Quando recebeu a missão de ser instrutor de 150 crianças, o canoísta baiano Figueroa Conceição jamais imaginava que descobriria o maior nome da história da canoagem brasileira. Entre os seus pupilos, nas águas do Rio de Contas, em Ubaitaba, no interior da Bahia, estava um garoto de 10 anos chamado Isaquias Queiroz.
— Eu fui (para o Isaquias) aquela coisa que no Brasil se perdeu no futebol, que é o "olheiro". No futebol, o "olheiro" observa se o jogador tem habilidade, domínio de bola, visão de jogo e domínio. Já eu sou um "olheiro" da canoagem. Desde o início, vi que o Isaquias tinha muita habilidade, destreza, domínio e equilíbrio no barco — conta Figueroa, 39 anos, hoje técnico da seleção brasileira feminina de canoagem e, para sempre, um dos responsáveis por transformar Isaquias em um atleta de alto nível na canoagem mundial.
A história que abre esta reportagem ocorreu em 2005 e fez parte do programa governamental Segundo Tempo, que naquela época, no interior da Bahia, fomentava a prática da canoagem na região do Rio de Contas para crianças em vulnerabilidade social.
— O Isaquias estava lá no meio daquela 150 crianças. Não esperávamos que ele iria chegar onde chegou, mas a gente já conseguia ver que ele tinha talento — relembra Conceição, que faz questão de dividir os méritos com o ex-canoísta olímpico Jefferson Lacerda, técnico responsável por liderar o projeto e que, quando tinha apenas 17 anos, lhe deu a missão de ser monitor de Isaquias.
Contudo, a relação entre Figueroa e Isaquias nem sempre foi um mar de rosas. Disciplinador, o monitor exigia que os meninos limpassem as dependências do local de treinos e proibia que os garotos tomassem banho no poluído Rio de Contas. Entretanto, as ordens nem sempre eram cumpridas pelos meninos.
— Eu prezava pela saúde deles, e eles sabiam que, se tomasse banho no rio, tomava cinco dias de suspensão. Um dia eu cheguei para dar o treino, e a cozinha e os banheiros estavam todos limpos. Desconfiei: "Tem coisa errada". Quando eu fui embora, dei meia-volta, entrei pelos fundos e vi que todos estavam dentro da água, incluindo o Isaquias. Suspendi todo mundo das competições — conta.
Porém, após os meninos apelarem, Figueroa resolveu dar uma chance.
— Determinei que os meninos só poderiam competir se fosse em uma categoria acima. E só escaparia da suspensão se ganhassem as provas. O Isaquias eu subi duas categorias. E ele ganhou — relembra Figueroa, que foi obrigado a liberar o prodígio da suspensão.
A partir dali, a carreira de Isaquias decolou. Após excelentes resultados em competições de base, o atleta passou a ser treinado em 2013 pelo renomado técnico espanhol Jesús Morlán, falecido em 2018, que alavancou a carreira do canoísta em nível internacional.
Desde então, foram 13 medalhas em Mundiais (sendo sete de ouro) e quatro medalhas olímpicas (sendo uma de ouro), número que pode aumentar agora nos Jogos de Paris, quando o baiano compete em duas provas: o C2 500, em duplas, e o C1 1000, individual.
Se subir ao pódio nas duas, o atleta se igualará a Rebeca Andrade como maior medalhista olímpico do Brasil em todos os tempos.