Nico López é a primeira cobaia do mais novo projeto do Inter para melhorar o desempenho de seus jogadores. O atacante de 24 anos passa por um processo interdisciplinar que visa a lhe dar suporte em todas as áreas: física, técnica, tática, fisiológica, nutricional, médica e psicológica. Se o laboratório continuar dando bons resultados, o plano é estendê-lo para mais atletas, principalmente nas categorias de base.
O primeiro passo para o uruguaio dar o salto de qualidade que há tanto se esperava foi uma conversa com o vice de futebol, Roberto Melo, seguida de um encontro com o novo executivo do clube, Rodrigo Caetano. O próprio Nico López tratou de elogiar o dirigente na entrevista coletiva que concedeu na quinta-feira, no CT Parque Gigante, após o treino. O jogador não quis revelar o teor do assunto, mas afirmou ter sido um ponto importante na guinada.
Basicamente, a conversa tirou Nico da Nicolândia. Aqui vale o parêntese: Nicolândia foi uma brincadeira surgida nas redes sociais para descrever o comportamento do atacante em algumas partidas, em que, simplesmente, parecia desligado do que ocorria. O próprio atleta chegou a postar uma foto ironizando isso, depois de marcar um gol importante no ano passado.
Além dos dirigentes, integrantes da comissão técnica conversaram com o uruguaio. Porque, de fato, quando não está na Nicolândia, ele é um dos melhores atacantes do país. Dono de um pé esquerdo habilidoso e goleador, precisava resolver algumas questões que pareciam lhe fazer perder o foco, tanto dentro quanto fora de campo.
Depois de conseguir superar alguns problemas familiares, Nico encontrou uma casa no condomínio onde mora para receber parentes e amigos, principalmente vindos do Uruguai. Pôde, assim, ver mais frequentemente seu filho, que vive no país vizinho. Isso o ajudou no aspecto psicológico. Com a mente tranquila, tudo o que precisava fazer era se concentrar no esporte.
Nico saiu de casa ainda adolescente. Foi estrela de um Mundial sub-20 em 2013, quando conduziu a seleção charrua ao vice-campeonato, perdendo para a França. Nico foi o Bola de Prata da competição, perdeu para Paul Pogba. Dali, voou para a Europa. Inicialmente, para jogar na Roma. Mas acabou cedido a outros clubes, como Udinese e Verona.
Na terra de Romeu e Julieta, trabalhou com o técnico Andrea Mandorlini. O treinador afirma ter belas recordações do "bravo ragazzo":
— Ele tinha muita velocidade e força na perna esquerda. Formou um bom ataque jogando próximo a Luca Toni. Fico feliz de saber que se encontrou aí no Inter. Aqui, o que realmente lhe atrapalhou foi que cobramos muito uma disciplina tática que ele não tinha, talvez por ser muito jovem. Em um futebol com outra cultura ou entendendo que precisa também trabalhar na fase defensiva, sem dúvida será muito útil.
Nesse ponto, entrou em cena Odair Hellmann. O técnico conversou com o jogador. Explicou-lhe que, em alto nível, é preciso que todos colaborem na frente e atrás. E que sejam versáteis, não se atenham a apenas uma posição.
— Tem uma estrutura tática. Não só com Nico, mas com outros jogadores também. Um aspecto tático e fortalecimento coletivo, isso colabora para que individualidades se fortaleçam, e que o individual esteja a serviço do coletivo. Há movimentos que ele gosta de fazer, e esperamos propiciar isso a ele. É uma troca: a equipe oferece alguma coisa a ele, e ele dá algo diferente ao time. Nico tem movimentos de jogo que ele se sente melhor, estamos proporcionando isso. Mas também ele participa da fase coletiva do jogo e todos crescem com isso - elogiou o treinador. - Mas tudo isso tem muito do Nico. Há respaldo, conversa, cobrança e, também, mostrar a realidade. Nico é um caso que, mais do que Rodrigo (Caetano), mais do que eu, houve uma posição do Nico. As pessoas podem ser aconselhadas, mas, se ela não quiser, não adianta. Nico se propôs a aceitar esse tipo de conversa e procurou melhorar em todos estes aspectos. Houve entendimento das partes para o bem de todos — completou Odair.
E Nico enfim entendeu o que precisava fazer. Ele mesmo disse:
— Estou jogando bem porque o time todo está bem. Mas ganhei confiança, força. Estou jogando do lado direito, mas também pelo centro e na esquerda. Me sinto livre para fazer as movimentações. Melhorei e tenho de melhorar ainda.
Essa situação só está funcionando porque o Nico quer. Ele entendeu a responsabilidade que tem, os sacrifícios que exige uma carreira no esporte. Talento, dom para o futebol, ele já tem
RODRIGO CAETANO
Diretor-executivo do Inter
A polivalência do uruguaio lhe deu estabilidade para, enfim, ganhar sequência. Se até então havia dúvidas sobre qual seria seu posicionamento ideal, ele tratou de terminar com a polêmica.
Destacou-se como meia-armador contra o Vasco, por exemplo. Depois, jogou aberto pela direita com o Atlético-PR e fez as jogadas dos dois gols colorados. Diante do Botafogo, fez de tudo um pouco: iniciou na ponta direita, flutuou para o meio e andou até do lado esquerdo. Serviu Pottker em um e deixou Damião sem goleiro no outro gol. No Brasileirão, colocou quatro bolas nas redes dos adversários e deu duas assistências. Jogou 11 partidas, seis (sendo as últimas cinco) como titular.
Para ter essa sequência, Nico também passou por um processo de fortalecimento. Recuperou-se de lesões, ganhou uma dieta especial do departamento de nutrição, teve reforço muscular com o coordenador de performance Elio Carravetta. Está definitivamente entrosado com os colegas. A ponto de virar uma espécie de guia para Jonatan Alvez, o outro uruguaio do grupo. Adaptou-se a Porto Alegre.
— Preciso deixar uma coisa clara. Essa situação só está funcionando porque o Nico quer. Ele entendeu a responsabilidade que tem, os sacrifícios que exige uma carreira no esporte. Talento, dom para o futebol, ele já tem. O que fazemos é colocar a estrutura do clube à disposição para que ele tenha condições de explorar todo o potencial que tem — comenta Rodrigo Caetano.
O dirigente está encantado com a resposta do uruguaio. Ele lembrou que buscou informações sobre Nico quando ainda exercia o cargo no Flamengo e o camisa 7 era o destaque do Nacional-URU na Libertadores de 2016. Entretanto, o clube carioca ainda passava por reestruturação financeira e não pôde investir em sua contratação.
O Inter contou com apoio do empresário Delcyr Sonda para pagar os cerca de R$ 16 milhões pedidos pela Udinese, dona de seus direitos econômicos. E isso tudo aumenta a carga sobre o jogador.
— Era hora de Nico pensar no que queria para sua carreira, para seu futuro. Por ter acompanhado sua passagem pelo Nacional, entendia que ali estava uma joia, um talento a ser lapidado. Não que ter sido contratado com investimento ou ser de alta qualidade pode fazer ter tratamento especial. Nada disso. Ele é um dos tantos casos que pretendemos seguir. É que como a resposta tem sido boa, aumenta a visibilidade — resume Rodrigo Caetano.
O sonho do Inter é implantar essa ajuda multidisciplinar na categoria de base. A parceria com a empresa belga Double Pass mira justamente nisso. O plano é identificar os talentos e as barreiras, agindo para derrubá-las e deixar o jovem mais pronto para ser aproveitado pelo time principal.
Com Nico, está dando certo. Tanto que ele já responde a perguntas sobre seleção. O técnico Óscar Tabárez está buscando uma renovação no grupo e as vagas para a reserva de Suárez e Cavani estão abertas. Na entrevista de quinta-feira, o jornalista Martín Gomez de Freitas, da Rádio Universal de Montevidéu, lhe questionou sobre a possibilidade de vestir a camisa celeste na Copa América que será disputada no ano que vem, com uma das sedes sendo o Beira-Rio.
— É um sonho para todos os meninos jogar pela seleção de seu país — respondeu.
Se continuar fora da Nicolândia, ele tem tudo, mesmo para estar no Beira-Rio (ou em qualquer outro estádio brasileiro) na Copa América do ano que vem.