O futebol é como uma daquelas balanças antigas que serve tanto para medir o peso quando para mensurar o favoritismo em uma partida de futebol. O prato de um lado acomoda toda a carga do provável. O outro sustenta a leveza do improvável. Vez por outra a dinâmica é desafiada em uma final de campeonato, como a do Gauchão 2023. Neste sábado (8), o Grêmio entra na Arena carregando toneladas de uma história de títulos. A partir das 16h30min, o Caxias está em campo trazendo consigo o incomum para desfazer o desequilibro.
Se a lógica é definida como o encadeamento coerente de uma situação, difícil não rotular o Grêmio como favorito. Uma vitória por qualquer placar levará o clube a conquistar o Hexa estadual. Uma soberania alcançada somente outras duas vezes. Nos anos 1950 e 1960, foram 12 títulos em 13 disputadas. Nos anos 1980, o clube emendou seis conquistas com um time que encantou ao ponto de ser chamado de "Grêmio Show". Foi com show que a sequência atual começou a ser construída.
Uma hegemonia iniciada com Renato Portaluppi, comandante dos primeiros três títulos da série em um período importante dos seus 700 jogos, somando o período de treinador e jogador, representando o azul, o preto e o branco. Esse lado da balança conta com jogadores que com seus salários pagariam meses e meses do suor do trabalho do elenco adversário.
Caso de Luiz Suárez, uruguaio de quatro Copas do Mundo, de títulos nas maiores competições de clubes. O quinto maior artilheiro em atividade.
Ainda há uma campanha que só viu derrota no torneio em um jogo. Que diante do seu torcedor venceu jogo atrás de jogo nesta temporada. Com tantos predicados, difícil a balança do favoritismo não vergar para um lado.
Todo esse volume não impediu que a vaga para a final viesse após passar pelo imponderável dos pênaltis nas semifinais. O aperto vivido pelo Grêmio diante do Ypiranga mostrou que a assimetria da balança não é um impeditivo insuperável para a surpresa dar as caras em Porto Alegre.
Para o Caxias conseguir a vitória no tempo normal ou o empate que leva a decisão para os pênaltis, será preciso ter a paciência de um monge, a coragem dos italianos que recomeçaram a vida na serra gaúcha e a resiliência necessária para produzir safra após safra vinhos de qualidade. Porque nesta lógica do futebol dos pampas, somente Caxias, Juventude e Novo Hamburgo conseguiram desestabilizar a supremacia da dupla Gre-Nal nos últimos 68 anos. O feito grená completa 23 anos em junho. Se voltar a repetir a façanha, igualará o Guarany-Ba como bicampeão, com o segundo título conquistado em 1938. Só Inter e Grêmio ganharam mais.
Thiago Carvalho, técnico do time caxiense, ainda não tem o currículo de um Portaluppi. É um profissional promissor de 34 anos e que carrega consigo a ousadia dos jovens. Com ela, desafia a máxima do futebol gaúcho de que os pequenos precisam ganhar na base da valentia, do chute pro mato, da afirmação física, da retranca. Thiago fez o Caxias chegar à final jogando futebol. Bom futebol. Futebol que sai trocando passes da sua pequena área até colocar a bola na rede adversária, seja no Beira-Rio ou no gramado de crateras lunares do Estádio do Vale. Esse toque de bola levou os grenás à erguer uma campanha que tem somente uma derrota e que não perdeu no campo inimigo.
Este cenário de realidades distintas levará 50 mil pessoas à Arena e outros tantos milhares a ligarem a televisão na RBS TV, a colarem o ouvido no radinho sintonizado na Gaúcha porque, no futebol, muitas vezes dá a lógica, mas sempre há espaço para o ilógico. Essa é a graça.