Há duas semanas, às vésperas do Mundial da classe 470, velejadores de clubes gaúchos que estavam em Palma de Mallorca, na Espanha, tiveram de voltar às pressas para Porto Alegre em meio ao avanço da pandemia do coronavírus na Europa.
No dia 12, a competição que definiria as últimas vagas na equipe brasileira de vela foi adiada, e outros eventos tradicionais no calendário da modalidade no continente, como o Troféu Princesa Sofia, acabaram sendo cancelados. Sem saber, um dos atletas que correram para emitir bilhetes de última hora embarcou para o Brasil com a covid-19 incubada no corpo.
O timoneiro Pedro Corrêa, que desde 2016 representa o Veleiros do Sul, só conseguiu trocar a passagem em 14 de março. Ao lado de seu parceiro de barco, o proeiro Felipe Brito, o atleta paulista de 22 anos chegou à Capital na noite do mesmo dia, um sábado, e foi direto para casa, entrando em quarentena voluntária, mesma medida adotada por outros velejadores.
Na manhã seguinte, com um quadro de indisposição e sentindo leve dificuldade para respirar, Corrêa buscou atendimento no Hospital Mãe de Deus, onde submeteu-se ao teste para verificar se havia sido infectado pelo novo vírus. Três dias depois, o resultado deu positivo.
— No dia 10, tive dor de garganta, fiquei um pouco ofegante, mas nada severo. Não fiquei com febre. Estava muito envolvido com os treinos. No meu caso, os sintomas não foram muitos sérios. Agora estou quase 100%. Mas imagino como deve ser "punk" para as pessoas do grupo de risco — relatou por telefone ontem.
Assim que soube do resultado do exame, no dia 18, o velejador disparou mensagens para avisar a todas as pessoas com as quais manteve contato na viagem, incluindo motoristas de aplicativo.
Outras duas duplas do Veleiros também participariam da disputa masculina no Mundial — Geison Mendes/Gustavo Thiesen e Ricardo Paranhos/Rodolfo Streibel — e Fernanda de Oliveira/Ana Barbachan, parceria do Clube dos Jangadeiros que já havia garantido a classificação no 470 feminino. Até quarta-feira, não houve notícia de outros infectados.
Na última terça-feira, chegou ao fim o período de 14 dias sugerido de reclusão. Mesmo assim, Corrêa preferiu continuar sozinho em casa, priorizando a recuperação. Até deu início a alguns treinos leves, para manter a forma, mas agora sem as incertezas em relação à realização dos Jogos de Tóquio 2020.
— O adiamento pôs fim a nossa angústia. A Olimpíada é uma comunhão entre os povos, um momento de paz e união. O momento não é propício para essa celebração. Além dos riscos à saúde, há a questão da desigualdade. Muitos atletas não estavam conseguindo treinar. Não seria justo (manter a Olimpíada neste ano) — afirmou.
Aflição
Uma das velejadoras que tiveram contato com Pedro Corrêa na Espanha, a medalhista olímpica Fernanda Oliveira passou por momentos de aflição desde seu regresso a Porto Alegre. Bronze em Pequim 2008, a atleta gaúcha ficou confinada em um hotel distante 200 metros da casa onde mora com o marido e dois filhos pequenos.
Quando estava prestes a reencontrar a família, depois dos sete dias de quarentena recomendados para quem não apresenta sintomas, soube que o velejador do Veleiros do Sul havia sido contaminado. Apesar da saudade, decidiu aumentar o período de reclusão, desta vez no apartamento da irmã — o imóvel estava vazio.
— Mal tive contato com o Pedro, não teve abraços, não sentei ao lado dele durante as refeições, apenas conversamos a distância durante os treinos. A orientação que recebi de todos médicos foi de ir para casa e tomar os cuidados com a família. A decisão de ficar isolada foi minha, em razão das crianças serem pequenas. Graças a Deus, não tive sintomas em nenhum momento. O meu marido estava esgotado, não é fácil cuidar de duas crianças —disse Fernanda, que nesta semana voltou para casa.