Poucas atletas do Brasil simbolizam os desafios e as dificuldades de competir em alto nível nos esportes femininos como Fernanda Oliveira. Neste domingo, 8 de março, data de celebração do Dia Internacional da Mulher, a velejadora embarcará para um novo desafio em mais de duas décadas de carreira.
No saguão do Salgado Filho, a timoneira estará "debulhada em lágrimas", como costuma dizer. Ao entrar no avião ao lado da proeira Ana Barbachan, sua parceira de barco desde 2009, a gaúcha outra vez ficará apartada de Roberta, seis anos, e Arthur, dois anos, além de Diogo Horn, o marido que permanecerá na Capital para cuidar dos filhos do casal nas duas semanas seguintes. Só reencontrará a prole após encerrar a participação no Mundial da classe 470 feminino, que será realizado em Mallorca, na Espanha, de 16 a 21 de março.
— Eu choro mesmo, sofro muito com isso. Uma vez a Roberta me perguntou se viajo para velejar porque eu gosto ou porque preciso. "As duas coisas", respondi. Hoje minha filha entende o que faço. Até já contou na escola, orgulhosa, que a mãe vai participar dos Jogos Olímpicos — conta Fernanda.
Roberta terá mais motivos para se orgulhar. Em 29 de julho, dia programado para a primeira regata da classe 470 em Tóquio 2020, a medalhista de bronze em Pequim 2008 disputará sua sexta Olimpíada, feito alcançado apenas por um seleto grupo de atletas no Brasil:
— Seis Olimpíadas é uma marca expressiva, ainda mais para uma mulher. Viajar para competir é mais fácil para o homem, o pai...
No Japão, pelo menos, a família da velejadora estará completa, incluindo os pais de Fernanda. Um cenário inimaginável na cabeça de uma garota de 19 anos que estreava no evento em Sydney 2000.
— Meus pais foram para a Austrália acompanhar as regatas. Em um intervalo das disputas, eles me contaram que conheceram os pais de uma velejadora da minha classe. Eles estavam com dois netos, filhos dessa velejadora. Minha reação foi de espanto: "Como pode, ser atleta e mãe?".
Motivação
Desde então, Fernanda jamais abriu mão de conciliar a carreira esportiva com a vida pessoal.
— Em Atenas (2004), já estava formada em Administração. Depois de Pequim (2008), eu me casei. Depois de Londres (2012), engravidei pela primeira vez. Passados os Jogos do Rio, tive mais um filho. Além da paixão que tenho pela vela, claro, essa equilíbrio que encontrei na vida pessoal e profissional explica minha motivação para continuar competindo por tanto tempo — explica.
Em Tóquio, pela terceira edição consecutiva, Fernanda terá Ana Barbachan como companheira de barco. Depois da frustração de ter ficado de fora do pódio em 2016, um desfecho que consideram injusto para uma campanha recheada de bons resultados nas competições que antecederam os Jogos do Rio, ambas preferem não criar expectativas desta vez.
— Estamos nos preparando para ficar na zona de medalhas — afirma Fernanda, referindo ao grupo de cinco ou seis duplas com chances de pódio.
— A medalha é um sonho possível. Depende de muitas variáveis, e nem todas estão sob nosso controle. Seria um presente de aniversário antecipado para toda a vida — brinca Ana, que completará 31 anos poucos dias depois da Olimpíada.
Mais do que colegas de clube e seleção, as duas se tornaram grande amigas.
— Todo mundo adora a Ana, ela é unanimidade na equipe. Temos sintonia, construímos vários pilares importantes. Muita coisa só foi possível porque tinha a Ana ao meu lado — destaca Fernanda.
— A Fernanda era minha referência na vela, depois virou minha referência na vida. Aprendi com ela valores que levo para dentro e para fora do barco — diz Ana.
Uma iniciativa da federação internacional para equiparar o número de representantes masculinos e femininos na vela olímpica, porém, vai desfazer a parceria depois de Tóquio. Pior: poderá tornar as duas amigas em adversárias. Isso porque o 470 vai virar uma embarcação mista. Assim, obrigatoriamente, Fernanda terá de procurar um proeiro, e Ana, um timoneiro, se quiserem prosseguir na mesma classe olímpica.
— É como se tivesse de abrir uma nova empresa e uma nova sociedade — compara Fernanda, que vê seu futuro incerto na vela para o próximo ciclo olímpico.
Seis vezes Fernanda
Em Tóquio 2020, a gaúcha de 39 anos disputará a sexta Olimpíada, igualando o feito de Torben Grael (vela), Rodrigo Pessoa (hipismo) e Hugo Hoyama (tênis de mesa). Só ficará atrás do também velejador Robert Scheidt e de Formiga, meio-campista da Seleção de futebol feminina — ambos participarão da sétima edição consecutiva do evento.