Para quem acompanha competições esportivas tornou-se impossível driblar anúncios de sites de apostas. Eles são onipresentes. São vistos em comerciais nos meios de comunicação, placas de publicidade em estádios e também em patrocínio nas camisas dos clubes. Muitas das peças publicitárias têm pessoas ligadas ao futebol como personagens centrais. São jogadores, ex-atletas e técnicos que negociam suas imagens para a divulgação das empresas.
Mas como estrelas do esporte em atividade anunciam um "produto" se elas estão envolvidas nas partidas das apostas? Este possível conflito de interesses levanta questões sobre ética. O debate foi engrossado após a eclosão da Operação Penalidade Máxima, investigação do Ministério Publico de Goiás (MP-GO) que acusa jogadores e empresários de formarem uma máfia de manipulação de resultados. Apesar de questionamentos, na prática, não há impeditivo para que atletas e treinadores de qualquer modalidade façam publicidade.
— Não vejo problema desde que a relação entre atletas e casas de apostas fique limitada às peças publicitárias, embora esta relação possa, reconheço, ensejar indesejáveis desconfianças do público em geral, especialmente neste momento em que nos deparamos com a Operação Penalidade Máxima e seus efeitos nas justiças comum e desportiva — avalia o advogado Alexandre Marques Borba, vice-presidente da Comissão Especial de Legislação e Direito Desportivo da OAB-RS.
Aqueles que defendem relação comercial entre atletas e casas de apostas sustentam seus argumentos em duas premissas principais. A primeira recai sobre a liberdade individual. Dentro deste aspecto, profissionais do esporte podem aceitar patrocínios que não violem nenhum tipo de legislação, o que se aplica neste caso.
O segundo ponto é a oportunidade de negócio. A carreira de atleta não é longa e é preciso maximizar os ganhos durante o período em que se está no topo. Ao assinar com operadoras, há uma oportunidade comercial e a chance de ampliar a sua marca pessoal.
— Isso deu um plus para os jogadores, deu mais visibilidade. É uma atividade como qualquer outra. De maneira geral, não vejo problema. Mas sei que essa associação pode causar algum tipo de prejuízo — pondera o ex-atacante Sandro Sotilli, garoto-propaganda de uma casa de apostas há cinco anos.
A Fifa não se opõe à atitude, apenas proíbe que jogadores apostem em partidas. Expandindo o tema além das quatro linhas do futebol, o Comitê Olímpico Internacional (COI) adota a mesma postura por entender que a integridade do esporte fica comprometida. A entidade proíbe "todas as formas de participação ou suporte para apostas relacionadas aos Jogos Olímpicos, e todas as formas de promoção de apostas relacionadas aos Jogos Olímpicos".
— É, principalmente, uma questão de imagem. A integridade da competição esportiva depende da transparência do resultado final. O resultado das competições deve ser através do mérito e do talento. Separar os dois, seria melhor. Mantém a transparência, minimiza suspeitas — argumenta Cesar Torres, professor de ética do esporte na Universidade Estadual de Nova York.
Ver tantos nomes emprestando suas imagens para promover sites de apostas induz a pensar que as operadoras são favoráveis à utilização dos expoentes do mundo da bola em suas campanhas. Mas nem todas as empresas pensam assim.
O Instituto Brasileiro do Jogo Responsável (IBJR) é uma entidade que surgiu da união de nove players do mercado de apostas e visa ser uma ferramenta de auxílio para discussões sobre o mercado no Brasil. Em maio, a entidade publicou o seu Código Brasileiro de Autorregulação Publicitária. Nele, o IBJR se posiciona de maneira contrária à participação de jogadores na publicidade dos sites de apostas.
"O Instituto Brasileiro de Jogo Responsável acredita que esportistas em atividade não devem ser patrocinados individualmente por casas de apostas", afirmou a entidade em nota enviada a GZH.
A medida vale somente para entidades ligadas ao instituto. Aquelas que contam com contratos selados antes da publicação poderão cumprir o acordo até o final. A médio prazo, algumas casas de apostas não utilizarão mais atletas em suas campanhas.
A autorregulamentação ainda prevê que as publicidades devem ser verdadeiras e não excessivamente promissoras. Também não podem dar a entender que as apostas levarão os consumidores ao enriquecimento. Tampouco é liberada relacionar as apostas a um possível sucesso financeiro ou social/sexual, ou resolver problemas pessoais.
As pessoas que aparecem nas peças publicitárias devem ter ao menos 25 anos e também não devem ser utilizadas para chamar atenção de menores. A veiculação da publicidade fica proibida entre 6h e 21h, exceção a quando estão vinculadas a partidas.
Reputação
A medida pode, no futuro, ter uma abrangência maior. Diversas entidades relacionadas ao tema debatem com o Conselho Nacional Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (Conar) uma regulamentação das propagandas do setor. Uma definição será feita somente quando a legislação for publicada pelo Ministério da Fazenda, responsável pela matéria no governo federal.
"O Conar está à disposição para contribuir da melhor maneira para o estabelecimento de regras éticas para a publicidade de apostas esportivas no Brasil, assim que regulamentada pela autoridade pública, na forma prevista em lei", comentou o Conar em nota.
A partir do marco legal, o Conselho poderá agir. Há casos em que o órgão torna as regras mais rígidas, como na publicidade de bebidas com alto grau de teor alcoólico. Nesse ramo, a publicidade estava inicialmente permitida apenas a partir das 21h. Após ação do Conar, definiu-se que só poderão ser veiculadas propagandas após às 21h30min, devido à queda no número de menores de idade que assistem à televisão neste horário.
Há o entendimento de que questões específicas sobre a publicidade das operadoras sejam colocadas na regulamentação, mas é improvável que ocorra neste primeiro momento. A implementação da legislação apresenta-se como uma atitude reativa aos problemas enfrentados pelas denúncias do MP-GO. Estancar danos da imagem do setor e criar uma tributação específica estão entre as maiores preocupações atuais.
A questão da imagem das empresas de apostas ligadas a jogadores também é vista como um agravante. Caso um dos denunciados do esquema tivesse vínculo com uma operadora, o desgaste de imagem no setor seria mais preocupante.
— Isso gera crise reputacional para as empresas. Fica difícil desconstruir a narrativa criada. Temos que adequar a legislação à realidade do país. Algo que faça sentido. Proibir tudo não me parece o caminho. Talvez a questão envolvendo cigarros e bebidas, que têm suas restrições, possam servir de parâmetros, pois são mercados mais maduros — avalia Rafael Marcondes, diretor da Associação Brasileira de Defesa da Integridade do Esporte.
O poder de influência dos jogadores, segundo especialistas, é capaz de transmitir uma mensagem atravessada ao público. Ao ver um atleta de um determinado clube como garoto-propaganda, o consumidor pode se sentir persuadido a apostar naquele jogador e naquele clube.
— Os exemplos apontam problemas. A propaganda não necessariamente incentiva a pessoa a apostar no jogador ou no clube em que ele joga, mas o potencial de ser persuasivo nesse sentido está presente. Há uma razão para que eles sejam patrocinados porque atraem o público — comenta Torres.
Também há a relação entre operadoras e clubes. As casas de apostas viraram uma fonte de renda. Dos 20 participantes da Série A do Brasileirão, somente o Cuiabá não tem uma casa de apostas como patrocinadora. Em países como Itália e Espanha, o patrocínio está proibido, afetando clubes do calibre de Real Madrid e Juventus.
A próxima liga a adotar a medida será a Inglaterra, onde jogadores e celebridades estarão proibidos de fazer este tipo de publicidade. A partir da temporada 2026/2027, a Premier League não permitirá que seus clubes tenham uma casa de apostas como seu patrocinador principal, o que afeta oito clubes no momento. A intenção da medida é reduzir a exposição das apostas a crianças.