A Seleção Brasileira empatou com o Panamá e venceu a República Tcheca em dois amistosos que mais serviram para mostrar o quanto ainda preferimos debater a coletiva do treinador do que os fatos que aconteceram dentro de campo. No Brasil, ainda damos preferência à polêmica do que ao jogo. E isso fala muito de todos nós.
No primeiro tempo em Praga, enquanto perdia por 1 a 0 para a fraca seleção européia, o comentarista Walter Casagrande da TV Globo soltou no ar o seguinte comentário:
- O futebol brasileiro não está ultrapassado, nem envelhecido. Está contaminado por esquemas táticos. Tem que cumprir isso e aquilo e tira a criatividade do jogador brasileiro. Tira a ginga, perde a iniciativa, a capacidade da jogada individual, de partir para cima e tabelar. Perde a ousadia. É uma 'contaminação tática'.
Com todo respeito que Casão - um ser humano espetacular - merece, ele foi muito infeliz nessa sentença que encontrou eco em muitos outros colegas da imprensa nacional e por consequência, em torcedores no Brasil inteiro. E estava feita a lambança: o problema do Brasil é que temos tática demais.
Eu nem sei por onde começar a responder tamanha barbárie, mas vou tentar ser objetivo e sucinto. Para isso, quero citar ao jornalista André Rocha do UOL, que em matéria brilhante lembrou a importância da tática em todas as grandes conquistas da Seleção Brasileira. Vale a leitura e o resgate de algo fundamental: sem tática, não se chega a lugar algum no futebol. E se somos hoje penta campeões do mundo, é graças à "contaminação tática" de figuras como Zagallo, Feola, Parreira, Felipão e tantos outros grandes treinadores.
TÁTICA É FUNDAMENTAL
O que o torcedor brasileiro médio ainda não se deu conta é que hoje em dia o que realmente faz um jogo desequilibrar para um lado ou outro é a tática. É a tática aliada às outras dimensões do futebol: a física, a anímica e a técnica. Todas interligadas em ações de um time contra um adversário em um jogo caótico e cheio de eventos aleatórios. Nada acontece de forma isolada, tudo está ligado.
A Bélgica surpreendeu o Brasil no primeiro tempo da partida na Copa do Mundo graças à tática. E foi por meio da tática que Tite ajustou o time e fez um segundo tempo brilhante, empilhando chances contra os belgas e consagrando o goleiro Courtois como herói da partida.
Graças a essa coisa que muitos não entendem chamada "tática" é que a linha de 5 e a linha de 4 do Panamá ficaram muito bem compactadas e não cederam espaços ao Brasil. Foi graças à tática que a seleção Tcheca subiu suas linhas de marcação e pressionou a saída de bola do Brasil no primeiro tempo.
Há uma ideia, completamente errada e ultrapassada, de que no Brasil se joga um "futebol moleque", sem nenhuma responsabilidade coletiva, e que tática é algo que cabe apenas ao sistema defensivo enquanto que lá na frente é só escalar os mais habilidosos que eles "resolvem".
Essas mesmas pessoas que acham isso ficam aplaudindo ao ver o Manchester City de Guardiola, o Barcelona de Valverde ou o Liverpool de Klopp. Ficam de boca aberta com o talento de um De Bruyne, um Messi ou um Salah, e acreditam que é só tocar a bola neles que está resolvido. Mas ignoram o peso que a tática tem em potencializar as qualidades desses jogadores.
Em publicada no Esquemão nesta semana, eu comprovei com dados que o Brasil não vem driblando menos e nem vem sendo menos ofensivo do que antes da Copa, quando todos viviam uma lua de mel com Tite. Não, Tite não corta o talento brasileiro e nem faz os jogadores serem menos ofensivos do que antes. Isso é apenas uma impressão sua, me desculpe.
Nessa mesma análise, eu conto que a renovação de peças na Seleção e o encaixe das mesmas no chamado "jogo de posição" (olha a tática aí) que Tite gosta, estão fazendo o time ser mais irregular em suas partidas. Assim, termina não agradando ao torcedor que só quer resultados e goleadas, e não tem paciência para os processos e seus tempos.
E é assim, com trabalho sério e comprometido, que Tite está contaminando taticamente a seleção. O torcedor não gosta do jogo e tem todo o direito de criticar apenas pelo gosto pessoal. Mas um jornalista, um comentarista esportivo ou um narrador não podem criar falsas ideias, inventar termos apenas para sustentar uma tese e agradar ao torcedor. Isso é um desserviço e só propaga uma preguiça em entender o que o campo está nos contando.
Afinal, é muito mais fácil tirar sarro do vocabulário de Tite do que entender as suas ideias e processos de futebol. É muito mais fácil achar que é barbada golear o Panamá do que não entender a organização tática do adversário. É muito mais fácil - e irresponsável - dizer que "muita tática estraga o jogo" quando na verdade, só a tática transforma um time em competitivo.