No lugar onde deveriam estar milhares de pessoas, há entulho. Onde era para ter aquele cheiro de churrasquinho, um odor podre impregna o ar. Em quase todos os bares onde gremistas deveriam confraternizar antes do Gre-Nal 442, há sujeira e incerteza sobre o futuro. O estádio que era para pulsar na tarde deste sábado (22) está escuro, vazio, sem vida e sem previsão de reabertura.
Os arredores da Arena, palco original da peleia, apresentavam um cenário de pós-guerra enquanto a bola rolava no 1 a 0 colorado em Curitiba. Nas ruas mais internas da Vila Farrapos, bairro onde está localizado o estádio, ainda se vê muito lixo. O acúmulo de água é onipresente devido à chuva da semana.
O silêncio imperante no Humaitá só era interrompido quando a turma do único bar aberto durante o Gre-Nal vibrava. Na hora que planejava servir chope cremoso para os clientes do Bar d’Julia, Jéssica Bueno limpava os vasilhames enlameados. Ao fundo, vizinhos carregavam um sofá doado. Lá se iam 35 minutos do primeiro tempo.
— Toda a vida das pessoas ficou aqui na frente. Muito triste — diz Jéssica, apontando para a rua que fica em frente ao letreiro da Arena do Grêmio.
A água atingiu dois metros de altura no bar. Ele só retornou quando a água havia baixado até a altura da canela. O pai dela ficou o tempo todo no local para evitar saques. Tudo foi perdido. Os custos para reconstrução são estimados em R$ 50 mil.
O valor poderia ser maior não fosse a ajuda de uma cervejaria que financiou a pintura e o conserto da rede elétrica dos bares.
Com otimismo, ela imagina que em agosto o bar volte a funcionar, mas o embate entre o Grêmio e a gestora do estádio a preocupa. O mesmo ânimo ela e a família não tiveram para assistir ao o Gre-Nal.
— É angustiante. A gente não sabe o que fazer. Se procura outro emprego ou se recomeçamos. Não se sabe quando vai voltar — lamenta.
O D’Julia funcionava apenas em dias de jogos. A nova realidade deve mudar a programação. A intenção no novo panorama é de funcionar todos os dias para pagar o quanto antes os estragos.
A 50 metros dali, O Bar contou com a ajuda de muitas mãos para reabrir. Dali saia a única trilha sonora da noite do Humaitá, ainda mais depois do gol do Inter. Cerca de 50 pessoas foram ao local para acompanhar a partida e tentar viver um pouco o clima de um clássico.
— Fizemos a limpeza por conta, tivemos a ajuda da comunidade. Limpamos tudo direitinho e fizemos um churrasco para dar uma erguida no ânimo — explica o proprietário Rafael Janssen.
O lado colorado
Enquanto o Beira-Rio segue adormecido do outro lado da Padre Cacique, os bares nos arredores se transformaram em uma extensão das arquibancadas. Centenas de torcedores se reuniram para acompanhar o primeiro Gre-Nal disputado acima do Mampituba.
Para o freteiro Adinei Valandro, foi uma oportunidade de comemorar os 55 anos de vida celebrados neste sábado e aliviar a tristeza trazida pela enchente. Sua mãe, de 91 anos, morava em Encantado e viu a casa ser devastada pela água pela segunda vez em poucos meses. Se a partida fosse no domingo, como inicialmente previsto, ele tinha o desejo de atravessar o RS, cruzar Santa Catarina e chegar ao Couto Pereira. Ficará para a próxima.
— Minha mãe perdeu tudo pela segunda vez. Muito triste. Mas a festa está valendo a pena. Começamos cedo com o churrasco e vai até tarde com a vitória — conta.
Gremistas e colorados estão com saudade de ver o clássico em Porto Alegre. O Gre-Nal faz falta na cidade por tudo o que ele representa, e Grêmio e Inter se enfrentarem na Capital significa um pouquinho de normalidade, levada embora pelas águas de maio.