
Não deixa de ser irônico. Quarta-feira (23), valendo vaga na final da Libertadores, o Grêmio terá de enfrentar o time milionário do Flamengo diante de 60 mil fanáticos. Mas Renato Portaluppi estará em casa. Sim, o Rio de Janeiro, o Maracanã e o futebol carioca fazem parte de seu passado e de seu presente. Para mostrar as relações pessoais do treinador do Grêmio com a Cidade Maravilhosa, a reportagem mergulhou na história do ídolo tricolor e descobriu personagens marcantes do início de sua carreira como técnico, no Madureira, em 2001. Além disso, mostra hábitos que o ídolo gremista tem quando curte folgas ou férias na capital fluminense.
O início no Madureira
Ser treinador é um sonho antigo na vida de Renato Portaluppi. No entanto, após o atacante pendurar as chuteiras no Bangu, em 1999, foi difícil encontrar um clube disposto a lhe dar a primeira oportunidade. Amigos do ex-atacante relatam que o ídolo gremista tinha restrições a assumir uma equipe pequena. Com o nome que já tinha no futebol, acreditava já poder iniciar a carreira em um grande time. Mas, acima de tudo, não queria trabalhar fora do Rio de Janeiro. Abrir mão do futevôlei e do chopp na orla de Ipanema era algo que Renato não estava disposto a aceitar. Essas "exigências" diminuíam o leque de opções para que o ídolo gremista pudesse ter a sua primeira experiência como técnico.
— Depois que parou de jogar, o Renato ficava jogando futevôlei direto na praia. Mas ele sempre teve vontade de continuar no futebol. Só que queria ser treinador de time grande. Eu conhecia muita gente no futebol e comecei a dizer para as pessoas que o Renato queria ser treinador. O Guarani de Campinas foi o primeiro clube que se interessou. Então, perguntei para o Renato: "Vamos para campinas?" E ele disse: "Campinas? Não, Campinas não". Aí percebi que ele não queria abrir mão de jogar futevôlei e tomar o chopp dele. Ele queria ser treinador, mas no Rio — revela o dirigente Bris Belga, que se tornou amigo de Renato quando trabalhou como supervisor do Fluminense, em 1996, e do Bangu, em 1999.

Mas a oportunidade de Renato finalmente surgiu em 2001, quando Belga foi contratado para ser o supervisor do Madureira, clube tradicional da Zona Norte do Rio. O desafio era convencer o ex-atacante, acostumado a atuar em vários dos maiores clubes brasileiros, a assumir o comando de uma equipe menor.
— Eu falei para ele assumir o Madureira e ele me falou assim: "Madureira, Bris? Eu não sei nem chegar até lá". Eu disse que buscaria ele e o levaria até lá. Conversei com o presidente Elias e ele aceitou a ideia na hora — completa Bris.
Curiosamente, o primeiro presidente que contratou Renato Portaluppi como técnico segue no cargo até hoje. Mandatário do Madureira desde 1992, o presidente Elias Duba recebeu a reportagem de GaúchaZH no Estádio Aniceto Moscoso, no bairro que leva o nome do clube. O dirigente admite que, ao contratar Renato, não estava muito preocupado com a questão tática ou com o modelo de jogo que a equipe iria adotar no Campeonato Carioca.
— Eu queria mídia. Eu queria alguém que viesse para dar mídia ao nosso time. Queria primeiro um jogador. Cogitamos inclusive contratar o Maradona, que daria a mídia que a gente queria. Mas não encontramos um jogador que fosse repercutir no time do Madureira. E aí veio a ideia do Renato. Ele atraiu a imprensa aqui e onde íamos jogar. E atraiu público também. Fiquei muito feliz com a presença do Renato aqui. Nos tornamos grandes amigos. Torço muito hoje pelo Grêmio. Embora carioca, vou torcer pelo Grêmio contra o Flamengo — declara Duba.
Não era pelo salário
A negociação para contratar Renato durou menos de cinco minutos. O treinador sequer fez contraproposta. Aceitou na hora o salário de R$ 8 mil oferecido pelo Madureira, um valor bem abaixo do que ele estava acostumado a ganhar no futebol.
— Esse era um receio que a gente tinha.
Como eu ia fazer uma proposta ao Renato, que estava acostumado a ganhar milhões? Mas em momento algum ele questionou a proposta que eu fiz. Foi uma das negociações mais fáceis da minha vida como dirigente. Ele não fez exigências e veio feliz da vida _ conta Duba.
De fato, não era o salário que seduzia Renato a treinar o Madureira e sim o sonho de prosperar na carreira de treinador, algo que viria a ocorrer anos depois.

— Uma vez, lá pelo dia 15, o Renato deixou cair no carro um cheque. Eu fui ver e era ainda o cheque do pagamento do clube. Falei para ele: Pô, Renato! Eu já estou preocupado com o salário do mês que vem e você ainda nem pegou o deste mês?!" — relembra Belga.
Aliás, andar com cheques e cartões de crédito era um hábito de Renato. Dificilmente circulava com dinheiro vivo na carteira. Certa vez, esse hábito quase lhe causou um transtorno. Sem conhecer o trajeto de Ipanema, onde mora até hoje, até Madureira, Renato seguia o supervisor Bris Belga para encontrar o caminho até o estádio. O treinador não sabia, porém, que ao percorrer a Linha Amarela em direção à zona norte, era necessário pagar um pedágio. Sem carregar dinheiro em espécie, ficou retido na cancela. Foi salvo pela sua característica habilidade de conquistar o público feminino.
— Ele estava me seguindo, mas entrou na minha frente no pedágio. Ele não andava com dinheiro no bolso. Só andava com talão de cheque. Aí ele abriu um vidro e me fez um sinal com o dedo dizendo que estava sem dinheiro para pagar. Aproveitei para zoar. Saí do carro e fui falar com a menina do pedágio. Falei para ela: "você vê como é a vida. O Renato, o cara mais bonito do Brasil, um artista, não tem dinheiro para pagar o pedágio. Para você ver o lixo que é esse homem". Só que aí a mulher olhou para o Renato e falou: "Você é lindo mesmo. Eu vou pagar o pedágio para você. Só ficar olhando para você já vale. Meu nome é Ana. Lembre que foi a Ana que pagou o seu pedágio". Ele olhou para mim e disse: "Tá vendo?" — relembra Belga.
Como treinador no Rio
Além da experiência no Madureira, Renato treinou no Rio de Janeiro quatro vezes o Fluminense e duas vezes o Vasco. O seu melhor momento como treinador em terras cariocas foi no Tricolor das Laranjeiras, entre 2007 e 2008. No primeiro ano, conquistou a Copa do Brasil, vencendo o Figueirense na final por 1 a 0, em Florianópolis, com gol do ídolo gremista e hoje técnico do Bahia, Roger. No ano seguinte, contando com nomes como Conca, Thiago Neves e Washington, o técnico conduziu a equipe à final da Libertadores, eliminando o Boca Juniors na semifinal. Na decisão, contudo, foi derrotado pela LDU, do Equador. Durante a boa campanha na competição, questionado sobre o mau momento do time carioca no Brasileirão, o treinador deu uma declaração que gerou grande polêmica:
— Nós estamos a cinco metros da próxima Libertadores e os outros times estão a 5 mil quilômetros. Se ganharmos esta Libertadores, nós vamos brincar no Brasileiro — disparou.
Na decisão contra os equatorianos, o Fluminense saiu perdendo por 4 a 2, em Quito. No entanto, conseguiu fazer 3 a 1 na partida de volta no Maracanã, com três gols de Thiago Neves, levando a decisão para os pênaltis. Nas penalidades, no entanto, o adversário levou a melhor, em uma grande noite do goleiro equatoriano Cevallos.
No Vasco, melhor momento de Renato foi o vice-campeonato da Copa do Brasil de 2006, com uma equipe que tinha o meia Ramón e o atacante Edílson.
No ano seguinte, no entanto, o treinador envolveu-se em um atrito com o atacante Romário, que havia sido contratado para aquela temporada. Após Renato mencionar que a expectativa pelo milésimo gol poderia estar atrapalhando o desempenho do jogador, o Baixinho não gostou.
— Sou a favor do seguinte: quem não estiver satisfeito tem que pedir ao presidente para ir embora. Tanto o treinador quanto os jogadores — disparou Romário.
Após esta polêmica e a eliminação no Campeonato Carioca, Renato deixou o cargo.
Em 2008, no entanto, o treinador foi chamado novamente ao final da temporada para evitar o que seria o primeiro rebaixamento do Vasco na história. Mesmo com Edmundo no elenco, o técnico teve pouco tempo de trabalho e não conseguiu evitar a queda.
Após duas passagens boas pelo Grêmio em 2010 e em 2013, Renato chegou a comandar o Fluminense novamente em 2014. Depois, já afirmado no Tricolor gaúcho após os títulos da Copa do Brasil 2016 e da Copa Libertadores 2017, o treinador recebeu uma proposta tentadora do Flamengo para comandar a equipe em 2019. No entanto, preferiu permanecer no Grêmio para buscar o tetracampeonato da América.
CURRÍCULO DE RENATO COMO TREINADOR NO RIO:
2000/2001 — Madureira
2002/2003 — Fluminense
2005/2007 — Vasco
2007/2008 — Fluminense, 1 título (Copa do Brasil)
2008 — Vasco
2009 — Fluminense
2014 — Fluminense