Fazendas a perder de vista margeiam a BR-101 na região de Mostardas e Tavares, no Sul do Estado, compondo um pastoril cenário dividido pelo asfalto. De um lado, o sossego do gado pastando em campo aberto — fosse outra estação, a terra estaria coberta por lavouras de arroz e soja. Do outro, a planície de areia, lagoas e banhados do Parque Nacional da Lagoa do Peixe, unidade de conservação de proteção integral povoada por mais de 270 espécie de aves migratórias que se alinha à estrada ao longo de 35 quilômetros.
Esta estreita tira entre a Lagoa dos Patos e Oceano Atlântico é tão cobiçada pelos animais — que voam desde o Canadá à procura de calor e alimento — quanto por pescadores, ruralistas e pecuaristas, cada um com suas estratégias definidas para usufruir do santuário ecológico. Na mesma mesa, olhando para o parque como quem vê nele um jogo de tabuleiro, está, ainda, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). A autarquia federal passa por turbulência com exonerações sequenciais de diretores, troca de presidente e nomeações questionadas por setores da sociedade, como a da ruralista e engenheira agrônoma Maira Santos de Souza, de 25 anos, alçada como chefe do parque (leia mais na parte 3 desta reportagem).
Uma dessas fazendas que terminam onde a visão não alcança pertence à advogada ambientalista Giovana Sessim Borges, de 51 anos. O início das suas terras, às margens da antiga estrada do inferno, é identificado pela bandeira do Brasil pintada na porteira. Gosta de dizer que o verde e amarelo são sua marca pessoal. Casada e com dois filhos, um formado em Agronomia e a outra morando nos Estados Unidos, ela se apresenta como a segunda maior produtora de arroz e soja de Mostardas. Para complementar a renda, tem aproximadamente 500 cabeças de ovelhas e gado angus espalhadas por 1,8 mil hectares.
Ela é uma das que criticam a rigidez das leis ambientais e defende que a Lagoa do Peixe seja rebaixada de parque nacional para área de proteção ambiental (APA), com normas bem menos restritivas, inclusive na chamada zona de amortecimento: perímetro fora da unidade que requer cuidados ambientais. A opinião dela é partilhada pelo presidente do Sindicato Rural de Mostardas, Domingos Antônio Velho Lopes, que cita, entre outras vantagens do relaxamento das leis, a possível valorização das terras no entorno. O Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza proíbe, dentro dos parques nacionais, pesca, pecuária e construção de moradia. Em uma APA, é possível tudo isso, até, plantar. Giovana argumenta que os produtores dos arredores utilizam técnicas de manejo que não afetam o parque, sempre focadas em três pilares: econômico, social e ambiental. Por isso, o enquadramento em APA seria suficiente.
— Nas minhas terras tem emas, capivaras, matas ciliares, banhados. A gente adora e cuida desses bichos e do ambiente, seguimos a legislação. O problema é que o parque travou o desenvolvimento de Tavares e Mostardas muito por conta dos administradores que estavam lá. Não se podia fazer nada — avalia.
Ela reclama que, em vez de os gestores cuidarem da unidade, se preocupavam com o entorno.
— Tem sujeira lá dentro. Enquanto isso, perseguem os produtores porque alguém cortou um galho de maricá, ou porque fez um buraco perto do limite. Todos sofremos muito — garante.
Embora considere Maira inexperiente para comandar um parque tão importante e rodeado de conflitos, a produtora prefere dar uma carta de confiança.
— Dá impressão que nós, produtores, somos os bandidos. A menina não tem que pagar um preço tão alto. Porque é filha de produtor não pode chefiar o parque? Hoje, qualquer produtor segue as leis — diz.
A família de Maira pagou multa de R$ 10 mil à prefeitura de Mostardas em 2015 por remoção de dunas. Há, ainda, duas denúncias feitas ao Ibama contra a família por desmatamento, uma de fevereiro e outra de abril, ambas deste ano.