Eduardo Germán Coudet ingressa na sala de entrevistas coletivas do Racing e, logo nas primeiras perguntas, inicia uma pequena batalha de argumentos com um repórter. O time de Avellaneda havia vencido o Unión de Santa Fe, já despontava no Campeonato Argentino que viria a conquistar ao final da temporada, e o treinador respondia sobre a substituição do atacante Lisandro López (ex-Inter) pelo zagueiro Alejandro Donatti, aos 40 minutos do segundo tempo, quando sua equipe vencia por 1 a 0. Coudet disse ao repórter, antes de apresentar os seus argumentos:
— Vou te responder. E, ao final, se você disser "Donatti", terá de me pagar uma porção de batatas fritas.
O treinador prosseguiu, lembrando que, no jogo anterior, outra vitória do Racing por 1 a 0, o Lanús havia cruzado 30 bolas para a área, e o zagueiro de 1m91cm também havia entrado no lugar de Lisandro, a fim de manter o resultado. Então perguntou ao repórter:
— Quem você colocaria para garantir a vitória?
— Donatti — respondeu o jornalista.
— Me deves uma porção de batatas fritas — devolveu Coudet, aos risos.
Ato contínuo, o repórter abandonou a coletiva. Voltou pouco depois, interrompendo a entrevista coletiva para entregar ao treinador o "paquete de papas fritas". Gargalhada geral.
— Vocês (imprensa) vão conviver com um cara bem-humorado, mas que odeia perder. Coudet é um louco à beira do campo, como era como jogador. Um cara enérgico, que exige do time o tempo todo e que não tolera acomodação. E que por vezes reclama demais e acaba expulso pela arbitragem. Nesse aspecto, lembra D'Alessandro — conta Nicolás Sanles, analista tático e jornalista argentino. — Mas o Inter terá um grande técnico, que fará a torcida conhecer os 11 titulares. Coudet gosta de repetir o time e só mexe por necessidade. Joga sempre com quatro defensores, um volante centralizado, três meias ofensivos e dois atacantes. É padrão para ele.
Assim que Odair Hellmann foi demitido, em outubro, o Inter partiu em busca de Coudet, que assumirá o time gaúcho depois de decidir contra o Tigre mais um título pelo Racing, na noite deste sábado (14), o Troféu dos Campeões. Um amigo argentino do então vice de futebol Roberto Melo indicou o nome do treinador. Deu boas referências do trabalho que realizou no Rosario Central e no Racing e convenceu a direção colorada a contratá-lo. O Inter, então, entrou em contato com o empresário de Coudet, Christian Bragarnik (o mesmo de Cuesta e de boa parte dos profissionais do futebol argentino), a fim de sondá-lo sobre a possibilidade de se mudar para Porto Alegre. Com o sinal verde, os dirigentes embarcaram para Buenos Aires, onde se reuniram com o técnico no escritório de Bragarnik.
Entre bate-papo, cafés e águas, Coudet se mostrou inteirado sobre o time deixado por Odair. Citou nomes óbvios, além de outros nem tão óbvios, como os de Bruno Fuchs, Dudu, Zé Gabriel e até Charles (que estava emprestado ao Sport). Foi além e mostrou aos dirigentes vídeos de treinos e de jogos do Inter, apontando questões a serem corrigidas e até estranhando o fato de haver muitos profissionais do clube ao redor do gramado, no CT Parque Gigante.
Em determinado momento, o treinador questionou os dirigentes sobre o que esperavam dele. E ouviu a palavra "ruptura". Que teria carta branca para mudar tudo. O treinador de 45 anos gostou da resposta e topou o desafio. Mas para 2020, pois não queria encerrar seu trabalho no Racing antes do fim do ano. Com fome de títulos, pode se tornar o treinador mais vitorioso dos últimos 52 anos do Racing, caso conquiste o Troféu dos Campeões, disputado em jogo único. Desde 1967, um técnico do clube não ganha dois títulos seguidos.
A partir de 8 de janeiro, Chacho Coudet receberá os jogadores no Beira-Rio com a sua comissão técnica formada pelos também argentinos Ariel Esteban Broggi (auxiliar técnico), Octavio Manera (preparador físico), Guido Cretari (auxiliar de preparação física) e Carlos Fernández (analista de desempenho).
El Inter hablará español en 2020. Aún más.
Chacho
Orgulho do bairro de Saavedra, na zona norte de Buenos Aires, onde nasceu e cresceu, Eduardo Coudet ganhou o apelido de Chacho ainda na juventude, nos anos 1980. Um amigo achava o seu estilo de jogo e os cabelos (mullets, à la cantor sertanejo das antigas) parecidos com os de Cláudio Chacho Cabrera, então volante do Vélez Sarsfield — e depois de Boca e River — , e passou a chamá-lo também pelo apelido. Pegou.
Mate com o zagueiro e apelo à mãe de atacante
Eduardo Coudet é um workaholic. Depois de acertar o contrato com o Inter, ligava pela manhã e à noite para os dirigentes, a fim de pedir relatórios e informações sobre time e jogadores. Participou da reunião de planejamento e de indicações de contratações. Sabe, porém, que alguns reforços não são viáveis, devido a limitações de orçamento do clube.
— Coudet é muito carismático e é próximo aos jogadores. Gosta de conversar sobre futebol. Líder de vestiário, acaba fazendo com que ao atletas joguem por ele — relata Agustín Iuele, repórter do site Racing de Alma. — Ele é um sujeito que toma a frente muitas vezes em negociações, a fim de convencer os jogadores a atuarem por seu clube. Com Coudet, o Racing foi o time que mais pontos somou no Campeonato Argentino, mais do que River e Boca. Fez uma equipe ultracompetitiva, com identidade. Ele mudou a mentalidade dos jogadores e da torcida do Racing. Antes da sua chegada, o Racing não competia. Depois, passou a ser um time ofensivo onde quer que jogue.
Foi na montagem do grupo do Racing e na necessidade de buscar jogadores experientes que começou a entrar em ação em Avellaneda o Coudet gestor. Característica comum em sua passagem também pelo Rosario Central. O técnico costuma conversar pessoalmente com os jogadores que deseja para o seu time.
— Coudet foi à casa de Leonardo Sigali (zagueiro do Dínamo Zagreb), quando ele estava de férias na Argentina durante o recesso do Campeonato Croata. Tomou mate com Sigali, passou a tarde conversando até convencê-lo a voltar para a Argentina e defender o Racing. Também conversou pessoalmente com Donatti para levá-lo ao Racing. O seu único insucesso recente foi quando apelou para a mãe de Lautaro Martínez, indo à casa dela e pedindo pessoalmente para que ele não partisse no meio da temporada para a Inter de Milão. Não conseguiu — recorda Iuele.
Esse modus operandi já foi empregado por Coudet em favor do Inter, ao sondar Ezequiel Lavezzi para jogar no Beira-Rio. O atacante de 34 anos deixou claro que sairá do Hebei Fortune ao final desta temporada — isso não ouriçou apenas o Boca Juniors (seu clube de origem, nas categorias de base) e o Rosario Central (é natural da cidade e torcedor do clube), que sonhava formar um ataque com Lavezzi e Marco Ruben.
Uma pessoa ligada a Coudet entrou em contato com Diego Lavezzi, irmão do vice-campeão mundial com a Argentina em 2014, a fim de perguntar se o jogador teria interesse em defender o Inter em 2020. Diego teria agradecido o convite e informado que Ezequiel deverá deixar a China, mas para abandonar o futebol.
Preferência por jogadores rodados
Atletas de confiança no vestiário também compõem o cenário de Eduardo Coudet. Além de ficar próximo de Lisandro López, ex-atacante do Inter e atual capitão do Racing, o treinador pediu a contratação de sete jogadores: Nery Domínguez, Alejandro Donatti, Leonardo Sigali, Jonathan Cristaldo, Walter Montoya, Agustín Allione e Damián Musto. Os únicos que não recebeu foram Allione, reprovado no exame médico, e Musto, suspenso por doping _ punição que se encerra em 6 de janeiro, quando o volante deverá assinar com o Inter. Montoya, com passagem ruim pelo Grêmio, pode ser um dos reforços pedidos pelo técnico ao Inter. O meia pela direita está emprestado ao Racing até 31 de dezembro e tem vínculo por mais um ano com o Cruz Azul, do México.
— Coudet gosta de atuar com jogadores experientes. Ele coloca muito poucos jovens no time, a não ser que sejam estrelas. Não gosta muito de juvenis no time principal. Exige um time enérgico, como ele, uma equipe que tenha a sua personalidade, que corra muito, que pressione a saída de bola do adversário e que chegue fácil ao gol — afirma o jornalista Nicolás Sanles.
Apesar de preferir jogadores experientes à gurizada, Coudet já foi avisado pela direção do Inter que contará com novatos como Bruno Fuchs, João Peglow e Johnny, que ocuparão vagas de jogadores de segundo escalão já dispensados pelo clube.
Duros golpes na estreia como técnico
Para chegar ao sucesso com o Racing e despertar a cobiça do Inter, Coudet precisou crescer na dor. O Rosario Central, o seu segundo clube como jogador profissional, resolveu apostar no habilidoso meia para ser o seu treinador em 2015. Assim, aos 41 anos, assumia o seu primeiro time.
Nos tempos de Central, foram três pancadas em sequência, apesar de ter construído boas equipes. Com poucos recursos, Coudet fez um time jovem e competitivo. Chegou à final da Copa Argentina de 2015, mas perdeu para o Boca Juniors, com dois gols irregulares. No ano seguinte, depois de eliminar o Grêmio de Roger Machado nas oitavas da Libertadores, enfrentou o Nacional-COL. No jogo de volta, em Medellín, o Central estava se classificado às semifinais, quando um gol no último minuto eliminou a equipe. Em dezembro daquele ano, mais um nocaute. Coudet levou de novo o Central à final da Copa Argentina, contra outro gigante, o River Plate de D'Alessandro. O Central ganhava por 3 a 2 até os 26 minutos do segundo tempo, quando o atacante uruguaio Iván Alonso substituiu o hoje camisa 10 do Inter, e o River virou: 4 a 3.
Como jogador, irreverente e provocador
O início de careira no Platense (clube da cidade de Vicente López, na Região Metropolitana da Buenos Aires) foi tão promissor que ofuscou até mesmo o surgimento do franco-argentino David Trezeguet, seu companheiro de time no começo dos anos 90.
Irônico, irreverente, brincalhão e provocador com os rivais, Coudet era apontado como "louco" pelos repórteres que cobriam o Platense — atualmente na Série B.
Chacho Coudet sempre se destacou em campo, pelo futebol, pelas atitudes e pelo visual. No começo dos anos 2000 até o fim da carreira como jogador, aos 37 anos, jogando pelo Fort Lauderdale Strikers (clube que tem hoje como acionista Ronaldo Nazário), Coudet descoloriu os cabelos. Ora quase brancos, ora amarelo ovo. Recentemente, a manta em volta do pescoço, com camisa de mangas curtas, se tornou uma marca.
Em 1995, levou o Rosario Central à conquista da Copa Conmebol, ao devolver os 4 a 0 levados do Atlético-MG, com a conquista definida nos pênaltis. Depois da inimaginável vitória, Coudet e o meia-atacante Pablo Sánchez voltaram ao Gigante del Arroyito e passaram a noite inteira no gramado do estádio. Haviam prometido dormir no campo, caso fossem campeões. Ainda pelo Central, certa vez a torcida do Colón lhe atirou um cigarro nas costas. Coudet, que se preparava para bater um lateral, se abaixou, recolheu a bituca, cobrou o lateral e, em seguida, deu uma tragada.
— Coudet sempre se identificou com a torcida, pela entrega, pelo bom futebol e também pelas provocações aos adversários. É sanguíneo. Certa vez, já expulso de campo, invadiu o gramado para comemorar um gol. Pelo River, se jogou contra a bola para evitar um gol do Boca na Bombonera. Quando defendeu o Central, em 2004, fez uma sessão de fotos para o Olé, de calção e com um cobertor por cima. Quando lhe perguntaram o motivo, ele disse: "Porque aqui (em Rosário) faz muito frio". Se tratava de um deboche dele ao rival, Newell's Old Boys, cujo time e torcida eram chamados de "pecho frío" (o equivalente a sem sangue no futebol brasileiro) — diverte-se Juan Pablo Méndez, repórter do Diário Olé.