O Rio Grande do Sul tem pelo menos 350 casos conhecidos de venda, arrendamento ou abandono de terras da reforma agrária. Esse mercado clandestino acontece até em áreas consideradas modelo no Estado, e envolve, de acordo com a Polícia Civil, inclusive ameaças e uso de armas, como revelou nesta segunda-feira (24) o RBS Notícias.
Conhecido por produzir arroz orgânico, o assentamento Filhos de Sepé, em Viamão, na Região Metropolitana, também registra a venda ilegal de lotes. A reportagem da RBS TV descobriu um assentado que negocia terrenos em seu lote, além de arrendar áreas para o plantio do cereal.
— São três terrenos. Eu tô querendo 25 (R$ 25 mil) cada um — diz ele, sem saber que estava sendo gravado.
— Como é que funciona? Tem escritura? — pergunta o repórter.
— Não, ainda não. Era pra "vim" no ano passado, mas acho que esse ano sai. Daí, é contrato! — esclarece.
Pela legislação, essa situação seria irregular. O Incra não tem dados atualizados, mas, até 2016, foram descobertas 202 ocupações ilegais de lotes da reforma agrária, por venda, arrendamento ou abandono das terras. Após processos, 17 áreas foram retomadas judicialmente.
Nos assentamentos do governo do Estado, foram identificados 196 casos de ocupação ilegal nos últimos quatro anos. A maioria, 153 assentados, foi excluída da reforma agrária.
— A pessoa vai perder o beneficio de ser o titular dessa terra — adverte o secretário da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural, Covatti Filho.
O maior desafio a ser enfrentado pelo governo está no Assentamento do Irga, em Eldorado do Sul. No local, se formou um loteamento irregular. A reportagem flagrou uma mulher que acabara de se mudar de Canoas. Sem nenhuma documentação, comprou uma pequena casa por R$ 40 mil.
— É só contrato de compra e venda — diz a recém-chegada.
— Será que não dá problema? — pergunta o repórter.
— Olha, até agora, eu não soube de nada — responde.
Para tentar frear o comércio ilegal no assentamento, a prefeitura de Eldorado do Sul decidiu só fornecer numeração da rua para instalações de água e luz a quem comprovar que é assentado.
— A gente vai estudar cada caso, mas não existe mais o que acontecia muito aqui, de entrar com um documento do assentado autorizando ligação de água para um terceiro — afirma o secretário municipal de Planejamento, Fabio Araújo Leal.
A Polícia Civil diz que investiga a venda de terras no assentamento e que as ocupações irregulares envolvem ameaças.
— A pessoa que está lá adquiriu de uma forma ilegal e fomenta esses grupos criminosos, que se acham no direito de ir lá tomar as terras. Às vezes, eles fazem com arma de fogo, com o uso da força — afirma o delegado Rodrigo Caldas.