Por Leandro Behs e Rafael Diverio
Nada parece ser muito fácil na carreira de Marcelo Lomba do Nascimento, 31 anos. Bom, para começo de conversa, ele optou por ser goleiro, a função mais ingrata do futebol. Camisa 12 do Inter, não sofre gols há cinco jogos. O time não leva há seis. Entrou no lugar de Danilo Fernandes que, quase ao final da goleada sobre o Botafogo, sofreu uma lesão no ombro direito — e que, depois, ao ser examinado, mostrou que ele havia rompido o tendão, sendo submetido a uma artroscopia para reconstrução do local, o que o tirou da temporada.
O gol mais recente sofrido pelo Inter ocorreu em Belo Horizonte, na derrota por 2 a 1 para o América-MG, ainda sob a gestão Danilo. A mesma capital mineira que verá Lomba defender o gol colorado uma vez mais no Brasileirão, a partir das 19h deste domingo, contra o Cruzeiro, no Mineirão.
Foi também em BH que Marcelo Lomba deu início à sua nova série de jogos como titular. Na histórica noite do granizo, no Independência, quando o Inter bateu o Atlético-MG e se mostrou um candidato ao título nacional. Contratado em 2016, ele soma apenas 36 partidas pelo clube. Coisas da vida de goleiro. A primeira grande chance surgiu no Gauchão do ano passado, quando Danilo fraturou um dedo do pé e Lomba assumiu o gol. Em uma bizarra jogada do destino, porém, ele também sofreu uma séria lesão muscular, na coxa direita, em meio à semifinal contra o Caxias. Keiller entrou em seu lugar, pegou pênalti, levou o Inter à final com o Novo Hamburgo e, no primeiro jogo da decisão, teve uma luxação no cotovelo. Lomba, sem condição alguma de jogo, ficou no banco e ainda disputou os minutos finais da partida no Beira-Rio. Era ele ou fardar um jogador de linha e mandá-lo para o gol.
— Eu mal conseguia caminhar. Por sorte, já eram 46 minutos do segundo tempo. Só pensei: "Meu Deus, se eles atacarem vai ser um problemão". Mas não chutaram mais.
Nesta conversa com Zero Hora, após o treino na chuvosa manhã de sexta-feira, no CT Parque Gigante, ele fala sobre a dura vida de goleiro, a boa fase colorada, o sonho do tetracampeonato nacional, família e fé. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Qual é segredo para ficar tanto tempo sem levar gol?
Temos uma segurança de jogo, um modelo tático definido e bons jogadores. Edenilson faz uma partida meio a meio, entre ofensivo e defensivo, e Rodrigo Dourado rouba muita bola, tem saída de qualidade, é forte no jogo aéreo. Quase intransponível. O Pottker ajuda muito a gente lá atrás. Cada um sabe fazer sua função e entende o jogo quando precisa mudar.
Quanto é mérito seu essa marca?
É 100% do time. Às vezes, um time tem característica de fazer muito gol mas também levar muito. O Corinthians era o contrário, fazia pouco mas quase nunca levava. Aqui no Inter a gente achou um equilíbrio.
Virou senso comum citar que o Gre-Nal foi o divisor de águas do Inter. Depois daquele empate, o time se encontrou e cresceu. É isso mesmo?
Foi um jogo na casa do adversário, que vinha em alta. Vínhamos de uma sequência difícil, com Bahia, Palmeiras, Cruzeiro e Flamengo, na qual fomos dominados. Viemos para o clássico muito pressionados. Fizemos uma partida sólida, tivemos chance de gol. Quando empatamos, demos uma resposta para a torcida e para nós mesmos. Se nós conseguimos enfrentar o Grêmio lá, podemos enfrentar qualquer outro.
Daqui a 10 dias tem Gre-Nal de novo. Existe uma preocupação com o clássico?
Vou te falar a verdade: ainda nem pensamos no Grêmio. A gente vai fazer a mesma preparação, o mesmo descanso. Mas nem falamos ainda. Estamos com foco no Cruzeiro. Depois vai ter o Flamengo.
A sequência agora tem Cruzeiro, Flamengo e Grêmio. É a parte mais difícil do campeonato?
A gente teve dificuldade de encaixar contra o Palmeiras, e agora contra o Cruzeiro vai ser igual, duríssimo. Traçamos a estratégia, Odair conversou bastante com a gente. Essa sequência é a parte mais importante do campeonato. Temos que estar focados. Manter a regularidade. Nossa virtude é manter o mesmo desempenho.
Aliás, no jogo contra o Palmeiras, o uniforme cinza confundiu?
No começo achei que era coisa da minha cabeça, a parte do sol e da sombra. Nos cinco, 10 primeiros minutos, fiquei preocupado a ponto de não saber pra quem tocar a bola na pressa. No vestiário também teve reclamação, ainda bem que mudaram no intervalo. Nossa camisa vermelha tem um tom mais vibrante, daí facilita para diferenciar. A camisa cinza é linda, comprei para o meu filho, que me pediu. Mas precisa ser usada contra algum time de branco, como foi no segundo tempo. Até nos perguntamos: por que não pedimos para mudar antes?
Por que o Inter tem jogado tão bem fora de casa?
Se quiser buscar coisas grandes, tem que buscar pontos fora. É psicológico fora de casa. É engraçado, né? É tudo igual. Vamos lá para jogar de igual para igual. Temos de ter personalidade e jogar. Tem de ser humilde para marcar, ficar forte atrás, mas temos qualidade na frente.
Como vocês dosam o entusiasmo da torcida em busca do título?
O entusiasmo da torcida não chega a entrar no vestiário, sendo bem sincero. Mas no campo muda. Quando chega no campo, vê o estádio lotado, isso mexe com a gente. Entra para aquecer e tem 40 mil pessoas, torcida cantando... isso balança.
O entusiasmo da torcida não chega a entrar no vestiário, sendo bem sincero. Mas no campo muda. Quando chega no campo, vê o estádio lotado, isso mexe com a gente. Entra para aquecer e tem 40 mil pessoas, torcida cantando... isso balança.
MARCELO LOMBA
Goleiro do Inter
É a primeira vez que você vive um Inter em bom momento desde sua chegada. Como é a sensação?
Para o goleiro, é muito bom entrar em um time sólido. Os jogadores têm dado confiança. A gente não sabe como vai ser o próximo jogo, mas agora só precisamos fazer a nossa parte. Isso dá muita tranquilidade. A parte externa também é muito boa.
Fora do campo?
Sim. Você pode agir naturalmente, não precisa se proteger de nada, sabe que vai entrar em campo com o apoio da torcida, não precisa provar nada. Sabe que os jogos são decisivos por uma coisa boa, título, Libertadores. Tem que ter autocontrole para pensar jogo a jogo, sem pensar na frente.
O ambiente muda também?
Tem um entrosamento bom da galera aqui. Estamos sempre juntos, sempre rindo. O ambiente sempre foi bom, mas as vitórias dão convicção. Temos um belo grupo, ótimas pessoas, tem dado resultado. A coisa que a gente mais quer é estar dentro de campo.
Por falar em ambiente, como vocês veem a situação do Paolo Guerrero?
Nossa relação com ele foi pouca. Tivemos uns dois ou três treinos só. Mandamos mensagem para ele, temos esperança de que ele volte esse ano. É uma pessoa com caráter, está querendo fazer o que gosta. Que tudo se resolva da melhor forma possível.
Tem falado com o Danilo?
Danilo vem aqui fazer tratamento, é meu amigão, estamos sempre juntos.
Isso é uma coisa curiosa dos goleiros. Vocês são muito unidos normalmente, mesmo sabendo que só um joga.
A gente acaba se acostumando desde pequeno. Os goleiros se respeitam muito, sabem que só joga um mesmo. Faz parte da nossa carreira. E a história do Inter tem grandes goleiros jogando, e até no banco. Uns anos atrás, o Dida era o reserva. Nessas horas a gente vê o tamanho do Inter também.
Os goleiros se respeitam muito, sabem que só joga um mesmo. Faz parte da nossa carreira. E a história do Inter tem grandes goleiros jogando, e até no banco. Uns anos atrás, o Dida era o reserva. Nessas horas a gente vê o tamanho do Inter também.
MARCELO LOMBA
Goleiro do Inter
Quem é o melhor goleiro brasileiro?
Sem dúvida, o Alisson. Treinamos um pouco com ele na pré-temporada, é muito bom.
E no mundo?
O (Hugo) Lloris foi muito bem pela França na Copa. Gosto do goleiro da Dinamarca, o Kasper Schmeichel, não só pelas defesas mas também pelo estilo vibrante. A posição de goleiro evoluiu muito nos últimos anos, tanto que às vezes vemos alguns times que não são tão bons, mas o goleiro é.
Você falou do Alisson, do Dida, do Danilo. Vocês todos têm uma coisa em comum, que é ter trabalhado com o preparador Daniel Pavan. Qual é a influência disso?
A qualidade do Pavan a gente nem precisa falar, da batida na bola, do trabalho, da cobrança. Isso é público, todo mundo sabe. Então vamos falar do resto. Ele já nos conhece. Sabe exatamente o que estamos passando. Os quatro goleiros tiveram passagem dele. E ele nos conhece, só de olhar sabe o que precisamos treinar. É um maestro. Às vezes ele muda o nosso treino e logo depois percebemos o que melhorou. Ele e o Durgue (auxiliar).
Está adaptado a Porto Alegre nesses dois anos?
Gosto muito de Porto Alegre. A chuva e o frio estão complicando, sou um carioca da gema, gosto do calor. Moro no Moinhos de Vento, e ali tem vários lugares para tomar café. É o que mais gosto de fazer, sair para tomar café com minha esposa. Levo meus filhos na escola. E isso nunca vai mudar, valorizar minha família. A prioridade é ser um bom pai.
Sou contra a cera. A Fifa precisa promover mais tempo de bola rolando. Tem horas em que o adversário está em cima e entendo que o goleiro demore mais para buscar a bola, peça calma. Mas cair no chão, pedir atendimento sem ter nada, sou contra. Sou goleiro e falo: tem de aumentar os acréscimos. Tenho visto bastante isso e não é legal.
MARCELO LOMBA
Goleiro do Inter
Você também percebe uma prática dos goleiros de parar o jogo, demorar para repor a bola, fazer a cera? O que pensa disso?
Sou contra a cera. A Fifa precisa promover mais tempo de bola rolando. Tem horas em que o adversário está em cima e entendo que o goleiro demore mais para buscar a bola, peça calma. Mas cair no chão, pedir atendimento sem ter nada, sou contra. Sou goleiro e falo: tem de aumentar os acréscimos. Tenho visto bastante isso e não é legal.
O recorde do Inter de tempo sem levar gol em Brasileirão é de 2006, quando Renan, que era reserva de Clemer, ficou 770 minutos invicto. Já pensou nisso?
A gente trabalha para não levar gol, mas sabemos que tem lances em que não há o que fazer. Mas tenho sentido uma vibração grande do time em não levar gol. Todo mundo vibra quando tira a bola. Tomamos gosto de ter uma defesa sólida, de roubar a bola. Não entramos nunca pensando no recorde, e sim para ganhar o jogo. Quero ser campeão. Não vai ter maior orgulho do que isso. Mas uma coisa acaba levando à outra. A gente sabe que, se não tomar gol, está mais próximo da vitória.
Qual foi sua maior atuação pelo Inter?
A maior foi contra o Corinthians. Vínhamos de um 2016 difícil, minha chegada no clube, não sabíamos nem se continuaria. Daí acontece aquilo ali e minha vida mudou. Aqui no Beira-Rio tive uma das maiores partidas da carreira, e lá ainda teve os pênaltis. Pude sentir o abraço da torcida, e isso não sai da minha memória.
E qual foi a maior atuação do resto do time?
Foi contra o Fluminense. Conseguir 3 a 0 no Maracanã dá muita confiança. E tem o lado pessoal, de ter minha família no jogo, ser carioca.
É melhor ganhar um jogo como contra o Fluminense ou como aquele contra o Paraná, com gol no último lance?
É bom sempre ganhar. mas contra o Paraná foi muito legal porque foi meu grande amigo Camilo que fez o gol. O jogo foi muito sofrido, mas veio o gol de um cara que trabalha muito. O vestiário foi uma grande festa. A gente viu que tem recompensa.
Chegou a ver a foto do gol, que você aparece como se estivesse abençoando o Camilo?
Tem vezes que a câmera mostra eu falando. Mas às vezes não estou orientando, estou falando com Deus. Gosto disso. Acredito que tudo um determinado tempo nas mãos de Deus. naquele lance, estava crendo que faria o gol.
Quando viu que era gol?
Tenho uma visão privilegiada. E conhecemos uma batida. Quando ela saiu do pé dele, pegou a curva, só torci para bater na trave e entrar. Vou guardar esse vídeo para o resto da vida, pela explosão do Beira-Rio depois do gol.