Um comércio ilegal de imóveis em assentamentos da reforma agrária desafia as autoridades responsáveis pela fiscalização. Na região metropolitana de Porto Alegre, a negociação de terrenos e casas ocorre livremente, com intermediação até de imobiliária, como revelou neste domingo (23), no Fantástico, reportagem produzida pela RBS TV.
No Estado, o Incra mantém 343 projetos de assentamento com 12.490 famílias em 97 municípios. Já o governo estadual é responsável por 145 assentamentos, onde vivem 3 mil famílias.
Um deles é o Assentamento do Irga, em Eldorado do Sul. No local, a reportagem descobriu um feirão de terrenos e casas. Graças ao comércio ilegal, instalaram-se na área toda a sorte de empresas: há até firma de dedetização. Sem saber que estava sendo gravado, o dono de uma funilaria disse que adquiriu a área há 10 anos por R$ 20 mil.
– E hoje vale quanto? – perguntou o repórter.
– Os caras já me ofereceram cem pila (R$ 100 mil), mas não vendo – respondeu o empresário.
O dono da funilaria disse que é preciso ter cautela, caso alguém pergunte quem é o dono.
– Tem de dizer que tá emprestado? – perguntou o repórter.
– Não pode dizer que comprou, porque, se disser, pode prejudicar o senhor (suposto comprador) e o cara que vendeu – respondeu o empresário.
A especulação tornou a área um verdadeiro loteamento clandestino, com novos moradores chegando a todo momento. Tem até sítio à venda em uma imobiliária, a R$ 130 mil. Como a terra pertence ao Estado, não pode ser escriturada. As transações são registradas por meio de contrato de compra e venda.
A mesma irregularidade foi identificada em um assentamento de Nova Santa Rita, na Região Metropolitana. Existem proprietários revendendo terrenos adquiridos de assentados.
– Isso aqui era um lote todo, entendeu? Ali naquela casa, tudo era um lote, era uma coisa só, era só um proprietário. Ele vendeu ali, aí nós compramos aqui, eu e o vizinho da frente compramos aqui – disse o vendedor.
– E como é que tá no caso para escriturar? Como é que faz – perguntou o repórter.
– Daí, tem de esperar vir um documento, né. A gente consegue fazer no cartório um contrato de compra e venda, entendeu, pra assegurar por enquanto – respondeu o vendedor.
Um parque aquático com arrendamento de terrenos foi montado no assentamento localizado na Fazenda Annoni, em Pontão, na Região Norte, berço do MST. No local, foram instaladas piscinas, pista de motocross e um loteamento no qual qualquer pessoa pode alugar terrenos para construir cabanas de veraneio. A reportagem travou o seguinte diálogo com o filho do dono do lote, que administra a empresa.
– Alugamos por dois salários por ano. Fazemos um boleto por mês. Dá R$ 160 e poucos por mês. Em vez de comprar, aluga no caso. Daí, algum dia se o pessoal não quiser mais, vende o imóvel, e quem compra a casa continua pagando para nós o aluguel – disse o administrador.
– Mas daí a pessoa constrói a casa por conta própria? – perguntou o repórter.
– Sim – ele respondeu.
– Quantas já têm? – questionou o repórter.
– Tem umas setenta e poucas, declarou.
A Secretaria Estadual da Agricultura disse que vai apurar as suspeitas. O secretário nacional de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Luiz Antônio Nabhan Garcia, disse que vai pedir investigação ao Incra.
– Ninguém tem direito de vender lote, de vender casa, ou de transformar lote de assentamento em estância ou ponto turístico de veraneio. Está tudo errado. Já pedi, solicitei ao presidente do Incra, que averigue todos esses casos – disse o secretário, que anunciou um pente-fino em assentamentos de todo Brasil para identificar irregularidades.
Em nota, o MST diz não ter conhecimento dos casos denunciados. “Se verdadeiros, são isolados, e não são práticas apoiadas pelo movimento”, diz a nota. A entidade, que afirma ser contra a venda de terras, afirma que cabe ao governo, como proprietário dos lotes, fiscalizar e tomar as devidas providências.