A rotina de jogadores, torcedores e até mesmo dos profissionais da imprensa em momentos que antecedem um jogo importante é diferente. Os dias antes da final da Libertadores de 1983, entre Grêmio e Peñarol, não foram normais. Afinal, era a primeira decisão continental do clube gaúcho, e logo contra os uruguaios, àquela altura tetracampeões da América. Uma delas no ano anterior, quando venceram até mesmo o Mundial de Clubes contra o Aston Villa, da Inglaterra, em Tóquio.
Apesar da boa campanha no torneio e dos títulos em âmbito nacional, o Grêmio de 1983 ainda não era o clube que é hoje. Não tinha a mesma tradição, tampouco a fama de copeiro que ostenta atualmente. Até mesmo por isso, precisou contar com dois fatores fundamentais para vencer o Peñarol em 1983: o apoio da torcida e a fé dos jogadores.
Na partida de ida, em Montevidéu, o Grêmio saiu na frente, com gol de Tita, e sofreu o empate ainda no primeiro tempo. Segurou os donos da casa e voltou a Porto Alegre precisando fazer a sua parte: vencer o Peñarol. Se o primeiro duelo da final havia sido em uma sexta-feira, 22 de julho, a volta foi na quinta-feira seguinte, dia 28. Ao longo daquela semana, não havia outro assunto no Rio Grande do Sul senão a partida histórica que seria realizada no Estádio Olímpico.
— A semana toda, só se falava na grande decisão. Era algo inédito para o Grêmio chegar à final da Libertadores. Como a decisão era em Porto Alegre, a cidade ficou uma loucura. Era vendedor comercializando fita, bandeira, camisa, tudo o que tu imaginar do Grêmio — lembra Newton Azambuja, 72 anos, repórter da Rádio Gaúcha em 1983.
Os treinos naquela época não eram fechados como hoje. Na semana da decisão, até mesmo os torcedores puderam comparecer ao Estádio Olímpico para apoiar os atletas.
— O treino do Grêmio no dia anterior ao jogo, me lembro bem. A social estava cheia de gente cantando, com bandeiras, incentivando os jogadores. Foi muito marcante — conta Azambuja, que lembra de ter conversado com alguns atletas depois da conquista:
— Naquela época, não tinha essa frescura de entrevista coletiva. A gente falava com o jogador que quisesse no treino. Era outro tipo de relação com a imprensa e com os torcedores também. Falando com eles, disseram que todo aquele apoio fez diferença no título.
Se a torcida foi importante, a fé também teve papel decisivo. Os atletas gremistas ficaram a maior parte daquela semana que antecedeu a final concentrados no Estádio Olímpico. Aliás, essa é uma diferença para a rotina atual. Naquela época, as concentrações ocorriam no estádio, e não em um hotel. Assim, era mais fácil para os repórteres observarem a rotina dos jogadores.
— Eu passei aqueles dias no Olímpico. Lembro que muitos jogadores saíam para ir até a capela para rezar. Eles tinham de passar pela sala de imprensa para ir até lá, então dava para ver quem ia. O Baidek era muito religioso, o Casemiro também. Alguns outros iam lá. A gente sabia a rotina dos jogadores — diz João Bosco Vaz, 64 anos, à época repórter da TV Gaúcha (hoje RBS TV).
Ele lembra, inclusive, de entrevistar o meia Tita, autor do gol do Grêmio na primeira partida da decisão contra o Peñarol, no empate em 1 a 1 em Montevidéu, em um templo mórmon. O ex-jogador frequentava o local, e o jornalista combinou de acompanhá-lo.
— O Tita era religioso. Frequentava um tempo mórmon na Avenida Princesa Isabel, em Porto Alegre. Lembro que teve um culto e eu fiz uma entrevista com ele lá. Ele era bem ativo, até falou no púlpito — recorda o jornalista.
Se aquele grupo apelou para a fé para vencer o Peñarol, contou muito também com a liderança de Valdir Espinosa. O treinador, que morreu em fevereiro desde ano, conseguia unir religiosos e bagunceiros, transformando atletas de diferentes estilos em um time vencedor.
— O Espinosa sabia fazer isso muito bem. Ele morava há duas quadras do Olímpico, e muitas vezes encostava o carro ali perto e chamava os jogadores para um churrasco na casa dele. Não proibia a cerveja, evitava a exposição de alguns jogadores mais baladeiros, e ainda falava de futebol, de tática — afirma João Bosco Vaz.
Assim, entre treinos lotados de torcedores e orações, o Grêmio derrotou um Peñarol que acabara de ser campeão do mundo por 2 a 1 dentro de casa e entrou para o rol dos vencedores da Libertadores. Entre os brasileiros, foi o quarto a celebrar o título, depois de Santos, Cruzeiro e Flamengo.