquari e Norte do RS (Passo Fundo e Erechim)
- Investimento previsto: R$ 3,74 bilhões
- Sete praças de pedágio
- RS-128, RS-129, RS-130, RS-324, RS-453 e RS-135 e BR-470 (trecho de Nova Prata)