Depois de um final de semana apocalíptico, como definiram alguns moradores de São Borja, a cidade da fronteira oeste do Rio Grande do Sul, agora, contabiliza os prejuízos e mantém o sinal de alerta contra novos focos de incêndio em campos e vegetações nativas. Desde a sexta-feira, quando a prefeitura municipal recebeu um pedido de auxílio formal, vindo do intendente da vizinha Santo Tomé, na Argentina, José Augusto Suais, o clima é de tensão.
Já naquela data, as chamas do incêndio que se alastra na Argentina e consome cerca de 10% do território da província de Corrientes eram visíveis na margem brasileira do Rio Uruguai. No sábado, uma nuvem de fumaça passou pelo céu da cidade, deixando o ar bastante carregado e rastros de cinzas dos mais de 800 mil hectares já devastados até o momento no país vizinho.
No domingo (20), um foco de incêndio próximo às Avenidas Leonel Brizola e João Goulart, ganhou maior proporção e avançou sobre a BR-472, dando início a uma operação integrada para controlar as labaredas, que colocaram em risco e atingiram transportadoras internacionais e cerealistas localizadas entre os dois trevos de acesso ao município de São Borja. A Polícia Rodoviária Federal montou barreiras e todo o efetivo do Corpo de Bombeiros local foi convocado, inclusive com alguns profissionais da reserva.
Empresários locais também disponibilizaram aviões agrícolas e guindastes para atacar as chamas que consumiram 40 hectares na região conhecida como Ponte Seca e retirar máquinas e equipamentos, mas nem todos conseguiram escapar. Na transportadora internacional Brenex, que entrega cargas automobilísticas da Renault e da Fiat nos países do Mercosul, duas carretas, um caminhão, um transformador e uma oficina foram destruídos, gerando prejuízo avaliado em cerca de R$ 1 milhão pelo proprietário, Marcelo Jorge, até o momento.
Na Ciagro Alimentos e Teichmann Agropecuária, o sócio Leandro Teichmann conta que funcionários da empresa, juntamente a um grupo de apoio da cerealista Streck, recolheram mangueiras dos hidrantes, atravessaram a BR-472 e combateram o fogo por um lado, enquanto os bombeiros se fixaram em outro lado da rodovia. Cerca de 20 homens realizaram esse trabalho, considerado providencial para debelar as chamas, o que só ocorreu no final da tarde de domingo, com o auxílio da chuva que caiu sobre o município.
Efeitos do fogo na população
Além da fuligem, os efeitos ainda são sentidos pelos são-borjenses, com menor intensidade do que no sábado (19) e no domingo, na qualidade do ar e na ardência nos olhos. De acordo com o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC/INPE), a previsão é de que as chuvas retornem na terça-feira (22) nas áreas de Uruguaiana e São Borja, porém, com pancadas isoladas. Há expectativa para precipitações mais intensas ao longo da semana, por conta da formação de um bloqueio atmosférico que concentrará chuvas entre o Estado, a Argentina e o Uruguai. A estimativa é de acúmulo entre 30 milímetros e 60 milímetros desta segunda (21) até sábado (26), mas, na fronteira oeste gaúcha, somente de 15 milímetros a 30 milímetros são esperados
Reforços são esperados na Argentina
Na manhã desta segunda-feira, o prefeito de São Borja, Eduardo Bonotto, que também preside a Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), formalizou um pedido de socorro aos governos estadual e federal para combater os incêndios na fronteira da Argentina com o Brasil. Na sexta-feira, ele já havia coordenado a formação de uma força-tarefa, junto ao vice-governador Ranolfo Vieira Junior, que culminou no envio de três caminhões autobomba, cinco caminhonetes e 20 bombeiros gaúchos do 11º Batalhão (Santo Ângelo e São Borja), do 6º (Santa Cruz do Sul) e 8º (Canoas).
— Recebemos pedido de ajuda do prefeito de Santo Tomé, onde há muitos focos próximos de casas e da área urbana da cidade. Diante desse pedido, nos mobilizamos, pois há plantações de pinus e eucaliptos que ampliam a tensão e agem como um combustível para as chamas, nesse que é um dos maiores incêndios da Argentina e da América do Sul. Em São Borja, no domingo, foram muitos danos em vegetação que colocaram em risco residências e empresas e envolveram esforços das forças de segurança e também de aviões agrícolas para fazer o enfrentamento, que está se tornando um combate bastante pesado — destaca Bonotto.
As equipes atuam desde o sábado em território argentino. No terceiro dia da força-tarefa gaúcha, além do estado de alerta que permanece em São Borja, é esperada a chegada de efetivos do 4º Batalhão (Santa Maria) e do 2º (São Leopoldo), com 16 bombeiros, que farão o revezamento com os que já estão em atividade na margem argentina do Rio Uruguai e precisam descansar após 48 horas de trabalho.
O tenente-coronel Rafael Barcellos Venturella, comandante do 11º Batalhão dos Bombeiros Militares (das Missões), chefia guarnições antifogo de 38 municípios da Fronteira Oeste. Segundo ele, a ideia é manter os trabalhos de auxílio no país vizinho até o controle total das chamas.
— Somos a principal fonte de recursos para atendimento de ocorrências em diversos focos, e contamos com 20,5 mil litros de água sobre rodas com 16 militares em revezamento — contabiliza.
No momento, existem cinco grandes incêndios em Santo Tomé. A prioridade, comenta Venturella, é atuar nas proximidades de residências. Ao todo, 150 homens e mulheres trabalham em Santo Tomé. São mais de 2,6 mil em operação na Argentina.
No final da tarde desta segunda-feira, apesar da chuva de domingo, ainda havia a formação de novos incêndios. Isso acontece porque o fogo gera fumaça, que ganha volume expressivo e ocasiona outros focos, explica o tenente-coronel.
— A chuva ajudou a debelar incidências em vegetação rasteira, mas, nas florestas nativas e de pinus, a situação continua preocupante — pontua.