Não faz nem três meses e Vitão nem pensava em jogar futebol. Promessa do futebol brasileiro, o zagueiro de 22 anos que fez parte das seleções de base, inclusive medalha de bronze no Mundial sub-17 de 2017, só pensava em sair de onde estava. Ao lado de outros estrangeiros, a maior parte brasileiros, vivia escondido em uma espécie de bunker montado em um hotel de Kiev, enquanto russos e ucranianos iniciavam o conflito que marca 2022.
— É muito complicado, a gente não consegue nem pensar em futebol, só pensa em sair de lá com a família. Ficamos, minha mulher, meu filho, que tinha três meses, e eu dormindo no chão. Fiquei traumatizado — contou o jogador, em entrevista à Rádio Gaúcha.
Em uma ação da embaixada brasileira, com apoio da Uefa e da Federação Ucraniana de Futebol, ele e os demais companheiros conseguiram deixar o país, primeiro de trem até a fronteira com a Romênia e depois vieram em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) até o Brasil. A situação foi tão grave que Vitão demorou a retomar a carreira:
— Precisei de duas semanas antes de voltar a pensar em futebol.
Foi o momento de maior tensão da vida do atleta formado na base do Palmeiras, de onde saiu após apenas um jogo no time principal, em 2019. Paranaense de Jacarezinho, ele contou com a sorte para evitar ainda mais problemas. Sua mãe costumava visitá-lo e passar um tempo na Ucrânia. Para usar suas palavras, "Graças a Deus" este foi justamente o período em que estava no Brasil.
Passado o horror da guerra, Vitão veio para o Inter após poucos dias de negociação — e da liberação da Fifa para que atletas de Rússia e Ucrânia pudessem assinar novos contratos. No caso ucraniano, o futebol parou de fato. Sua última partida antes de estrear com a camisa colorada havia sido em 24 de novembro do ano passado, pela Liga dos Campeões, contra a Inter de Milão. Seu vínculo com o clube gaúcho vai até o meio do ano, mas como os conflitos no Leste Europeu não parecem cessar, existe uma possibilidade de extensão. Por enquanto, porém, limita-se a agradecer o ambiente que encontrou no Beira-Rio:
— Não tenho palavras para descrever a receptividade. Depois desses meses que restam, vamos ter uma conversa. Por enquanto vou fazer de tudo para ajudar enquanto estiver aqui. Tive oportunidade de ir para outros clubes, mas das propostas que tive, nenhuma era da grandeza do Inter.
O zagueiro será titular neste sábado, às 19h, contra o Corinthians, no Beira-Rio. A seu lado, o companheiro deverá ser Gabriel Mercado, um de seus melhores amigos desde sua chegada ao Inter. Apesar da boa relação, admite que pode ter dificuldades pela falta de entrosamento, mas cunhou uma frase interessante para descrever como tentará superar:
— A língua do futebol é uma só.
Do lado adversário, o volante Maycon e o centroavante Júnior Moraes viveram situação semelhante à sua, precisando escapar da Ucrânia. Será um reencontro que trará também essas recordações. Mas o "novo" Vitão já não sofre mais tanto. Com a família toda em Porto Alegre, conseguiu manter a calma, estabelecer uma rotina tranquila, que se limita, segundo ele, de ir do CT para a casa e da casa para o CT. Quando foi perguntado sobre o que lhe agrada fazer nas horas vagas, deu uma resposta que parece definir esse momento pós-trauma:
— Gosto de tirar um cochilo de tarde.