Tramita no Congresso um projeto de lei para rebaixar o Parque Nacional da Lagoa do Peixe, no sul do Estado, à categoria de área de proteção ambiental (APA). Se aprovado, a unidade seria abraçada por leis menos restritivas que possibilitariam, inclusive, expansão urbana em seu território. O biólogo Giovani Nachtigall Maurício, professor de Gestão Ambiental da Universidade Federal de Pelotas, explica que os parques nacionais se propõem a proteger ambientalmente determinada área, permitindo apenas seu uso pontual e restrito. Já a principal proposta das APAs é regular a utilização do espaço até o limite do sustentável, com pontuais restrições.
— São de grupos completamente diferentes, até opostos, eu diria. Essa mudança seria prejudicial para a região. A Lagoa do Peixe é reconhecida pela importância, visitada por pessoas de todo o país dispostas a observarem as aves. É até perigoso esse rebaixamento, pois causa enfraquecimento jurídico e pode levar a uma onda de recategorizações — analisa.
O projeto foi protocolado em dezembro pelo senador Luis Carlos Heinze (PP) sob justificativa de solucionar "graves conflitos" em Tavares e Mostardas devido "à criação não planejada de uma unidade de conservação de categoria incompatível com a realidade local". O senador argumenta que o decreto de 1986, assinado pelo então presidente José Sarney, desconsiderou a existência de atividades produtivas tradicionais. A matéria está na Comissão de Meio Ambiente do Senado e pode ser aprovada sem passar pelo plenário. Depois, precisará ser apreciada na Câmara dos Deputados.
— As pessoas que dependem da área estão vivendo um inferno desde a criação do parque. É gente muito humilde que ficou desamparada. Eu me preocupo com as aves e com o meio ambiente, mas também me preocupo com as famílias — pontua o senador.
Os conflitos referidos por Heinze envolvem, sobretudo, ambientalistas, proprietários de terras dentro do parque e pescadores, grupos com opiniões distintas até mesmo entre seus membros. Presidente da Colônia de Pescadores de Tavares e Mostardas, Jair Joaquim Lucrecio defende a recategorização desde que seja mantida a exclusividade de pesca para a comunidade local. Ele reclama que sua família foi praticamente expulsa de suas terras no parque. Lá, não há mais água encanada, saneamento e nem energia elétrica.
— A lei hoje é muito rígida. A gente não pode colocar uma telha na casa, arrumar um vidro. Se o parque for transformado em APA, a gente vai poder arrumar e voltar a morar lá — sustenta Lucrecio.
Pescadores contrários ao seu posicionamento estão mobilizados a criar outra colônia para defender a permanência como parque nacional. O biólogo e doutor em ecologia Luís Fernando Perelló alerta que a mudança de status prejudicaria os pescadores, pois a APA não impediria que pessoas de outras cidades e Estados usufruam da fauna local, levando concorrência pela pesca de camarão e peixe para a região.
— O recurso pode até desaparecer. Haverá perda ambiental e social — observa.
O ambientalista explica, ainda, que a categoria de parque nacional propiciou à Lagoa do Peixe o título de sítio ramsar: área úmida protegida devido sua importância diferenciada no planeta, inclusive para o clima.
— Perderemos o enorme potencial turístico se for retirado esse diferencial de parque nacional. As regras menos restritivas de uma APA permitirão uma série de atividades, como a expansão urbana e do agronegócio. Será um risco para as aves migratórias e toda a biodiversidade.
O chefe da unidade, Fabiano José de Souza, não quis falar sobre o assunto. No site do Senado, 2.714 pessoas haviam opinado sobre a proposta até as 14h17 desta segunda-feira (10). Do total, 222 se manifestaram favoráveis ao projeto e 2.492, contrárias.
ENTENDA O IMPASSE
Assim que a unidade foi delimitada, em 1986, ficou acertado que os moradores seriam indenizados pelas terras, mas nunca se chegou a um acordo financeiro. Mesmo que seja impossível produzir em cerca de 70% do território, formado principalmente por dunas, faixa de areia, mar e lâminas d'água, não são raros casos de ruralistas que drenam banhados para criar gado. Esses animais, que não poderiam estar lá, se destacam em meio às aves.
Outro pacto que se fez à época do decreto garantiu aos pescadores que dependiam exclusivamente desta atividade autorização para seguir com a pesca. Especula-se que o entendimento da União foi de que em algum momento a atividade terminaria, ao passo em que as pessoas fossem mudando de profissão, de cidade ou envelhecendo. Porém, novas autorizações foram sendo concedidas, algumas para filhos de pescadores, fazendo a anomalia se perpetuar.
O rebaixamento de status também poderia abrir caminho para instalação de uma usina eólica nos arredores da unidade proteção. Projeto tramita há sete anos na Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam).
PARQUE NACIONAL X ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL
O Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza divide as unidades em diferentes categorias, entre elas, os parques nacionais e as áreas de proteção ambiental. Entenda a diferença:
Parque Nacional
É a terceira unidade com leis mais rígidas, atrás apenas de estações ecológicas e reservas biológicas. Os parques nacionais foram criados para preservar os ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e a beleza da área. É permitida a realização de pesquisas científicas, o desenvolvimento de atividades de educação, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico. A visitação pública é autorizada desde que respeitadas normas e restrições estabelecidas no plano de manejo da unidade. A lei diz que os parque nacionais são de posse e domínio públicos e que, portanto, as áreas particulares incluídas em seus limites devem ser desapropriadas. Pesca, plantio e criação de animais são proibidos.
Área de Proteção Ambiental
É, em geral, uma área extensa, com certo grau de ocupação humana e com diversidade de animais, plantas ou recursos hídricos. A APA deve proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais. É constituída por terras públicas ou privadas, sendo licenciáveis atividades extrativistas. Cabe aos órgãos governamentais a fiscalização da ocupação e exploração. Entre os exemplo de APA, estão o Delta do Jacuí, entre Canoas, Charqueadas, Eldorado do Sul, Nova Santa Rita, Porto Alegre e Triunfo, e a Rota do Sol, entre São Francisco de Paula e Três Forquilhas.