Antes de um dos jogos do Juventude no Brasileirão do ano passado, as odds para o zagueiro Paulo Miranda levar cartão amarelo em uma partida do Juventude tiveram queda brusca, descendo de 2,50 para 1,95. No Rio Grande do Sul, partidas do Cruzeiro receberam alerta do sistema de monitoramento da Federação Gaúcha de Futebol e, na segunda (29), a Polícia Civil realizou operação e intimou jogadores e integrantes da comissão técnica. A vigilância em relação ao quanto se aposta em determinadas ações em uma disputa esportiva consiste em uma das armas mais difundidas no combate à manipulação de resultados no esporte.
Países com maior expertise em relação a apostas ilegais, como as desmascaradas pela Operação Penalidade Máxima, em que 15 jogadores foram indiciados pelo envolvimento com um grupo tenta fraudar partidas de futebol, apresentam outras ferramentas para diminuir as chances de que operadoras sejam usadas para a realização de crimes. A regularização dos sites de apostas, a educação dos atores envolvidos no esporte e a sinergia entre entidades são apontadas como essenciais para a criação de um sistema de combate eficaz.
O Brasil ainda engatinha no tema. As apostas legais em sites no país datam de 2018. A presença de empresas que funcionam como bookmakers é bem-vinda, já assim como o resultado esportivo, elas são lesadas. Como exemplo no Brasil, o caso envolvendo o Brasileirão de 2005 teve apostas feitas no mercado paralelo. Mas a regulamentação do funcionamento delas é essencial. Ainda não há regulamentação por aqui, ainda que a matéria já esteja tramitando no congresso.
— Apostas legais são recentes, não significa que não existiam antes. Uma das soluções é ter um mercado legal de ações, porque elas são monitoradas. Há maior transparência. Programas de prevenção, educação de jogadores, técnicos e árbitros para que reconheçam que riscos são importantes — avalia Andrew Harvey, doutor na ciência de exercícios pela Universidade de Swansea e especialista com trabalhos relacionados à manipulação de resultados publicados.
Em termos globais, a situação é considerada sob controle. A Stats Perform, empresa especializada em dados e parceira da Federação Paulista no monitoramento de indícios de manipulação, apresentou em seu último relatório que somente 0,56% têm emissão de alerta de possível manipulação.
A conclusão foi feita após a análise de 61.296 partidas em 2020. Somente 217 delas tiveram alertas emitidos, ocorridos em 80 competições diferentes em 51 países. Além dos principais torneios de futebol do planeta, o monitoramento engloba amistosos internacionais de seleções, categorias de base e futebol feminino. O índice na América do Sul (0,35%) foi abaixo da média. Ele é jogado para cima em disputas na África e na Ásia.
Especialistas acreditam que, de maneira geral, regularizar o setor logo depois que diversos casos emergem surge como o momento ideal para desenvolver uma visão estratégica sobre o assunto. Assim que o caso passa para instâncias superiores, a iniciativa de mudar o sistema desaparece.
— Uma relação próxima entre órgãos esportivos, o sistema judiciário e o governo é vital. O aumento de poder desses órgãos para dar suporte a investigações de manipulação faz com que seja mais provável uma resposta efetiva contra as tentativas de manipulação e a quem tenta aliciar e corromper jogadores e árbitros — explica Jake Marsh, gerente global de integridade da Stats Perform.
Investimento
Os maiores problemas enfrentados no combate são a falta de uma regulação única e a impunidade. Países têm regras discrepantes sobre o tema, sendo muito severas em algumas regiões e mais branda em outras. Também há casos em que quando o julgamento vai para instâncias superiores, as penalidades são abrandadas, em alguns casos levando à absolvição.
Programas educacionais e capacitores estão no centro das ações da Uefa. Além de ter um setor específico para tratar do tema, a entidade que gere o futebol europeu criou o Fight The Fix (lute contra a manipulação, em tradução livre) em parceria com a Faculdade de Lausanne, na Suíça. Um dos fatores apontados para que a batalha seja vencida recai na dedicação exclusiva dos envolvidos em investigações e julgamentos.
— (Investir em treinamento) não é um custo, mas um investimento para garantir a lisura e a integridade do movimento. É preciso pressionar por mudanças estruturais para promover recursos e pessoal qualificado para as federações e órgãos governamentais. Ter visão a longo prazo. O futebol atual precisa de órgãos disciplinares de pessoas que se dedicam de maneira integral — argumenta Stefano Caneppele, professor da Universidade de Lausanne e do Fight The Fix.
Este é um problema que ocorre no Brasil. O Tribunal de Justiça Desportiva conta com profissionais abnegados que realizam os julgamentos, como os que condenaram jogadores denunciados na Operação Penalidade Máxima.
A seguir veja alguns casos considerados de sucesso no combate às apostas ilegais.
O principal modelo
Os países escandinavos são considerados referências no assunto. Entre eles destaca-se a Suécia. A Spelinspektionen (Inspetoria Sueca de Jogos) implementou em 2021 regras mais rígidas, restringindo a possibilidade de apostas.
O cardápio de alternativas se limita às quatro primeiras divisões do futebol nacional. Jogos da Copa da Suécia estão abertos a palpites apenas quando as duas equipes disputam uma dessas divisões. Ações determinadas como cartões amarelos e vermelhos e o cometimento de pênaltis, situações manipuladas segundo as investigados da Operação Penalidade Máxima, não estão disponíveis para os apostadores.
Jogadores com menos de 18 anos não podem ter nenhum tipo de aposta individual relacionada a eles. Em partidas internacionais, estão liberadas somente partidas de futebol profissional e da categoria sub-21. Além de adotarem estas medidas, as operadoras precisam entregar um relatório anual de atividades suspeitas.
— Foram criados grupos de trabalho envolvendo todas as partes interessadas nas áreas de esportes, apostas e aplicação da lei para troca de experiências e informações. Houve a criação de plataformas nacionais de coordenação, sendo o grupo coordenador dessas plataformas conhecido informalmente por Grupo de Copenhague — conta Canappele.
Fifpro
O Fifpro, sindicato mundial de jogadores de futebol, também se movimenta para minimizar os casos de manipulação de jogos. O foco das ações da entidade estão nos atletas. A principal medida adotada foi a criação do Botão Vermelho, um aplicativo que permite que profissionais da bola relatem de maneira anônima comportamentos relacionados ao tema.
O app permite que o denunciante anexe fotos, vídeos, áudios e documentos que ajudem a comprovar a denúncia. Os dados são submetidos ao sindicato de atletas de cada país. Após serem enviados para a central da Fifpro, a entidade analisa se os indícios devem ser levados ao departamento de integridade da Fifa para investigação.
Uefa
Nas últimas décadas, a Uefa estabeleceu e desenvolveu uma unidade contra a manipulação de resultados. A agência é responsável por monitorar e conduzir investigações de casos relacionados a competições da entidade.
No ano passado, o Fight the Fix foi lançado. Nele, pessoas e entidades são capacitadas para participar do combate contra a manipulação de resultados. O programa se desenvolve em três tentáculos: reconhecimento do fenômeno, reconhecimento de evidências úteis e relevantes, coleta de dados e como analisá-los, e entendimento de como funciona a justiça esportiva.
Os participantes realizam um workshop em que recebem evidências, conduzem entrevistas simuladas com especialistas que se passam por jogadores envolvidos em um esquema de manipulação, criação de boletins disciplinares e apresentação de um caso simulado composto por árbitros reais da Corte de Arbitral do Esporte.
Na Inglaterra
Na Inglaterra, a Federação Inglesa trabalha em conjunto com a Comissão de Jogos de Azar do governo britânico. O principal foco da entidade que regula o futebol local é educar os atores do jogo.
Jogadores, dirigentes e árbitros são proibidos de fazer qualquer tipo de aposta em qualquer lugar do mundo e de passar informações privilegiadas a apostadores. A regulamentação das casas de apostas data da década de 1960. A Comissão tem como objetivo ser a cola que une órgãos do governo, a indústria das apostas e a polícia para monitorar ameaças e a manutenção da integridade do esporte. Através de relatórios, ela passa informações para entidades esportivas sobre casos e brechas em seus códigos e regulamentações.
Os ingleses nunca tiveram um escândalo com múltiplos casos de fraude em partidas de futebol. Porém, alguns casos isolados vieram a público. O último envolvendo Ivan Toney, do Brentford, que realizava apostas, inclusive contra o próprio clube.
— É um problema persistente. Nunca se sabe o quão grande ele é. É um mercado que é muito escrutinado. O fato de casos surgirem significa que o monitoramento funciona — acredita Harvey