Responsável por comandar o time de garotos do Grêmio que iniciará o Gauchão, o paranaense César Bueno, 40 anos, está diante de seu principal desafio na carreira. Natural de Cascavel, o técnico da transição acumulará em 2018 a função de auxiliar na comissão de Renato Portaluppi. Para facilitar o processo de integração do profissional com a base, Bueno tem a experiência de já ter trabalhado no Paraná, como discipulo de Caio Júnior e Otacílio Gonçalves, e no Coritiba, ao lado do ídolo gremista Tcheco. Em 2017, já comandou a gurizada em dois jogos do Brasileirão, contra Santos e Atlético-MG, em que o time teve boa atuação. Agora, Bueno sabe que a cobrança será maior. Na estreia do Gauchão, em 17 de janeiro, contra o São Luiz, em Ijuí, o técnico pretende reproduzir os conceitos que fizeram o Grêmio ser apontado como o time que jogou o futebol mais bonito no ano passado.
– O Renato provou para todo mundo que é possível, além de jogar bonito, ter resultados – destaca o treinador.
Nesta entrevista a ZH, Bueno fala sobre sua origem no futebol paranaense, o novo papel que terá no Grêmio, a chance de que um novo Arthur possa ser revelado em 2018 e sua chance de ouro no comando do time no início do Gauchão.
Como você começou a trabalhar no futebol?
Meu início foi na faculdade de educação física. Eu fazia scouts no Paraná em 2002. A gente ia para o campo, 10 acadêmicos e eu era o coordenador. Cada um pegava um fundamento e ficava anotando na mão. Eu recolhia os dados e colocava no computador, item por item, e depois entregava ao Caio Júnior, que era auxiliar do Otacílio Gonçalves. Depois fiquei cinco anos no Trieste, um clube formador, antes de chegar ao Coritiba em 2009. Fiquei lá até o início deste ano, trabalhei com o Tcheco na base e também fui auxiliar do Pachequinho no profissional.
Você sempre trabalhou com análise tática?
Sempre usei estatísticas. O Caio Júnior foi incentivador, eu condensava os dados e ele traduzia para o Otacílio. Foi um início de análise de desempenho, é algo que gosto muito e hoje está muito mais desenvolvida. É uma ferramenta fundamental.
O Caio Júnior foi sua maior referência no futebol?
Eu era muito próximo dele, da família. O Caio era de Cascavel e eu também nasci lá. Mas a gente só foi se conhecer em Curitiba, quando ele já estava no Paraná. Fiquei muito próximo dele, da família. Depois o Caio trabalhou no Trieste, foi coordenador e meu auxiliar no sub-17. Uma coisa maluca. Até hoje sou amigo do Matheus e o Gabriel, filhos dele, e da Adriana, a esposa. Foi bem impactante na época do acidente, me comunico bastante com eles.
E o Tcheco, como foi seu trabalho com ele no Coritiba?
O Tcheco é da minha idade. Joguei futsal no Paraná, mas não cheguei a atuar com ele. O Tcheco estava no time a e eu ainda jogava na escolinha. O time dele e do Ricardinho (ex-meia, pentacampeão do mundo pela Seleção) era uma máquina, passou dois anos sem perder jogos no Estado. Eu frequentava o mesmo ambiente, mas não jogamos juntos. Depois, nos reencontramos no Coritiba. Ele foi auxiliar do profissional e treinador do sub-23. Trabalhamos juntos nas categorias de base.
O Grêmio já formou Roger Machado e James Freitas para o cenário nacional. Você pode ser o próximo?
Não tenho pressa para isso. Não estou objetivando isso para agora. Fiquei cinco anos no Trieste e sete anos no Coritiba. Aqui no Grêmio eu espero ficar muito tempo, não tenho pressa. Sou apaixonado pelo jogo, não pelo glanour em volta do futebol. Vai acontecer naturalmente, dependendo da minha competência. Pode acontecer no Grêmio, está se encaminhando para isso. Não só eu, nossa comissão do profissional. Exceto o Alexandre e o Renato, todos trabalharam na base. O Grêmio está criando identidade forte aqui.
Como será seu papel como auxiliar no grupo profissional?
O clube está em um processo forte de formação. Existia esta lacuna de auxiliar, algo que era necessário. A ideia é aproximar a transição ainda mais do profissional. Algumas vezes, os treinos serão no mesmo horário. Praticamente, vai ser o mesmo grupo. Entendendo o que o Renato quer, vai ser mais fácil trabalhar estes meninos da transição da forma que ele deseja. Essa é a minha intenção. Tivemos cases de sucesso, Pedro Rocha, Arthur e Luan. Começamos a Libertadores com vários jogadores da base e queremos fortalecer isso ainda mais.
O time da transição sacrifica outras equipes da base, como a que jogará a Copa São Paulo?
A gente acaba sofrendo um pouco. O time que vai jogar a Copa São Paulo é mais novo do que a idade da competição, que é sub-20. O Dionathã, o Patrick e o Jean Pyerre podiam estar jogando este campeonato. Na Copa São Paulo vamos ter um time praticamente sub-18, muito novo. Teve jogo do sub-20 que entrei com garoto sub-16. Claro que fomenta para garimpar mais jogadores. O Jean Pyerre, por exemplo, está indo para o segundo ano do profissional. Mas há jogadores que demoram mais tempo. O próprio Arthur demorou. O importante é não frear aqueles que se desenvolvem mais cedo.
Qual é a maior dificuldade de um jogador na transição da base ao profissional?
É a adaptação emocional. Não é técnica. Hoje, tecnicamente eles estão preparados. Mas esta adaptação emocional para a pressão que vão viver é complicada. Vão estar jogando ao lado de atletas que até pouco tempo só viam na TV. Convivendo com o Renato cobrando e conversando. Em algumas vezes é difícil para eles absorverem e terem a personalidade de fazer o que fazem aqui na base com o estádio cheio. O fator emocional é a maior dificuldade, a adaptação ao novo contexto.
Como amenizar este impacto na parte emocional dos garotos?
Eu estando lá, como referência, ajuda. Os outros atletas que eram da base e subiram, também. A transição funciona para diminuir esse impacto, para o menino não sair aqui de Eldorado e cair no Luiz Carvalho com o Renato cobrando ele. Antes vai para a transição, faz adaptação para ver o Renato, mas ainda não receber treino dele. Ver os jogadores e ainda não treinar com eles.
Um novo Arthur pode surgir durante este Gauchão?
A maioria dos jogadores já estiveram no profissional. Mas podem surgir atletas que agora, ao final do Gauchão, fiquem no profissional. Deve acontecer com vários casos de garotos que têm potencial para serem titulares do Grêmio. Mas se vão chegar ao nível do Arthur? Hoje talvez ele seja o jogador mais valorizado do Brasil. Um caso de exceção. Mas atletas que farão o Gauchão e que terminem o ano no profissional, acho bem possível.
E o caso do Lincoln, ele subiu cedo demais ao profissional?
Ele não conseguiu reproduzir no profissional o que fazia na base. Enfrentei ele quando estava treinando o sub-15 do Coritiba e pude ver que o Lincoln é um extraclasse. Por isso foi ao profissional tão cedo. Eu não estava no clube, então não posso avaliar. Mas minha impressão é de que ele precisava desta transição que estamos fazendo agora. A adaptação ao contexto. Se você faz este caminho acelerado, o garoto perde confiança. E para retomá-la é mais complicado. É melhor às vezes ir mais devagar, como foi o caso do Arthur, para quando chegar ao profissional já seja algo mais sólido.
O que representa para você esta oportunidade no Gauchão?
É uma chance para que o torcedor do Grêmio ganhe confiança de que tem mais uma pessoa ajudando aqui dentro do clube. Para minha carreira e para o pessoal, é fundamental. Tive dois jogos contra Santos e Atlético-MG em que pude comandar. E agora estes jogos no Estadual vão consolidar o trabalho que estamos fazendo.
Como vocês reproduzem os conceitos do profissional no time de transição?
A gente tenta seguir o que o profissional está fazendo. Foi o estilo de jogo que encantou o Brasil. Hoje, o futebol é um jogo muito reativo. Se a gente não mudar isso, vai se tornar um produto invendável. O Renato provou para todo mundo que é possível, além de jogar bonito, ter resultados. E a gente aqui na base acredita nisso. E precisamos de jogadores técnicos para reproduzir este estilo. Tentamos incentivar o jogador com qualidade técnica, tirar este estereótipo de força e tamanho. Pode ter também, mas primordialmente, tem de ter técnica. Nos jogos que fizemos no Brasileirão, tentamos reproduzir esta cara do Grêmio que a torcida gosta e deu resultado.
Como será a programação de trabalho nas primeiras semanas do ano?
A gente sabe que vai receber alguns jogadores. Mas ainda não há certeza dos nomes, isso depende das negociações que estão acontecendo. Alguns são certos, como Dionathã, Patrick e Jean Pyerre. Os outros ainda não sei. Eles se apresentam no dia 5 de janeiro e começam a pré-temporada. Não numeramos a quantidade de jogos que a transição vai fazer, vai depender da chegada do grupo profissional e o tempo que vão demorar para estar prontos. E resultados, vai depender disso também.
Com quantos jogadores o Grêmio iniciará o Gauchão?
Não existe um número fixo, mas será cerca de 22 jogadores. Não podemos esquecer que o profissional do Grêmio tem um grupo reduzido. Não é grande. Então, este número não será problema.
E qual é o tamanho da responsabilidade em classificar o time?
É uma preocupação que a gente tem, faz parte do amadurecimento dos garotos. Eles têm que, agora, não fazer só a parte técnica do jogo. Precisamos de resultado, é campeonato profissional. Então, terá televisão, torcida e a pressão pelos resultados. Eles já estão com bom tempo de base, os garotos estão prontos para o desafio.
Você já tem modelo de jogo e esquema tático definidos?
Pode variar. Vai depender das características dos jogadores que vou ter. O Renato trabalha no 4-2-3-1 e no 4-4-2, mas é o modelo do jogo que é o grande link. Com posse, pressão alta, tentando jogar o tempo todo e evitando chutão. Ter um jogo muito técnico, de velocidade, troca de passes, é isso que vamos tentar reproduzir. Claro, sempre dependendo dos jogadores e também do adversário.
Quando o Renato assumir será com o profissional ou ele treinará a transição no Gauchão?
Ele entrará com o profissional. Pode ser que precise de alguns jogadores da transição. Quem escolhe o momento de entrar é o Renato. Ele é o nosso comandante e eu somente auxilio no planejamento dele.
Quais são os técnicos que você mais admira no futebol?
Hoje, não tem como negar que o Tite é o nosso melhor treinador. Uma referência para todos nós. Pelos clubes que passou e também agora na Seleção. Também gosto do estilo do Guardiola, um cara que conseguiu reproduzir no Barcelona, no Bayern de Munique e agora no Manchester City a mesma forma de jogar, com muito sucesso. Hoje está batendo recordes no campeonato mais competitivo do mundo, não tem como não admirar.