Destino de 6 milhões de visitantes ao ano, Gramado enfrenta uma crise de água há mais de década. Porém, nesta semana, o desabastecimento chegou ao limite: a cidade completou dois dias sem água nas torneiras, levando ao fechamento de restaurantes, à desistência de turistas, à revolta de moradores e a um decreto de calamidade pública pela prefeitura.
O colapso começou na madrugada de quarta-feira (21), quando a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) interrompeu o abastecimento para uma obra no sistema. Técnicos iriam interligar uma adutora para aumentar em 30% a vazão de água, mas um registro rompeu e secou a cidade.
— Foi um infortúnio incomum, mas que, às vezes, acontece — explica Eduardo Carvalho, diretor de operações da Corsan.
Devido ao desabastecimento, escolas interromperam as aulas e postos de saúde precisaram providenciar galões para manter os atendimentos. No setor de turismo, hotéis tiveram de recorrer a caixas d'água e restaurantes decidiram interromper as atividades.
— A economia da cidade parou. Foi um verdadeiro caos — resume o vice-prefeito de Gramado, Evandro Moschem.
Para os gramadenses, o cenário acentuou-se porque a cidade está lotada para as atividades do Natal Luz — período que chega a atrair um milhão de pessoas. Movido pelo turismo, o restaurante especializado em fondue Chalezinho das Hortênsias calcula prejuízo de 400 jantares pelas duas noites de portas cerradas.
— Até viemos trabalhar, mas era impossível abrir — conta Carlos Ramos, um dos garçons do estabelecimento.
Recepcionista de um hotel na área central, Guilherme Machado precisou, nos últimos dias, tomar banho no serviço. No empreendimento, uma caixa de água reserva salvou seus funcionários e hóspedes:
— Mas estamos racionando ao máximo.
Os efeitos da "estiagem" espalharam-se inclusive às tradicionais fábricas de chocolate da serra gaúcha. A Lugano, por exemplo, dispensou os funcionários na quinta e na sexta-feira.
— Gramado está pagando pelo seu crescimento. Tudo tem de ser acompanhado de infraestrutura — avalia um dos proprietários, Francisco Terres da Luz, dono de mais de uma dezena de negócios na cidade.
Retomada gradual
A Corsan conseguiu restabelecer o serviço no fim da tarde de quinta-feira (22), quase 40 horas depois de sua interrupção. Porém, nem todos receberam a água de imediato.
Hoje, Gramado desenvolve-se em ritmo chinês — a sua estrutura cresce 8% ao ano, segundo a prefeitura. Em atividade, são 180 hotéis e 170 restaurantes no município.
Firmado em 2004, o contrato com a Corsan tem duração de 25 anos. Insatisfeito com a carência de investimentos que acompanhem o ritmo acelerado de investimentos, o vice-prefeito defende a sua revisão e a implantação do Plano Municipal de Saneamento e Abastecimento aprovado pela Câmara de Vereadores em 2016.
Desde o ano passado, o contrato com a Corsan é alvo de uma ação civil pública. Responsável pelo processo, o promotor Max Guazzelli chegou a pedir a rescisão do contrato entre a companhia e o município:
— O município nunca fiscalizou e a Corsan nunca investiu. O resultado é esse. Com a quantidade de empreendimentos sendo licenciados, se nada for feito, viveremos uma verdadeira crise nos próximos quatro anos.