Ídolo de um clube grande, perto de casa e da família, vestiário cheio de recursos para o aperfeiçoamento de um jovem auxiliar de 38 anos, bom salário. Pois Roger Machado preferiu abandonar estes confortos todos e aceitou o convite para ser técnico do Juventude, que agora tem dois novos parceiros. Na parte financeira, Gilmar Veloz, empresário respeitado e conhecido até na Europa. Na gestão, a consultoria do ex-presidente da Grêmio Empreendimentos, Eduardo Antonini. O ex-lateral-esquerdo busca espaço no futebol gaúcho - que já foi celeiro, mas a cada ano renova menos suas casamatas e repete mais os mesmos nomes. Ele e seu auxiliar, Renato Schmitt, formam a novíssima geração do Gauchão:
Zero Hora - Por que você deixou o Grêmio tão cedo?
Roger - Não gosto muito da expressão zona de conforto, mas a verdade era que estava numa posição confortável. Este cenário foi importante para eu ter condições de concluir a faculdade (de Educação Física), mas eu precisava do desafio. A ideia inicial era ficar mais dois anos, até os 40. Mas o mercado sinalizava para novos nomes. É algo cíclico. Isto está muito claro, regional e nacionalmente. Aí pensei: tenho de surfar nesta onda já.
E o que esta nova demanda cíclica de técnicos exige?
Roger - Experiência prática, mas com muito conhecimento acadêmico. O mercado ganhou este viés mais fortemente. Exige novas práticas também. A minha vantagem é que sempre tive esta prática em alto rendimento como jogador. Fui lançado pelo Felipão muito cedo, aos 18 anos, e tive a sorte de sempre disputar grandes competições, com muitos títulos. Aí corri atrás da academia com muita intensidade para ser técnico.
Ser ex-jogador segue como vantagem importante?
Roger - Ajuda muito. Tu ganhas uma bagagem que só quem viveu o dia-a-dia sabe como é. Mas há desvantagens.
E quais são?
Roger - Ex-jogadores demoram mais a buscar esta segunda parte, a do conhecimento acadêmico. Primeiro por que não há tempo para fazer isso adequadamente, com as viagens. E, depois, por que você tem de se preocupar em sobreviver no futebol. Quando se é mais jovem, é nisso que o jogador pensa. A concorrência é enorme no Brasil.
Quais as diferenças de estrutura indo para o Interior?
Roger - Por enquanto nenhuma. O Juventude me oferece ótimas condições de trabalho.
Mas é mais difícil repor jogadores, por exemplo.
Roger - Isso sim. Jogamos com o Brasil-Pe (derrota por 2 a 0, quinta-feira, na Boca do Lobo) sem Diogo Oliveira, Zulu e Douglas, peças cruciais no nosso time. O bom é que o Juventude tem uma filosofia forte e bonita na base, o que ajuda demais na hora de repor. Há boas promessas no forno. A geração é boa.
O que falta para o Interior retomar espaço nacional?
Roger - Planejamento e apostas firmes e fortes nos jogadores do clube. O centro tem de ser quem entre em campo conhecendo a estrutura da casa, acrescentando pontualmente reforços de fora.
A figura do supertécnico acabou?
Roger - Hoje, o profissional tem de trabalhar em equipe. Eu, por exemplo, nem busco o patamar de mandar em tudo e ser poderoso. Esta coisa do técnico com poderes até para definir salário de jogadores, que surgiu na Europa com o Alex Fergusson, perdeu espaço. Isso ajudou neste ciclo novo que se abre. Alguns supertécnicos, como tu dizes, inflacionaram o mercado, abrindo espaço para os novos diante desta readequação financeira. É o ciclo.
Qual o teu modelo de técnico?
Roger - A gente captura um pouco de cada. Eu era muito guri na época do Felipão. Perdi a chance de aprender mais com ele. Celso Roth me despertou a centelha. O Tite me deu o primeiro programa de computador para simular desenhos táticos. Trouxe de casa e disse: "Te diverte: vais adorar". Era em disquete ainda. Ele tinha razão. Passou a ser meu passatempo na concentração.
Ser técnico solo é um caminho sem volta?
Roger - Sem volta. Isto está decidido.