Cerca de 24 horas após quase perder o filho em um incêndio em Santa Rosa, no noroeste do Estado, os pais do pequeno Richard Tavares Padoan, de sete anos de idade, reencontraram nesta quinta-feira (11), no local do incidente, o homem que salvou a vida do menino. Rosauro Santos Tavares, 47 anos, e Carla Regina Padoan, 30 anos, se reuniram com o pedreiro Anderson Rodrigues da Silva, 25 anos, que escalou parte do imóvel onde a família mora de aluguel, há cerca de dois anos, para retirar a criança do prédio em chamas, na tarde da última quarta-feira (10).Tavares disse que não existem gestos ou palavras que possam expressar sua gratidão ao homem que salvou a vida do seu único filho:
— Mesmo se eu agradecer hoje, amanhã, o ano inteiro ou por muitos anos não vai pagar. É uma gratidão profunda. Palavras e gestos não pagam. O que ele fez foi demais.
O empresário, que tem estabelecimento no ramo de informática, disse que o filho, de certa maneira, bloqueou a maior parte dos momentos de pânico em meio ao fogo e a fumaça que consumiu praticamente todo o interior da residência, mas que lembra do "titio que o pegou". O menino está bem e repousando na casa de amigos. Tavares disse que Anderson entrou para a família:
— Ele vai ser praticamente um segundo irmão meu, um segundo tio do guri, padrinho, qualquer coisa. Não existem palavras para agradecer.
Tavares disse que a família está decidindo o que vai fazer após o incidente, mas que a solidariedade do povo de Santa Rosa comove e ajuda a superar esse momento difícil.
— Vamos nos reerguer de novo — pontuou.
Para Anderson, o retorno ao imóvel lhe traz tristeza pela perda material da família de Richard, mas também felicidade, pois sabe que o menino está bem e não corre risco de vida:
— Eles têm de ficar feliz que Deus não levou o gurizinho deles. As coisas se vão. Já perdi tudo em uma enchente uma vez, mas morri de felicidade quando pude abraçar minha família depois da enchente _ relatou.
O pedreiro destacou que também pretende manter contato com a família.
— Para mim, o gurizinho nasceu de novo e quem fez o parto fui eu.
A mãe de Richard disse que a família tentará arrecadar dinheiro e móveis para recomeçar a vida e também para Anderson, o pedreiro que salvou a vida de seu filho:
— Ele é muito humilde, tem uma filha pequena. A gente está precisando de ajuda, mas quero ver o que ele precisa também. Vamos tentar ajudar ele e a família como a gente puder.
O incidente
O incêndio na residência do menino Richard Tavares Padoan, na Travessa República, no centro de Santa Rosa, foi registrado por volta de 14h de quarta-feira. A criança de sete anos assistia a um desenho no quarto no momento do incidente.
A primeira reação dele foi tentar salvar Nica, sua caturrita, e Nico, seu cachorrinho, animais de estimação que morreram queimados. Quando tentou resgatá-los, uma labareda lambeu sua orelha esquerda e parte do cabelo. O menino recuou, passou a mão em uma toalha, colocou-a no nariz, subiu na cômoda que fica junto à janela do quarto e começou a gritar por socorro.
A mãe do menino, Carla Regina Padoan, estava trabalhando, a uma quadra da residência, e o pai, Rosauro Santos Tavares, atendia na loja de assistência técnica da família, no andar térreo do imóvel incendiado.
Movido pela curiosidade, o pedreiro Anderson Rodrigues da Silva largou as ferramentas no chão, saiu da obra e caminhou cerca de cem metros para ver o incêndio que consumia uma casa de dois andares. De espectador, passou a protagonista ao perceber que por uma das janelas escapavam, misturados à fumaça escura, gritos de socorro de uma criança de sete anos, apavorada pelo calor que já beirava o insuportável.
— Cheguei ali e fiquei só olhando, cansado do trabalho. Quando enxerguei o guri, não acreditei e fui cego na janela. Não calculei altura nem nada. Apoiei meu pé em alguma coisa e pulei _ relembra.
Quando alcançou as grades de proteção da janela, utilizou o peso de seu corpo para desprendê-la da parede. Os alertas de populares de que cairia de costas na calçada foram em vão. O pedreiro estava focado em salvar a criança, que reclamava das labaredas:
— Quando ele disse 'tio, eu tô queimando', não tive dúvidas que arrancaria aquelas grades.
Foi o que fez. Quando a estrutura de ferro despencou, Anderson agarrou Richard pela camiseta e o alcançou para pessoas que estavam na calçada. Antes de descer, ainda gritou para saber se havia mais pessoas na casa. Sem resposta, pulou de volta e desabou em lágrimas. Um dos motivos do choro foi a lembrança da filha de três anos.
Após o resgate, Richard foi levado para o Hospital Vida & Saúde, de onde obteve alta ontem, com queimadura em uma das orelhas. O menino reencontrou Anderson depois do incêndio na quarta-feira, quando deixou a casa de saúde por poucos minutos, mas logo retornou por medida de precaução. Agora, ele segue em repouso na casa de amigos da família.
Sem recomendação
O subcomandante-geral do Corpo de Bombeiros do Estado, coronel Evaldo Rodrigues de Oliveira Júnior, reconhece a coragem e solidariedade do pedreiro Anderson Rodrigues da Silva, mas não recomenda esse tipo de ação pelo risco de queda e de queimaduras. Ele diz que a corporação chegou ao local um minuto e meio após o chamado.
— Reconhecemos o mérito. Foi uma ação muito bacana, mas esse é um trabalho para o Corpo de Bombeiros, que tem equipamentos apropriados — argumentou.