Daniel Rodrigues, gerente da loja que vendeu o artefato pirotécnico causador do incêndio na boate Kiss, é a primeira testemunha ouvida nesta sexta-feira (3), terceiro dia do julgamento dos quatro acusados pelas mortes dos frequentadores da danceteria. Foi um depoimento que causou polêmica e foi interrompido por bate-bocas.
O comerciante afirmou que o produtor da banda que tocava no dia da tragédia, a Gurizada Fandangueira, comprou um tipo de fogo por ser mais barato, mesmo sabendo que poderia causar fagulhas e que não era apropriado para locais fechados.
— O funcionário da loja avisou que não poderia ser usado em lugar fechado — assegurou Rodrigues.
O incêndio resultou na morte de 242 pessoas, em 27 de janeiro de 2013, além de forçar atendimento médico a outras 636 frequentadores da danceteria.
Rodrigues é proprietário de uma loja que vende fogos de artifício em Santa Maria e fez cursos de blaster (manuseador de explosivos). Ao ser interrogado pelo juiz Orlando Faccini Neto, disse que os integrantes da Gurizada Fandangueira costumavam comprar no estabelecimento.
Conforme nota fiscal exibida no júri, dois dias antes do incêndio, a banda adquiriu artefatos de fogo quente, que produzem fagulhas. Eram o Sputnik e o Chuva de Prata (usado em garrafas).
— Eram os de custo mais baixo, para uso externo, jamais interno. O funcionário explicou para o Luciano (Bonilha Leão, produtor da banda e réu) que aquilo poderia provocar centelha, talvez queimar a roupa de alguém, até de um músico, estragar um equipamento. E avisou: "tem um produto melhor, mais apropriado tecnicamente, de fogo frio".
Rodrigues ressaltou que esse artefato que não libera fagulhas custa hoje R$ 75 a unidade, um tubo. Já o Sputnik, de fogo quente, custa cerca de R$ 20 a caixa com 10 unidades. Rodrigues ressaltou que Luciano preferiu o Sputnik, em razão do preço.
— O Sputnik tem de ser usado a uma distância mínima de pessoas e objetos, inclusive em ambiente externo. Quanto mais em ambiente interno — descreveu Rodrigues.
O comerciante também confirmou que o produtor da banda, Luciano Bonilha Leão, comprava artefatos rotineiramente, embora Rodrigues só uma vez o tenha atendido pessoalmente.
As falas do comerciante geraram bate-boca. O defensor de Bonilha, Jean Severo, se exaltou quando o vendedor de fogos de artifício se negou a confirmar se teve a loja fechada pela Polícia Civil. O comerciante afirmou que não foi fechada. O advogado insistiu:
— Mas não houve nada, a Polícia Civil não esteve na sua loja?
O comerciante alegou que não tinha o dever de responder.
— Vai responder, sim. O senhor colocou um inocente aqui nessa sala, responsabilizou um inocente — retrucou o advogado, aos gritos.
— Se é para falar alto aqui, quem dá a última palavra sou eu — advertiu o magistrado.
O ambiente se acalmou quando o juiz solicitou que o comerciante respondesse, e ele esclareceu: a polícia esteve na loja por suspeita de irregularidades, em 2015, mas nunca fechou o local.
Numa segunda discussão, o advogado Jean Severo disse que a testemunha deveria estar no banco dos réus. Foi interrompido aos gritos por representantes de familiares das vítimas, que o vaiaram. O juiz advertiu o advogado:
— Próxima que o senhor fizer o senhor não fica mais no plenário.
O magistrado determinou intervalo de 10 minutos para tentar serenar os ânimos.