Na tarde do último domingo, Alisson parou em frente aos pais, a mão repousada sobre uma das cadeiras da mesa de jantar da casa da família, na pequena Rio Pomba, em Minas Gerais, e anunciou que iria para longe. O Grêmio seria seu destino.
— Coração de mãe é que nem manteiga. Derrete fácil — brinca a mãe, dona Marli.
Quando recebeu a notícia de que seu pequeno estava de muda para a ponta sul do país, não economizou lágrimas nem carinho. Abraçou-o forte, talvez com a memória de outro momento em que ele foi para longe.
Aos 11 anos, o pequeno Alisson deixou a tranquilidade de Rio Pomba para tentar a sorte no Rio de Janeiro. Passara em um teste no Fluminense, mas não contava com um adversário difícil: a saudade.
Em cada visita a Rio Pomba, em finais de semana ou feriados, valia-se do ombro do irmão Élisson, sete anos mais velho. Contava sobre suas angústias.
— Eu dizia que era o sonho dele, que ele tinha de seguir — recorda-se Élisson.
Naquela época ele já era o cara do time. Eu dava liberdade pra ele decidir.
GILSON DE PAIVA, O PIPOCA
Primeiro técnico de Alisson
O pequeno, porém, não aguentou a dor da distância. Retornou à cidade de pouco mais de 17 mil habitantes. Mal sabia que, anos depois, se transformaria em seu mais ilustre filho. Havia, porém, algum caminho a se trilhar, mesmo que o talento já estivesse evidente aos oito anos.
Foi com essa idade que o novo reforço gremista encontrou Gilson de Paiva, mais conhecido como Pipoca. Técnico do América, clube amador de Rio Pomba, logo viu que tinha uma diamante nas mãos.
— Naquela época ele já era o cara do time. Eu dava liberdade pra ele decidir. Lembro bem de um jogo contra o CRB-AL que nós ganhamos de 2 a 0, dois gols dele. Sempre foi muito talentoso — conta Pipoca.
Depois da experiência malsucedida no Flu, a segunda chance de Alisson deu certo. Em 2006, aos 13 anos, desembarcou na Toca da Raposa para defender o Cruzeiro. Um menino dois anos mais maduro, um destino mais perto de casa. Tudo era mais simples do que nos tempos de Rio, para alívio de dona Marli e companhia.
Com a camisa azul, a velocidade e drible fácil foram lapidados. Passou boa parte de suas temporadas na base atuando como meia de ligação e servindo os companheiros de ataque. Klauss Câmara, dirigente cuja trajetória se confunde com a de Alisson em vários momentos, guarda uma memória não tão feliz da qualidade do jovem:
— Eu trabalhei com ele na base do Cruzeiro, mas depois fui para o Fluminense. Lembro que enfrentamos o Cruzeiro em uma Taça BH e ele acabou com o jogo. Empatamos em 3 a 3 e ele fez dois gols.
Em 2012, veio a consagração no Brasileirão Sub-20 disputado em Porto Alegre, em que marcou um dos gols na decisão diante do Inter. O auxiliar técnico do time de cima, Ageu Gonçalves, o indicou ao treinador Marcelo Oliveira para que tivesse oportunidades na equipe principal.
O diabo era que aquele Cruzeiro era um cano. Como galgar espaço com Everton Ribeiro, Ricardo Goulart, Willian e companhia barbarizando em campo? No meio de 2013, Alisson virou moeda de troca na negociação que levou o zagueiro Dedé ao Cruzeiro. Nove anos depois, retornava ao Rio de Janeiro, agora para defender o Vasco. Foi uma passagem apagada.
— Acompanhei bem porque estava no Fluminense na época. Ele teve algumas boas atuações, mas faltou sequência — avalia Câmara.
No retorno a Minas, transformou-se em um reserva útil aos talentosos meio-campistas do time bicampeão brasileiro em 2013 e 2014. Quando chegou sua vez de ser titular, os problemas físicos passaram a o atormentar.
— Em 2015 e 2016, ele sofreu muito com as lesões. Foram várias. Impediram que ele se firmasse — lembra Roger Dias, repórter do jornal O Estado de Minas.
De molho em casa, Alisson se lamentava para a mulher, Paloma, uma colega da escola com quem começou a namorar aos 15 anos e se casou no início de 2014. O passatempo preferido virou o videogame, que também servia para se conectar a Rio Pomba, já que se metia em animados jogos online com o irmão Élisson. A religião também ajudou a atravessar o momento difícil. Em 2016, Alisson e Paloma foram batizados e transformaram-se em Testemunhas de Jeová. O casal passou a fazer ações missionárias pelas ruas de BH. Batia de porta em porta para pregar e buscar novos discípulos.
No início de 2017, Câmara reencontrou Alisson quando tornou-se diretor de futebol do Cruzeiro. Morador do mesmo condomínio do dirigente, o jogador virou um xodó de seus dois pequenos, Pedro Henrique e João Lucas (Pedalada e Lambretinha, segundo o pai). Quando as famílias se encontravam, logo o meia-atacante se engajava em animadas brincadeiras com as crianças, que sempre pediam para entrar em campo com o ídolo. Talvez a pequena dupla tenha servido de talismã, já que foi o mesmo ano em que as lesões em sequência finalmente ficaram para trás. Sob a batuta de Mano Menezes, firmou-se como dono do lado esquerdo do Cruzeiro e se tornou um jogador importante da equipe campeã da Copa do Brasil. Os riopombenses se encheram de orgulho.
A boa fase, porém, não veio sem algum drama. Seu Célio, pai de Alisson, teve de amputar um dos dedos do pé por conta de complicações decorrentes da diabetes.
— Ele é muito família. Sentiu bastante nesse momento. Mas agora está tudo bem — garante dona Marli.
Só que a família teme que os problemas de saúde do pai impeçam visitas mais frequentes a Porto Alegre, na nova fase do jogador. Daí a emoção da mãe quando soube da mudança.
No meio do ano, as lágrimas de dona Marli devem ser por motivos bem mais felizes. Paloma está grávida de Bernardo, o primeiro filho do casal, que deve nascer em junho. Com a criança no colo, louco para mostrá-lo aos pais e ao irmão, Alisson deverá sentir ainda mais a falta dos familiares. Mas não há de ser nada para quem foi treinado a estar longe de casa desde os 11 anos de idade.