No dia 12 de março de 2014, o cubano Orelvi Carrazana Lopez chegou à Unidade Básica de Saúde (UBS) São Tomé, na periferia de Viamão, para o seu primeiro dia de trabalho no programa Mais Médicos. Depois de mais de quatro anos, recebeu a ordem de deixar o atendimento devido ao desentendimento entre o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), e o regime socialista. Sentado no consultório onde costuma receber 30 pacientes por dia, resignou-se.
— Quando começou a campanha política, comentavam que, se Bolsonaro vencesse, poderia terminar o contrato porque ele não queria que parte do dinheiro dos médicos fosse para Cuba. Por isso, suspeitávamos. Mas não que fosse assim, de um dia para o outro — diz Lopez.
O médico de família especialista em cuidado intensivo e emergência está entre os 599 cubanos que, desde o anúncio do fim da parceria entre os governos brasileiro e cubano, está com o futuro em suspenso. O "doutor", como lhe chamam seus pacientes, sabe que terá de deixar a unidade, mas teme a desassistência de sua comunidade.
— Terminar assim, de um dia para o outro, deixar todos os atendimentos, com horário marcado... O povo está acostumado — lamenta Lopez.
Depois de receber o comunicado cubano sobre o encerramento do convênio, Lopez só tem duas certezas: a de que deixará a UBS até o Natal e a de que permanecerá no Brasil. Casado com a técnica em farmácia Milena Fernandes, pretende se submeter ao Revalida (exame que reconhece a formação de médicos estrangeiros, permitindo a eles inscrever-se para trabalhar no país) e procurar um emprego em alguma instituição de saúde. Dentre os caribenhos, leva a vantagem de possuir a nacionalidade local para permanecer no país.
Antes de se mudar para Viamão — hoje, mora com a mulher no bairro Petrópolis, em Porto Alegre —, Lopez trabalhava em um hospital na cidade de Cienfuegos, na região central de Cuba. Pelo telefone, recebeu o convite para participar do Mais Médicos como uma possibilidade de vir para o Brasil, que sempre sonhou conhecer.
Dos R$ 11.865 despendidos pelo Ministério da Saúde pelo seu serviço, Lopez vê R$ 2.996 caírem em sua conta a cada mês. Apesar do abate, garante que não se importa — o repasse para o regime está previsto no contrato assinado em Cuba antes do embarque, intermediado pela cooperação com a Organização Panamericana da Saúde (Opas).
Sem familiares no Brasil, o cubano abasteceu-se do afeto estabelecido com os colegas de UBS e os pacientes. Na parede do consultório, exibe um esqueleto que ganhou em um Halloween. No celular, coleciona fotos e vídeos das surpresas que recebeu nos últimos anos. Para ele, a mais marcante ocorreu em 6 de agosto de 2016, dia de seu aniversário de 44 anos. Para comemorá-lo, a equipe chamou um telemensagem — em Cuba, Lopez nunca vira coisa parecida.
— Hoje, viemos homenagear alguém especial. É você, doutor Orelvi. Que você continue sendo especial em nossas vidas e conquistando o seu espaço nesse mundo — dizia a mensagem publicada em seu Facebook com a legenda "Un dia tan especial para mi".
No ano seguinte, recebeu de pacientes três bolos de aniversário — um deles, dado por um grupo de idosos para quem oferecia palestras sobre saúde — levava a sua foto. Era uma maneira de agradecer à proximidade estabelecida por Lopez aos pacientes — uma das suas primeiras medidas foi transferir a cadeira do lado oposto da mesa para o seu lado.
— Sempre falei para a minha equipe: você tem de atender o paciente como gostaria de ser atendido — orienta o médico.
Sobre a crise entre Brasil e Cuba, prefere não opiniar. Lopez diz não gostar de política. O seu negócio é a saúde:
— O programa foi muito bom porque muitos pacientes estavam sem atendimento antes... Havia grande necessidade, especialmente para a população carente.
Nesta sexta-feira (16), na sala de espera da UBS, uma de suas pacientes buscava um encaixe na agenda. A aposentada Janete Felipe, 52 anos, queria se despedir do "doutor cubano":
— Fique espantada com a notícia. Estou torcendo para ele não vá.