Há cerca de um mês, as torneiras secaram na propriedade de Márcia Fátima dos Santos em Passa Sete, município de 5,7 mil habitantes no Vale do Rio Pardo. Desde então, todas as manhãs, a pequena agricultora cumpre um ritual involuntário: logo que acorda, sai à rua em busca de nuvens carregadas no céu. Mas a única água que chega na propriedade vem no caminhão-tanque da prefeitura.
Moradora da localidade de Engenho Velho, a cerca de 10 quilômetros do Centro, Márcia representa uma das 5.475 famílias gaúchas que, assoladas pela estiagem, não têm água nem para consumo humano. Em Passa Sete, havia apenas cinco propriedades nessa situação em novembro. Agora já são 82.
A última chuva registrada no município, na quarta-feira passada (5), foi de apenas 10 milímetros e praticamente não teve efeito, já que o solo seco não tem capacidade de retenção. Para abastecer as famílias sem água, a prefeitura recorreu a um poço artesiano da localidade da Murta, no interior, e aos reservatórios da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) no município vizinho de Sobradinho.
Como a estiagem piorou, o poço da Murta secou e a Corsan proibiu as retiradas em Sobradinho, receosa de que faltasse água para a população. A saída foi recorrer a um poço desativado há 20 anos, no Parque do Pinhão.
— Testamos a água e deu boa. Foi a nossa salvação — diz o prefeito Maurício Ruoso (PTB).
Todos os dias, a prefeitura tira em média 35 mil litros do local. Trabalhando das 8h às 23h, os motoristas da prefeitura percorrem 220 quilômetros por dia. Como há apenas um caminhão-tanque, com capacidade para 5 mil llitros, é preciso reabastecer ao menos sete vezes por dia.
— Nunca vi uma seca assim, nem em 2005, quando dizem que foi a pior do Estado. Naquele ano, não foi preciso puxar água para ninguém. Agora, a última chuva boa que tivemos foi em setembro — afirma o secretário municipal de Obras, Elói Kipper.
Com 1.015 propriedades rurais, Passa Sete tem 95% da população vivendo na zona rural, justamente a mais castigada pela escassez de chuvas. Segundo o escritório regional da Emater, as perdas chegam a 80% no milho e 30% na soja e no fumo. Nos três hectares da família de Márcia, quase toda a produção está comprometida.
— O milho está se entregando, as batatas estão morrendo e a abóbora nem nasceu. Quem mais sofre são os animais, sem comida. Já matei dois porcos porque não ia ter o que dar pra comer — conta Márcia.
Com 11 pessoas distribuídas em quatro casas da propriedade, a família retirava água de uma cacimba. No final de novembro, a fonte secou, levando à dependência da prefeitura. Quando avista o caminhão-tanque se aproxima no alto da coxilha, Márcia sai de casa e sobe os quase seis metros de escada até a torre da caixa d'água, abastecendo ela mesma o reservatório de 250 litros. De quebra, aproveita para encher baldes e bombonas para matar a sede dos animais, fazer a limpeza da casa e lavar roupas.
— Nada é pior do que ficar sem água. Ņão dá para limpar a casa, fazer comida. A gente deixa de fazer muitas coisas — lamenta Márcia, ao lado das filhas Marcela, 10 anos, e Maíra, três.