Há um mormaço constante turvando a paisagem no Rio Grande do Sul. Detrás das ondas de calor que se desprendem do asfalto, a soja definha, o milho encolhe e o gado emagrece. Esqueça aquelas lavouras verdejantes se perdendo no horizonte. Agora os campos são amarelos, mas de um dourado que não reluz. Com o solo rachado e açudes secando, não há o que resista sob temperaturas diárias sempre próximas dos 40ºC.
Nas cidades, o racionamento de água é uma ameaça à espreita. Com um déficit hídrico que supera 700 milímetros em algumas bacias hidrográficas, os rios não têm vazão suficiente para manter o abastecimento normal. Na zona rural, cacimbas estão ressequidas e os poços artesianos tossindo, como que engasgados na própria secura.
Em uma semana, duplicou o número de famílias sem água nem mesmo para consumo humano. Eram 5.475 em 3 de janeiro e já são 10.234, conforme o último levantamento da Emater. Para atender a essa população, há um tráfego intenso de caminhões-pipa por estradas de chão batido, alguns percorrendo 220 quilômetros por dia, outros transportando 1 milhão de litros de água no mês.
Com as perdas alcançando uma cifra bilionária, produtores começam a lamentar a morte dos próprios animais. Em Soledade, a seca transformou num barro duro dois dos açudes das terras de Lucas Oliveira de Souza, 27 anos. Perto dali, uma de suas vacas de corte saiu campo afora em busca de água e comida. Atolada num banhado, acabou morrendo sozinha, apartada do rebanho.
— Seca igual a esta nunca tinha visto. O gado, às vezes, acha alguma coisa para comer, mas não tem pasto para encher barriga. Aqui mesmo, onde estamos, a água nos batia no peito — diz Lucas, caminhando sobre os 40 metros de chão rachado que o recuo da água produziu num dos reservatórios da propriedade.
A 214 quilômetros de distância, a situação é semelhante nos 12 hectares de José Carlos Sidloski, morador da linha 21, no interior de Frederico Westphalen. O imenso açude onde costumava pescar e do qual puxava água para a casa e os animais já não existe mais. O solo, tramado por fissuras em que cabe uma mão inteira, circunda uma diminuta lâmina de água coberta por algas.
— Já perdi quatro vacas por causa dessa seca. Um delas morreu nos meus braços, vinha caminhando na minha frente, tonteou e testavilhou. Dá uma tristeza bárbara. Água é vida, a principal coisa que deve ter numa propriedade — desabafa Sidloski.