Roger Machado Marques libertou um novo Roger Machado no final da tarde do último sábado (2). Campeão gaúcho como treinador pela primeira vez, o comandante gremista extravasou em campo como nunca. Para grande parte da torcida, o Estadual de 2022 ficou marcado como o quarto penta da história. Porém, para o ex-lateral multicampeão como jogador, foi uma volta no tempo, um fechamento de ciclo para um menino que começou como office boy e vive agora um grande desafio: devolver o Grêmio para a elite do futebol brasileiro.
Sobre o desafio da Série B, o técnico admite que seu time está entre os favoritos. Mas entende que será s Segundona mais difícil de todos os tempos. Nesta entrevista exclusiva, Roger detalha seus planos, fala de jogadores e revela algumas ideias de como pensa montar o time na Série B.
O que estava passando por sua cabeça nos momentos que vieram logo depois ao apito final contra o Ypiranga?
A imagem que me veio na cabeça não foi o primeiro jogo do profissional. Foram as imagens do suplementar como juvenil, um resgaste de imagens dos lanches da tia Beth, de entrar pelos arcos do Olímpico. De voltar para o vestiário do juvenil. Me pareceu uma volta à origem. A sensação que tenho é que abre um ciclo de conquistas, mas também fechou um ciclo. No sentido de ser 30 anos de ligação com o clube, campeão como jogador e treinador. Sentir o gosto de novo de levantar uma taça como treinador. É diferente.
Na sua passagem anterior, o Grêmio teve um belo futebol, mas não teve a conquista. Essa emoção tem a ver com a passagem anterior?
Acho que não. Mesmo pelo fechamento de ciclo. Ser campeão como treinador. Não ter naquela primeira passagem ter conquistado foi frustrante. Mas penso que não teve um peso determinante para o nível de emoção.
Quem te conheces, fala da sua tranquilidade. Até chamou a atenção sua emoção no campo...
Talvez tenha me permitido. Tento sempre lidar com equilíbrio. Me permiti comemorar. Queria muito gravar no meu emocional aquele momento. Queria viver aqueles momentos de euforia e emoção pensando em 20 anos . Vou olhar para trás e resgatar essa emoção novamente. Por isso fiz questão de marcar ela naquele momento.
A pandemia ampliou essa vontade de comemorar cercado pelo torcedor?
Dois anos vivendo com os cuidados da pandemia, as pessoas sofrendo e tendo de se adaptar com realidades diferentes. Mesmo que o futebol tenha parado e retornado depois, ainda não voltamos ao normal. Aquele ambiente de muitas pessoas no estádio ainda é um pouco assustador. Ainda estamos no meio da pandemia, mesmo que as máscaras de modo geral não estejam mais sendo usadas em ambientes abertos. As pessoas precisam viver aquilo novamente, isso também faz parte de uma saúde mental.
Qual a meta do Grêmio para a Série B?
Brigamos pelo título e pelo acesso. Entramos na Série B talvez com a edição mais difícil de todos, com muitos clubes grandes e de tradição. Entramos para ter o acesso e ficaremos muito satisfeitos se o acesso for conquistado com o título também.
O Grêmio é favorito?
Todo time grande que entra em uma competição, precisa se considerar um dos favoritos. Porém sabemos que também existem outros favoritos. Entramos para fazer uma competição do nível que o Grêmio tem com sua grandeza. É um dos favoritos, mas é uma Série B de nível muito alto. Talvez o mais alto desde o início desse formato com pontos corridos.
Após o título, o que significa recolocar o Grêmio na Série A?
Primeiro é o planejamento do clube para esse ano. Como tendo a ligação desde sempre, poder participar deste momento da história do clube. Viver esse acesso novamente. Já voltou e sempre iniciou um ciclo de conquistas. Soube tirar lições e se fortalecer. É a realização de mais um objetivo e de recolocar o Grêmio no seu lugar.
A estreia da Série B é um reencontro com a Ponte Preta. Adversário do teu último jogo. Isso passa pela tua cabeça?
Não me permito. Trabalho muito para que evento assim não contaminem o ambiente ou que me façam pensar que essas coincidências signifiquem alguma coisa. Não sou supersticioso. Minha superstição é não ter superstição. Se por duas vezes faço alguma coisa que deu certo, tento fazer diferente na próxima. Não me atenho a isso. O Seu Verardi era assim. Passei 10 anos assinando a súmula por último por causa disso. Um dia no vestiário ele veio e eu pedi para ser o último. Brinquei que eu era supersticioso e ele disse "superstição eu respeito". Ganhamos o jogo. No próximo ele passou por mim e eu pedi para assinar. Ele me disse que não e respondeu: "Tu nunca mais assinar. Tu pode não ser supersticioso, mas eu sou".
O time de 2022 é diferente da versão 2015 e 2016. O Grêmio agora é um time reativo?
Não deixa de ser. Estamos trabalhando para encolher o campo dentro do jogo. Não significa que vamos marcar baixo sempre. Quero marcar em 25 metros de compactação, mas quero que isso aconteça no meio do campo. Quero tirar campo do adversário onde ele não consiga atuar. Isso não quer dizer que sempre vamos defender perto do nosso gol, sujeito a sofrer cruzamentos ou a dar volume de jogo para o adversário próximo do nosso gol. Dá para fazer isso mais na zona central. Os espaços do campo não acabaram ou diminuíram, só trocaram de lugar. Hoje temos menos espaço em torno da bola. Essa flexibilidade com os 10 anos passados como treinador, a maturidade que me permitiu entender que existem várias formas de fazer futebol.
Trouxe essa questão de fazer um trabalho mais maleável u mudou a forma de pensar como o futebol precisa ser jogador?
Nem os treinadores de seleções conseguem ou deveriam fazer o seu modelo predileto. Por vezes, tem uma geração inteira de muitos jogadores bons, e se você tiver um modelo engessado, pode tirar grandes jogadores do time por não se enquadrar nisso. Tenho predileções por algumas coisas. De fato, quando no Bahia montamos uma estrutura semelhante, em alguns momentos tive que me adaptar. Sentia a necessidade de ter mais a bola. Mas ao longo do tempo percebi que ter a bola sempre não é ter o controle do jogo. Se você controla os espaços e a hora que recuperar a bola, estará em melhores condições de atacar os espaços gerados e a desorganização do adversário. Cada escolha tem suas renúncias. A posse relacionada com quantas vezes tu finalizas é ok. Não a posse pela posse.
Meu trabalho de conclusão quando fiz o curso de educação física foi isso. Analisei o Brasileirão de uma temporada. As variáveis que indicavam a vitória já não passavam pela posse. Eram por outras variáveis. Hoje é chegar a um ambiente e analisar as características dos jogadores. O maior erro que cometemos é buscar encontrar os mesmo jogadores que foram vitoriosos em uma geração. Não funciona buscar um novo Arce, um novo Jardel ou um novo Paulo Nunes. As coisas não funcionam. Você pode fazer um novo ciclo vitorioso com características parecidas, mas buscando outros jogadores. Fazer um ciclo diferente, com outras características, também pode ser feito. Chego ao clube, analiso as características dos jogadores para ver o que se encaixa melhor para ter algumas variáveis que gosto. Ver se essa estrutura pode me entregar. Tem coisas que você pode desenvolver treinando ou tem coisas que a combinação das características dos jogadores te dá um determinado tipo de jogo. É uma alquimia, que gosto muito. Paixão pelo futebol como esporte de alto rendimento e um jogo de estratégia. É uma das satisfações que tenho dentro do jogo.
Hoje o Grêmio tem esse estilo de jogo determinado por conta das peças?
É pelas circunstâncias, pelo momento e pelas características dos jogadores. A partir da estrutura passamos a buscar jogadores com estas características. Aquele modelo estruturado em 2015 teve a ver com a presença de um jogador e a ausência de outro. Era o Maicon, que é um volante que toca duas vezes mais na bola do que um volante muito bom. Tem um controle de meio, controla a bola e uma precisão de passe de mais de 90% e a ausência de um centroavante. Colocamos o Luan, que por ser um cara móvel, se aproximava da bola e gerava superioridade. Aquele processo de posse de bola foi por ter mais jogadores no setor. A linha defensiva ficava sem referencia. A partir daquilo buscamos jogadores para alimentar aquele modelo. É pela circunstância, pelo momento do clube. Isso também é importante. precisava ter solidez, resgatar a confiança dos jogadores e também da torcida. O time precisava ser seguro. Tudo isso impacta nas decisões.
O título do Gauchão serve como exorcismo dos sofrimentos de 2021?
Acho que é um alento. O Estadual ainda é regionalmente importante. Determina quem domina o seu lugar. Vencer deu uma alegria, voltou a dar orgulho ao torcedor. A quinta vez seguida era importante para o torcedor, mesmo machucado pela segunda divisão, permaneceu com a hegemonia do estado. Ainda mais passando pelo Inter.
A forma da conquista foi mais importante do que o título em si?
Acho que foi. Penso que sim pela forma como aconteceu. Circunstancialmente, estamos na segunda divisão. Mas meu lugar não é aqui. Provamos que mantendo a hegemonia como nos últimos quatro anos quando estávamos na elite, que o título é nosso lugar.
Qual é o próximo passo que o time precisa dar para a Série B?
Esse é o estilo de jogo que construímos e encontramos solidez. Não necessitamos variar estrutura ou modelo tático para gerar diferença. Mudamos a característica da posição quando tiro um dos três médios e coloco o Gabriel Silva, que é um meia. Fica mais ofensivo. Contra o São Luiz, no nosso primeiro jogo, joguei com Bitello e Gabriel Silva. Ficamos com leveza e pernas rápidas. Uso uma frase na nossa palestra. Pé na bola e perna rápida, que é colocar o pé na bola o tempo todo. Os treinos nos dão alternativas. Encontrar soluções como o Campaz pelo lado. Tivemos contratações dentro do mesmo grupo. Hoje estamos trazendo mais meninos, fizemos um remanejamento para observar outros jogadores que estejam na base esperando oportunidade. Encontramos a forma e agora é tratar os detalhes.
Qual dos jovens do grupo você queria ter dado uma chance durante o Gauchão e não conseguiu?
As urgências te fazem tomar decisões a toque de caixa. Não consegui usar o Heitor e o Marins. Pedro Geromel e Bruno Alves jogaram sempre. Alguns observei no treino. Criaram uma regra que tiraram um jogador dos relacionados. Talvez quem eu gostaria de ter visto mais dentro de campo, se pudesse falar de um, seria o Frizzo. Um segundo homem canhoto, que tem finalização de média distância. Os outros, infelizmente, não conseguimos. Mas tivemos boas avaliações.
Você considerou utilizar o Jean Pyerre antes do acerto com o Avaí?
Cheguei em um momento de muitas demandas, era necessário prestar mais atenção no campo. A decisão foi em conjunto, mas oferecida pela direção, de oportunizar o seguimento da carreira e trilhar os espaços dele fora do clube. O Jean, ainda na época do Fluminense, falamos bastante dele. Na minha primeira passagem, quando formamos a transição, muito foi em função dos jovens promissores que estavam muito acima da sua categoria. O Jean era um desses, um dos primeiros que pensamos nesse momento. Na época ele tinha 16 anos e queríamos que eles amadurecessem tecnicamente, fisicamente e emocionalmente. Lá atrás a gente já prestava atenção no Jean. Jogador muito talentoso e que ainda, infelizmente, não conseguiu reproduzir ainda tudo que poderia.
Qual a ideia de utilização do Elkeson?
Será centroavante. já jogou bastante pelo lado, mas agora é um 9.
Poderá jogar Elkeson e Diego Souza?
Tudo é possível. Teve um jogo que colocamos dois centroavantes. Depende do jogo. Não sei se para o início da partida. Com dois centroavantes teria que ter muitos cruzamentos. Depende do adversário, que pode jogar mais fechado e a gente optar por mais bolas na área.
Estudou como precisa jogar a Série B?
Encarei a Série C pelo Juventude...
Mas é uma competição com particularidades diferentes da Série A ...
Muitos jogos são decididos pela bola parada. Precisa ter um time forte fisicamente, jogos de muito enfrentamento. Os gramados, embora uns 70% ou 80% sejam bons, ainda vamos encontrar piso que não permitam ter controle técnico da partida. Jogos de velocidade. A Série B, C e D abrigam muitos treinadores que estão iniciado e com ideias diferentes. Vamos perceber isso também. As logísticas são diferentes. Organiza para uma perna de viagem a mais. Os times dificilmente são das capitais. É um voo para a capital e mais um trecho de ônibus. Isso aumenta as distâncias e impacta na recuperação dos jogadores e logística. Talvez precise viajar dois dias antes, então precisa de um local para treinar.
Vejo muito a Série B quando estou trabalhando ou não. São jogadores em busca de afirmação, muitos jovens promissores emprestados para ganhar rodagens. Encontra jogadores que estão sobrando nesse nível e isso impacta. Para mim, é a Série B mais disputada da sua formação atual.
O que significa o Grêmio na tua vida? Como define essa relação?
Minha relação é de 30 anos com o Grêmio. Denis Abrahão, que hoje é diretor, foi meu diretor nos tempos de jogador. Serginho Vazques foi meu diretor na minha época de juvenil. Quando ainda o Grêmio só me dava uma ajuda de custos, e minha irmã me arranjou uma vaga de office boy, foi o Serginho que me conseguiu que o clube me desse vale-transporte para não desistir da carreira. A relação das cores, a relação com os ambientes e as pessoas. Estava falando do Seu Verardi agora há pouco. O que faz o clube ser grande são as pessoas, a torcida e os funcionários. Abrir a janela no meu retorno e encontrar o mesmo segurança, que conhece minha história. Tem vezes que a gente acha que quando chega um jogador novo precisa levar no museu para ver os principais troféus para entender aonde está chegando. Ele vai conhecer o clube pelas pessoas. Foi o Pedrão que me viu crescer, e quando chegar um lateral-esquerdo, ele vai dizer que esse cara aí fazia de tal jeito. Que era o último a sair do campo, que vinha concentrar sozinho. É nesse lugar que as pessoas são contaminadas pelo clube e pela sua história. O clube não forma só jogadores, forma funcionários identificados com sua história.
O Benítez é um jogador que ainda terá oportunidades no Grêmio?
Ele e o Gabriel são jogadores que podem mudar essa posição. O Benítez é um meia por característica, que tem um bom trato com a bola. Mas nessa estrutura que montamos inicialmente, abrimos mão desse figura. Em alguns momentos vou precisar. Quando conversei com ele, também se adapta na posição do Bitello. Mas ela demanda capacidades físicas diferentes e isso está sendo construído no dia a dia para essa adaptação. Não tenho dúvidas de que o Benítez nos ajudará, construirá oportunidades e irá nos ajudar na Série B.