Poucas modalidades olímpicas são tão seletivas no Brasil como o judô — esporte, aliás, que mais trouxe medalhas para o país na história dos Jogos (22, sendo quatro de ouro). Nas categorias pesado feminino e masculino, por exemplo, dois top 10 do ranking mundial terão de se contentar em assistir às disputas de Tóquio pela TV. Isso porque cada confederação nacional pode levar ao evento apenas um representante por faixa de peso.
Assim, Maria Suelen Altheman (atual número 3 do ranking olímpico) e Beatriz Souza (4ª na lista) travam uma acirrada disputa. Neste momento, apenas 152 pontos separam as judocas da categoria +78kg. Entre os homens, a corrida olímpica na categoria +100kg está ainda mais apertada. A diferença de Rafael Silva, o 8º do ranking, para David Moura (9º) é de meros 48 pontos — para se ter uma ideia, um Grand Slam de judô, uma das principais competições do circuito e que ambos já venceram, distribui mil pontos só para campeão.
Em algumas situações, a concorrência impõe convivência quase diária aos atletas. É o caso de Maria Suelen e Bia Souza, colegas de seleção e também no Pinheiros-SP. Na Sogipa, duas judocas também dividem o tatame do clube gaúcho em busca da mesma vaga na equipe brasileira. Primeira medalhista olímpica do judô feminino brasileiro, com o bronze em Pequim 2008 na categoria até 57kg, Ketleyn Quadros tenta voltar aos Jogos depois de ter ficado de fora em Londres 2012 e no Rio 2016. No último ciclo olímpico, por sinal, quando subiu de categoria (-63kg) e ainda defendia o Minas, a brasiliense de 32 anos foi superada por uma colega de clube, Mariana Silva.
A adversária agora da experiente judoca é uma gaúcha que despontou no circuito mundial nas duas últimas temporadas: Aléxia Castilhos, 25 anos. Menos de 500 pontos separam Quadros, 12ª colocada do ranking olímpico, de Castilhos, que está em 15º lugar. As duas colegas da Sogipa estariam em posições invertidas na corrida para Tóquio se o resultado do único confronto até agora entre elas, em outubro, tivesse sido diferente. Na final da categoria até 63kg feminino do Grand Slam de Brasília, Ketleyn venceu Aléxia por ippon em sua cidade-natal.
— Neste momento, todo ponto conquistado é importante (para a classificação aos Jogos) — afirma Ketleyn, que valoriza a concorrência com Aléxia:
— É muito bom treinar e competir com uma atleta que te exige ser ainda melhor.
A judoca de Porto Alegre não lamenta a oportunidade perdida em Brasília e prefere valorizar a campanha até a decisão, que lhe rendeu a prata:
— Foi minha primeira medalha em Grand Slam. Peguei uma chave muito dura, venci a cubana (Maylín del Toro Carvajal) que foi campeã pan-americana (nos Jogos de Lima 2019).
Neste sábado (15), as judocas podem se reencontrar em outra decisão, desta vez no Open de Bratislava, na Eslováquia, torneio do circuito europeu que vale poucos pontos na corrida olímpica, mas que servirá de preparação para o Grand Slam de Düsseldorf, na Alemanha, no fim de semana seguinte. A disputa entre as duas promete ser intensa até 30 de maio, quando a lista de Tóquio será fechada.
— A definição dessa vaga será aos 45 minutos do segundo tempo — brinca Antônio Carlos Pereira, o Kiko, técnico da dupla na Sogipa.
Sogipa terá recorde de representantes
Se em algumas categorias a caminhada olímpica está indefinida, em outras faixas de peso a lista de judocas já começa a ser preenchida. Para quatro atletas da Sogipa, a convocação será questão de mera formalidade. O clube terá certamente uma quinta representante: Ketleyn ou Aléxia. Outros dois atletas têm boas perspectivas: Nathalia Brigida (-48kg) e Leonardo Gonçalves (-100kg) — e três correm por fora — Felipe Kitadai (-60kg), David Lima (-73kg) e João Macedo (-81kg).
Até este ano, a Sogipa havia conseguido emplacar um máximo de três judocas em Olimpíada. Enquanto o clube está em alta, a seleção convive com incertezas. Com o risco de Rafaela Silva perder os Jogos por doping, o país pode ficar sem representantes no -57kg feminino, já que outras brasileiras estão longe da faixa de classificação. Além de ser uma das favoritas na disputa individual, a campeã olímpica surgiria como protagonista da equipe mista.
— Ainda há muitas competições até maio. Acreditamos que a Rafaela irá a Tóquio e que teremos equipe completa nos Jogos — diz Ney Wilson, gestor de alto rendimento da CBJ.