Após sete anos envolvido na discussão sobre implantação de uma usina eólica nos arredores do Parque Nacional da Lagoa do Peixe, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) se retirou do debate em outubro. O recuo ocorreu depois que um ofício do idealizador do projeto chegou à sede da autarquia em Brasília. De posse do documento, a presidência do ICMBio comunicou à Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) que o licenciamento não depende de autorização do instituto.
O comunicado diverge do entendimento tido até 2018, quando o ICMBio, em três manifestações somente naquele ano, negou anuência à instalação sem que novos estudos fossem feitos. Em um dos relatórios, alertou que os dados apresentados eram insuficientes e pediu mais informações e aprofundamento das pesquisas, já que nada constava a respeito do impacto dos aerogeradores à fauna.
À época, a gestão sustentava que, se colocadas na área projetada, as hélices poderiam atrapalhar a aproximação e o pouso das aves migratórias. Havia temor, inclusive, de colisão dos pássaros contra as pás. O parque nacional é reconhecido como um dos principais refúgios de aves vindas de Estados Unidos, Canadá, Chile e Argentina em busca de calor e alimento. Localizada nos municípios de Mostardas e Tavares, no sul do Estado, unidade de conservação de proteção integral serve de repouso e fonte de alimentação para pelo menos 275 espécies de aves locais e migratórias.
Recebido em Brasília no dia 18 de julho, o relatório lista as idas e vindas do imbróglio iniciado em 5 de setembro de 2012, quando Domingos Antônio Velho Lopes, dono das terras e idealizador do projeto Ventos da Vista Bela Energia Eólica LTDA, deu entrada no pedido de licenciamento na Fepam. Domingos, que também é presidente do Sindicato Rural de Mostardas pela terceira gestão, argumenta que o projeto não precisa passar pelas mãos do ICMBio e embasa a posição em uma reunião de agosto de 2017 entre órgãos ambientais, empresa responsável pelos estudos e Ministério Público Federal (MPF).
Esse encontro originou uma portaria da Fepam que condiciona a emissão de licenças para empreendimentos eólicos a uma consulta prévia ao ICMBio quando o projeto necessitar de elaboração de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do respectivo Relatório de Impacto Ambiental (Rima). Domingos sustenta que, para a usina, bastaria Relatório Ambiental Simplificado (RAS), tornando dispensável a anuência do ICMBio.
— Estamos aguardando os próximos passos. A saída do ICMBio é o andamento correto do processo — resume Domingos.
Conforme portaria 118/2014 da Fepam, serão exigidos EIA/Rima para os empreendimentos de qualquer porte propostos em áreas de alta e média sensibilidade ambiental, onde são previstos significativos impactos ambientais. Documento deixa claro, também, que a fundação poderá, a qualquer tempo e de forma justificada, definir critérios diferenciados em razão de peculiaridades da localização proposta.
Em nota, a Fepam diz que a anuência do ICMBio "será condicionante para a emissão da licença, independentemente da forma de licenciamento executada". E que a definição do estudo necessário é competência unicamente sua, por possuir "critérios técnicos regulamentados para determinação do tipo de licenciamento". Por fim, a fundação explica que o licenciamento se dará por RAS e que aguarda "posicionamento da Unidade de Conservação, através do ICMBio, para continuidade da análise". A reportagem também aguarda respostas do Ministério do Meio Ambiente e do ICMBio.
Parque nacional teve três chefes em 2019
Cercado de polêmicas desde a criação, o Parque Nacional da Lagoa do Peixe voltou aos holofotes em abril. Em visita a Tavares naquele mês, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, anunciou abertura de processo disciplinar contra funcionários do ICMBio. Ele ficou irritado pela ausência de servidores do instituto no evento. Foi aplaudido pelo público, formado na maioria por ruralistas. Dois dias depois, o então presidente do ICMBio, Adalberto Eberhard, pediu demissão. Servidor de carreira e chefe do parque à época, Fernando Weber seria exonerado duas semanas mais tarde.
Começou, então, a procura por alguém que assumisse a cadeira de Weber. A agrônoma Maira Santos de Souza, 25 anos, foi indicada por produtores da região, incluindo Domingos, e teve o nome levado ao ministro Salles pelo presidente da Frente Parlamentar Agropecuária, deputado Alceu Moreira (MDB).
Filha de produtores de arroz e soja em Mostardas, Maira ficou três meses no cargo. Foi exonerada após o MPF ajuizar ação pedindo seu afastamento por inexperiência na área de preservação ambiental. Desde então, o parque é administrado interinamente pelo servidor de carreira Guilherme Betiollo. O nome mais forte para assumir o posto é o da fazendeira e advogada ambientalista Giovana Sessim Borges, 51 anos.