A angústia da comunidade olímpica teve fim na última terça-feira (24), com o adiamento dos Jogos de 2020 para o meio do ano que vem. Mesmo assim, as incertezas continuam em meio à pandemia do coronavírus.
O calendário de Tóquio deve ser anunciado em breve, em datas que ocupem 17 dias entre os julho e agosto de 2021, respeitando a programação original do evento (24/7 a 9/8). Mas ninguém ainda sabe quando os treinos regulares serão retomados, quando as competições terão início, quando enfim a vida voltará ao normal.
Em tempos de reclusão geral, os atletas tentam manter a forma como podem. Nos últimos dias, pipocaram nas redes sociais vídeos e fotos de atletas exibindo séries de atividades físicas em casa. Flexões, polichinelos, abdominais, alongamentos, exercícios com auxílio de elásticos, halteres ou pesos improvisados, vale tudo para minimizar os prejuízos da longa parada sem data para terminar.
Atual campeã mundial da esgrima, Nathalie Moellhausen chegou a montar uma espécie de sparring em seu apartamento em Paris, usando peças articuladas — o boneco ganhou espada, máscara protetora e até o par direito de um tênis. Falando em inglês, a ítalo-brasileira de 34 anos mostrou bom humor no Stories do Instagram, chamando a engenhoca de seu "new master fencing" (novo mestre de esgrima):
— A melhor coisa desse cara é que ele não fala. Então, posso fazer qualquer coisa, (cometer) todos os erros, tudo que não fizer bem, ele não diz nada. É uma revolução para mim, estou tão feliz.
No Rio Grande do Sul, com clubes e academias fechados e a orientação das autoridades para a população adotar o isolamento social, atletas que estavam classificados para os Jogos tiveram de reprogramar os treinos e seguir à risca uma cartilha de exercícios físicos durante o período de confinamento no lar.
Nesse contingente, há quem possa ser considerado "veterano" na malhação caseira. É o caso da velejadora Ana Barbachan, 30 anos. A proeira do Veleiros do Sul, parceira da timoneira Fernanda Oliveira na equipe olímpica brasileira, estava na Espanha três semanas atrás e teve de voltar às pressas para o Brasil, depois da suspensão do Mundial da classe 470.
Com a recomendação de entrar em quarentena, a atleta chegou a Porto Alegre em 13 de março, dias antes de decretos da prefeitura de Porto Alegre e do governo estadual determinarem medidas restritivas à circulação.
Desde então, Ana tem cumprido uma rotina de atividades físicas orientadas por um personal trainer, que cedeu à velejadoras alguns equipamentos, como bosu (espécie de meia bola para aprimorar o equilíbrio) e TRX (fita de suspensão para exercícios de resistência com o peso do próprio corpo). Sob os olhares preguiçosos de Chico, seu cão de três anos, a atleta faz sessões diárias de até 45 minutos — antes da crise, costumava treinar em dois turnos de segunda a sexta, reservando o período da tarde para velejadas no Guaíba que duravam até três horas.
— A ideia não é fazer milagre, é malhar para não voltar do zero. O objetivo é fazer uma manutenção física — explica Ana, que mora sozinha em um apartamento na Capital e contou com ajuda da mãe para abastecer a geladeira nesses últimos dias.
Formada em psicologia, a velejadora fala sobre a necessidade de ter pensamento positivo nesse hora para driblar a ansiedade:
— É difícil ficar em casa. Nosso trabalho é na rua, na água, conviver com as pessoas no clube. É um desafio para todo mundo. Pessoalmente, a minha formação me ajuda a pensar em como posso aproveitar melhor o tempo, o que vale e o que não vale a pena me preocupar.
Os cuidados com a cabeça — e não apenas com o resto do corpo — também são aspectos levados em conta no planejamento traçado por Wagner Zaccani, preparador físico da equipe de judô da Sogipa e da seleção brasileira.
— O treinamento em casa é importante para manter o atleta ativo, tanto fisicamente quanto mentalmente — diz o profissional, que monitora a distância 11 atletas que defendem o Brasil em competições no Exterior.
Entre eles está Maria Portela, a experiente peso médio (até 70kg) que se preparava para disputar a terceira Olimpíada na carreira. A planilha de atividades enviadas por Zaccani não reproduz, claro, a intensidade dos treinos realizados no tatame do clube, mas mesmo assim
a programação prevê treinos caseiros de segunda-feira a sábado, em dois turnos. Folga, só aos domingos, seguindo a rotina normal dos atletas na era pré-covid-19.
Algumas práticas simulam movimentos que os judocas fazem na luta. Duas sessões semanais são dedicadas a circuitos de exercícios adaptados aos equipamentos que cada atleta tem em casa. Sem halteres, Portela improvisou série de 150 agachamentos segurando duas bombonas de cinco litros de água. Sem lhe falta aparelhos, ela pode contar pelo menos com apoio do marido, Etierre Manhago, faixa marrom de judô.
A judoca de 32 anos também tem aproveitado o tempo de sobra para rever sua lutas e estudar os pontos fortes e fracas das adversários. No site da Federação Internacional de Judô (FIJ), a chamada Raçudinha dos Pampas tem assistido diariamente a vídeos de competições que participou recentemente.
— Faço anotações, o scout de cada luta. Estou analisando o que errei na última temporada para tentar corrigir e automatizar movimentos. Levei muitas punições, adotei uma postura muita defensiva. Quando se está na luta, é difícil ter essa percepção. Às vezes, fico chateada e nem quero rever as lutas depois das competições — detalha Portela.
Sem participar de eventos da natação desde janeiro, Viviane Jungblut, 23 anos, também vem seguindo uma cartilha de seis dias de treinos por semana. A atleta do Grêmio Náutico União, que mora com o pais e a irmã na Capital, tem priorizado exercícios com o uso de TRX, que trabalha a resistência e flexibilidades dos músculos, e atividades aeróbicas, com polichinelos e corridas sem sair do lugar.
Acostumada a nadar até 80 quilômetros por semana, Viviane buscaria a vaga olímpica nos 800m e 1.500m livre no Troféu Maria Lenk, em abril, mas a seletiva da equipe brasileira foi cancelada.
— Agora é esperar e acompanhar (a evolução da pandemia) de semana a semana. Não temos como montar um planejamento — resigna-se.
Enquanto a vida de todos não volta ao normal, resta a cada atleta manter a forma em home training.