O Grêmio transferiu do gramado da Arena para a atapetada sala do tribunal disciplinar da Conmebol, no Paraguai, o sonho de seguir na Libertadores. Inconformado com o descumprimento por parte de Marcelo Gallardo, técnico do River Plate, da decisão que o havia impedido de trabalhar no jogo de terça-feira, o clube gaúcho moveu-se fora de campo na expectativa de reverter a derrota de 2 a 1 que, salvo uma decisão favorável a seus interesses no tapetão, o alija da competição.
Imagens do canal SporTV mostraram Gallardo instalado em um camarote da Arena, de onde, utilizando um rádio-comunicador, parecia passar instruções a seu auxiliar Hernán Buján, que comandava a equipe à beira do gramado. Mais grave ainda foi o fato de o treinador argentino ter entrado no vestiário durante o intervalo e, inclusive, trocar Nacho Fernández, jogador de contenção, pelo armador Pity Martínez. Pela tese do Grêmio, Gallardo, mesmo sem ser um jogador, teve interferência direta no jogo. Infringiu o regulamento da competição, o que abre margem para reversão do resultado e ganho de pontos por parte do perdedor.
O caso, conforme Alejandro Domínguez, presidente da Conmebol, será analisado pelo tribunal disciplinar da entidade, a quem caberá uma tomada de decisão. Em sua conta no Twitter, Domínguez publicou que o Grêmio, como qualquer outro clube, seria bem recebido pela presidência. Advertia, contudo, que se absteria de qualquer posicionamento, transferindo-o para a unidade disciplinar.
Como o jogo de ida das finais está marcado para 7 de novembro, quarta-feira da próxima semana, o Grêmio quer uma definição rápida, no mais tardar sexta-feira (2). Não foi o que ocorreu por ocasião do caso Dedé, zagueiro do Cruzeiro expulso no jogo de ida contra o Boca Juniors, dia 19 de setembro, pelas quartas de final. Inconformado com o cartão vermelho, o clube recorreu a Conmebol, que só se pronunciou uma semana mais tarde. Naquela ocasião, só houve a possibilidade de Dedé ser escalado para o jogo de volta porque este só ocorreria em 4 de outubro.
Dois precedentes animam o Grêmio. O primeiro, a escalação de forma irregular, pela Chapecoense, do zagueiro Luiz Otávio em partida contra o Lanús, pela fase de grupos da Libertadores 2017. Mesmo que em campo o time catarinense tenha vencido por 2 a 1, prevaleceu a decisão da Conmebol, que baseou-se na irregularidade e, por unanimidade, sacramentou 3 a 0 em favor dos argentinos. Este ano, nas oitavas, o Santos desconsiderou uma suspensão de 2015, escalou o volante Carlos Sánchez contra o Independiente e, no tribunal, também perdeu por 3 a 0.
— Os dois fatos, comprovados, tiveram a punição de perda do jogo por 3 a 0 — destaca Bolzan, que acrescenta: — Há uma irregularidade explícita. Isso não é ganhar no tapetão. O jogo foi 2 a 2. Estamos legitimamente buscando justiça. Assinamos um documento na Conmebol prezando pelo respeito às regras do jogo. Tudo isso nos leva muita esperança.
Encerrada a partida de terça, Bolzan teve poucas horas de sono. Só deixou o estádio às 2h, rumo a Osório, depois de consultar o empresário Celso Rigo sobre a possibilidade de este liberar seu avião para a viagem emergencial ao Paraguai.
Às 9h desta quarta (31), o dirigente já estava em sua sala, na Arena, onde pouco depois se reuniria com o Conselho de Administração. A esta altura, a direção já tinha a convicção da semelhança com os casos Chapecoense e Santos. Ciente, também, de que o caso exigia do Grêmio articulação politica, Bolzan, por fim, embarcou no início da tarde para a paraguaia Luque, onde se localiza a sede da Conmebol, para um encontro com Domínguez. Viajaram juntos o executivo André Zanotta, o diretor jurídico Nestor Hein, o CEO Carlos Amodeo e o advogado Leonardo Lamachia.
O advogado carioca Marcos Motta, que tem Neymar e Paolo Guerrero entre seus clientes, não vê clareza no artigo 56 do regulamento disciplinar da Conmebol, que trata dos motivos para reclamar contra o resultado de uma partida. Sugere que o Grêmio se atenha ao item C, que aborda "qualquer outro incidente grave, estabelecido pelo presente Regulamento, que tenha tido influência no resultado da partida".
— Esta seria a base legal, é o argumento que pode ser explorado no caso concreto — diz.
A falta de tempo, teme Motta, poderá vedar aos defensores do Grêmio a possibilidade de uma sustentação oral junto ao tribunal disciplinar.
— O ideal é que as partes sejam ouvidas em uma audiência, mas há muito pouco tempo.
Um alerta quanto a uma possível reversão do resultado de campo foi feito pelo jornal argentino Olé, citando um caso ocorrido no Uruguai. A publicação lembra que, em 2017, ao treinar o Sud America, o técnico argentino Damián Timpani descumpriu uma suspensão e, na rodada seguinte, contra o Danubio, cumpriu roteiro igual ao de Gallardo. Passou orientações a seu auxiliar e foi ao vestiário no intervalo. O julgamento do caso, feito pelo Tribunal de Penas da Associação Uruguaia de Futebol (AUF), determinou placar de 3 a 0 a favor do Danubio.
O River já foi comunicado pela Conmebol da abertura de um expediente contra Gallardo, o qual precisará apresentar sua versão até sexta-feira. Depois da partida na Arena, ele admitiu a infração.
— Não cumpri uma regra e assumo. Senti a necessidade de falar com os meus jogadores. Não me arrependo — afirmou.
Será preciso aguardar se esta confissão de culpa poderá ou não representar uma pena ao clube, e não apenas ao treinador. É o que decidirão o paraguaio Eduardo Gross Brown, o venezuelano Amarilis Belisario e o chileno Cristóbal Valdez, os membros do tribunal disciplinar escalados para analisar o caso. Por serem de países envolvidos na questão, o brasileiro Antônio Carlos Meccia e o argentino Diego Carlos Hernán Pirota não poderão participar do julgamento.