No dia em que quitou os salários em atraso do funcionalismo pela manhã e, no final da tarde, teve as contas bloqueadas pelo governo federal em função da pedalada no pagamento da dívida com a União, o governo de José Ivo Sartori ainda contabilizou, nesta terça-feira, o acumulado de R$ 499,3 milhões de despesas mensais em situação de atraso. Com as contas estaduais bloqueadas, Brasília tomará todos os recursos que ingressarem até recolher cerca de R$ 265 milhões equivalentes à parcela da dívida com a União de julho, que estava vencida desde o mês passado.
Nesta terça-feira, no ato do bloqueio, o Executivo tinha depositados cerca de R$ 60 milhões que foram sequestrados. Ainda serão tomados R$ 205 milhões até que o desbloqueio seja processado. Essa possibilidade é prevista no contrato. Caso os R$ 265 milhões não sejam quitados nos próximos dias, os repasses de verbas federais também podem sofrer abates, como no caso do Fundo de Participação dos Estados (FPE). A partir de agora, todos os recursos que entrarem nas contas do Executivo gaúcho serão automaticamente transferidas do Banrisul para o Banco do Brasil.
Rosane de Oliveira: bloqueio é previsível e dramático para as finanças
- Nesta quarta-feira, temos uma grande expectativa pelo ingresso de ICMS do comércio. Depois, não há previsão de recursos muito volumosos por alguns dias. Imaginamos que na próxima segunda ou terça-feira o bloqueio já terá sido suficiente para recolher os R$ 265 milhões - disse o secretário da Fazenda, Giovani Feltes.
Depois de a parcela ser paga pela via do sequestro, as contas do Estado voltam a ser liberadas.
- A gente perde boa parte do controle da gestão. Agora não temos nem escolha de Sofia para fazer - lamentou Feltes.
Ao anunciar, na manhã desta terça-feira, que iria quitar integralmente os salários atrasados, antecipando o calendário, que previa pagamentos de servidores nos dias 13 e 25, o Piratini admitiu que tinha conhecimento dos reflexos.
- O governo sabe dos riscos e das consequências dessa decisão - disse Sartori.
À tarde, os temores se confirmaram com o bloqueio. Não se tratou de algo inesperado. Procuradores do Estado e o próprio ministro da Fazenda, Joaquim Levy, já haviam alertado de que as cláusulas de segurança do contrato em caso de atraso seriam acionadas pelo governo federal para não ter sua nota rebaixada pelas agências de classificação de risco e também para não abrir precedente para que outros Estados endividados atrasem suas parcelas.
- O contrato prevê isso (sanções) e não tem como ser descumprido - disse Feltes, minutos após o bloqueio de contas, demonstrando que o governo não culpa a União pelo ato.
Piratini paga salários atrasados nesta terça, mas pedala outras dívidas
Do ponto de vista político, integrantes da cúpula do Piratini não avaliaram como negativa a iniciativa do Ministério da Fazenda de sequestro de valores. Entendem como um recado aos críticos, que veem no discurso da falta de dinheiro do governo Sartori apenas uma estratégia para aprovar medidas de enxugamento do Estado.
- Agora está muito claro que realmente tem caroço no angu - disse um governista.
Às 18h desta terça-feira, Sartori viajou a Brasília, onde terá sete compromissos no decorrer desta quarta. Os principais serão uma audiência com o secretário do Tesouro Nacional, Marcelo Barbosa Saintive, e com os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Edson Fachin, Dias Toffoli e Gilmar Mendes.
- Está sendo feita uma aproximação com o STF para convencê-lo da impossibilidade material de fazer todos os pagamentos. O que queremos é legitimar o atraso no pagamento da dívida, que se libere esse atraso, para que o Estado não sofra sanções - explicou ontem um alto integrante do Piratini.
Na tese do governo, a "impossibilidade material" de honrar todas as contas se mostra na falta de dinheiro. O caminho, entende, é priorizar a folha de pagamento, pelo seu caráter alimentar, e postergar a dívida. A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) prepara há dias uma ação cautelar em que pedirá ao STF autorização para atrasar o acerto da dívida, para privilegiar os salários, com a garantia de que não será punido.
Pelos caminhos políticos, o ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha, e o vice-presidente Michel Temer são os mais procurados por Sartori para tentar sensibilizar a União sobre a dramaticidade das contas do Estado. Logo após o bloqueio das contas do Rio Grande do Sul, a PGE informou que está "analisando o melhor instrumento jurídico para recorrer" da iniciativa federal de sequestro de valores.