Jamais o agricultor Felipe Assis de Moraes produziu tanto barulho ao percorrer as lavouras de milho da propriedade da família em Linha Curuçu, no interior de Soledade. Cada passo é um estalar sem fim de palha seca, amarelada pelo sol. Nos 40 hectares semeados, as plantas que deveriam estar com 2,5 metros de altura estacionaram em 1,20 metro. Entre as espigas que vingaram, raras têm mais de 5 centímetros.
— Aqui está tudo perdido, não se aproveita mais nada. Talvez dê para colher alguma coisinha na beira do banhado, mas só para consumo da casa mesmo — comenta Felipe, que investiu R$ 200 mil somente na lavoura de milho.
Nas plantações de soja, a situação é mais amena. Por enquanto, a perda nos 160 hectares cultivados com o grão está estimada em 30%. Se não chover nas próximas semanas, porém, a quebra deve chegar a 60%.
Em algumas áreas, as sementes nem sequer germinaram. Nas demais, as plantas estão com as folhas caídas, como que desmaiadas pela insolação.
— Eu tenho planta com 48 centímetros de raiz. Ela está maior embaixo da terra do que em cima, procurando água no solo — conta Felipe.
Há uma semana, choveu 54 milímetros na localidade — na cidade, a 20 quilômetros de distância, foram escassos 10 milímetros. Após três meses sem ver uma única gota cair do céu, Felipe se entusiasmou com a súbita precipitação e replantou uma área de 10 hectares de soja, mas até hoje espera ver as plantas nascerem.
Aos 29 anos e representante da quinta geração dos Moraes a produzir nas terras adquiridas pelo tataravô há mais de um século, Felipe diz jamais ter visto estiagem semelhante, nem mesmo em 2012 ou 2005, as mais severas enfrentadas pelo Rio Grande do Sul no século 21 e nas quais a família teve perdas menores do que agora
Com um poço artesiano para garantir o abastecimento da casa e um açude para matar a sede das 65 cabeças de gado, Felipe não precisa de ajuda da prefeitura. Todavia, ao menos 250 famílias em Soledade estão com as torneiras secas. Todos os dias, um caminhão-pipa carregado com 10 mil litros de água percorre as regiões mais afetadas pela seca para garantir bebida para o consumo humano e animal.
Segundo a prefeita Marilda Corbelini (MDB), o orçamento de R$ 120 milhões deve perder cerca de 20% em decorrência dos prejuízos causados pela estiagem. No milho, a quebra atual é de 80%, devendo chegar a 100% nas próximas semanas. Na soja, força motriz da economia, a previsão é de uma perda de 60%.
— Nós conseguimos aumentar a arrecadação mesmo com toda a dificuldade enfrentada durante a pandemia, mas agora estamos vendo todo esse ganho se perder. E a situação pode piorar: se não tivermos uma boa chuva na próxima semana, teremos racionamento de água — alerta a prefeita.
Com 30 mil habitantes, Soledade é abastecida pela água do Rio Despraiado. O manancial também garante o abastecimento dos 10 mil moradores de Fontoura Xavier, cidade localizada a 25 quilômetros de distância. Na zona rural, há 25 poços artesianos em funcionamento, mas são necessários mais oito para atender a demanda.
— Estamos com decreto de situação de emergência homologados pelo governo do Estado e pelo governo federal. Espero que venha alguma ajuda, ao menos mais um caminhão-pipa para amenizar o sofrimento de quem está sem água — afirma Marilda.