O escândalo de apostas que atingiu o futebol brasileiro envolve milhões de reais. Quantias mais modestas envolveram o primeiro caso de tentativa de manipulação de resultados que se tem conhecimento no esporte moderno. O pontapé inicial se deu em um confronto entre Nottingham Forest e Burnley, no longícuo 1899. Tremendo o rebaixamento no Campeonato Inglês, o goleiro Jack Hillman, do Burley, ofereceu duas libras para que cada jogador adversário pegasse leve durante a partida. No intervalo, quando seu time perdia por 2 a 0, a oferta subiu para cinco libras. O Burley levou 4 a 0, o caso foi descoberto e Hillman suspenso por um ano.
Neste mais de um século de vida, os casos de trapaça pipocam nos principais centros do futebol mundial. No mais recente caso brasileiro, a Operação Penalidade Máxima desvendou uma organização criminosa especializada em corromper atletas de futebol e lucrar com apostas esportivas. A investigação do Ministério Público de Goiás denunciou 15 atletas.
Os jogadores acusados devem responder tanto na justiça comum quanto na esportiva — o STJD suspendeu preventivamente oito envolvidos. Caso seja comprovado o envolvimento deles, terão infringido o artigo 41-C do Estatuto do Torcedor (solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado) ou pelo artigo 41-D (dar ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim de alterar ou falsear o resultado de uma competição desportiva ou evento a ela associado). A pena para cada um dos artigos varia entre dois e seis anos de reclusão, além do pagamento de multa.
Eles, junto com investidores e outros envolvidos, também podem responder por prática de organização criminosa. As penas nesse caso variam entre três e oito anos de prisão.
No âmbito esportivo, o artigo 243 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva condena quem atua deliberadamente de modo prejudicial à equipe que defende com suspensão que vai de um a dois anos. Em caso de reincidência, a pena pode ser de eliminação do esporte, além de multa de até R$ 100 mil.
Em situações análogas no futebol europeu, as penas aplicadas em alguns casos foram mais severas, com a aplicação de multas, suspensão por longos períodos e até a exclusão do esporte.
A seguir veja casos que ocorreram no futebol europeu e a pena aplicada aos envolvidos.
Itália
A Itália já pediu música quando o assunto é fraude por apostas. Quatro grandes escândalos do tipo atingiram o Calcio desde a década de 1980. O primeiro caso foi batizado de Totonero, em alusão à Totocalcio, a loteria esportiva do país, meio pelo qual os fraudadores lucravam com os resultados arranjados.
O cabeça do esquema foi Alvaro Trinca, dono de um restaurante em Roma frequentado por vários jogadores da Lazio. Além do clube romano, Avellino, Bologna, Lazio, Milan, Perugia, Palermo e Taranto se envolveram no caso. Em campo, foi comprovado que 18 jogadores fizeram parte do esquema, em diferentes graus de comprometimento. O mais famoso dos envolvidos foi Paolo Rossi.
O atacante jogava pelo Perugia e foi suspenso do futebol por três anos. Em sua apelação, a pena foi reduzida para dois anos, o que o permitiu jogar a Copa do Mundo de 1982, sendo o principal nome da Azzurra na campanha do tricampeonato mundial.
As punições finais para os atletas variaram entre três meses e seis anos de suspensão. As sentenças mais pesadas não foram cumpridas na integralidade. Após o título na Copa de 1982, a Federação Italiana extinguiu as punições e muitos retornaram aos gramados.
Dois grandes clubes comprometidos com o escândalo foram punidos com severidade. Milan e Lazio caíram para a segunda divisão. As demais equipes perderam cinco pontos no início da temporada seguinte.
Totonero 2
Como se fosse uma franquia de sucesso no cinema, o Totonero não demorou a ter sua segunda edição. A segunda versão se deu entre 1984 e 1986. Dessa vez, além de dirigentes (clubes) e jogadores, técnicos estavam enredados na trama.
Ao todo, 34 jogadores foram punidos. As penas variaram entre um mês e cinco anos de suspensão. Quem recebeu a pena mais alta também foi excluído de competições da Federação Italiana. O mesmo vale para os 12 treinadores e os cinco dirigentes ligados ao esquema, privados do esporte por períodos entre quatro meses e cinco anos.
Nove clubes estiveram conectados à manipulação. A maior punição foi a perda de pontos da Udinese. O clube teve deduzidos nove pontos do Campeonato Italiano de 1986–87. A punição foi decisiva para o rebaixamento do clube.
Também foram penalizados Cagliari, Lazio, Triestina, Perugia, Palermo e Lanerossi Vicenza, todos da Série B, Foggia e Cavese, da terceira divisão. O Lanerossi Vicenza havia conseguido o acesso à elite italiana, mas foi excluído da principal competição do Calcio.
Caso 2011–12
Em 2006, a Juventus foi o epicentro de um caso envolvendo a coação de árbitros. O esquema não envolveu apostas esportivas. Porém, uma nova fraude ligada a apostas não demorou a emergir.
A eclosão do escândalo se deu em junho de 2011. Um grande grupo de pessoas, envolvendo investidores, ex-jogadores e jogadores, se envolveu na manipulação de jogos na Série B e outras divisões do futebol local.
A quadrilha desmantelada era composta por 19 pessoas. Entre elas nomes de destaque do futebol italiano, como Giuseppe Signori, jogador da Itália na Copa de 1994, que realizou apostas ilegais, e Cristian Doni, jogador da Atalanta e também com passagem pela Azzurra. As punições dos envolvidos variaram entre a exclusão de qualquer atividade relacionada ao futebol entre um e cinco anos.
Em relação aos clubes, 15 foram penalizados. A pior sentença foi aplicada ao Benevento, com a perda de nove pontos na tabela de classificação da temporada 2011–12 da Série B. As demais penas variaram entre multa e perda de seis pontos.
O caso de 2015
Três anos depois, o quadro se repetiu. O esquema foi desvendado no Catania e em outras equipes menos conhecidas. O esquema foi orquestrado pela Ndrangheta, principal máfia da região da Calábria, no Sul da Itália. O caso contou com 70 denunciados.
A temporada da 2015-16 da Série B italiana foi adiada por duas semanas devido às investigações. O Catania foi rebaixado para a Série C e começou o torneio com -12 pontos. Os dirigentes envolvidos no caso foram punidos com quatro ou cinco anos de banimento do esporte e multas que chegaram a 300 mil euros.
Inglaterra
Apesar de ter sido o precursor da manipulação de jogos, o futebol inglês passa relativamente incólume em relação ao assunto, sem ter sido palco de um grande escândalo relacionado a apostas. A legislação sobre o tema vigora desde a década de 1960. O que não impediu que irregularidades menores fossem descobertas. Alguns envolveram jogadores conhecidos.
Os casos estão ligados a jogadores flagrados realizando apostas ou passando informações privilegiadas a apostadores. Entre os que cometeram o "deslize" estão o argentino Demichelis, ex-jogador da seleção, Daniel Sturridge, Joey Barton e Andros Townsend. As penas aplicadas foram de multa, que variou entre 22 e 150 mil libras, e a suspensão do futebol por um ano e meio.
Alemanha
Em 1971, foi desvendado um esquema de manipulação para evitar o rebaixamento do Offenbach, mas o caso não envolvia apostas.
Porém, um escândalo de 2 milhões de dólares eclodiu em 2006. O caso teve o envolvimento de quatro árbitros da segunda divisão alemã. Eles atuaram em 13 partidas daquela temporada. Os jogos foram analisados e decidiu-se por não anulá-los — ao contrário do que ocorreu no Brasileirão de 2005, quando a Máfia do Apito veio à tona.
As negociações eram feitas com uma máfia de irmãos apostadores croatas. Principal envolvido no esquema, o árbitro Robert Hoyzer foi excluído do futebol e sentenciado a dois anos e cinco meses de prisão. Outro apitador foi impedido de apitar novamente e preso por um ano e meio. Os outros dois foram suspensos por três e seis meses.