SAUL LOEB, AFP
"A política externa de Trump reduziu o papel de liderança que os EUA exerciam e contribuiu para aumentar a instabilidade mundial e o poder de seus rivais"
O primeiro ano da política externa de Donald Trump foi um desastre. O motivo reside na contradição entre uma política externa elaborada nos anos 1940, quando a expressão "America First" ganhou força, e a realidade do mundo atual. Hoje, o nível de engajamento internacional dos EUA não permite que interesses paroquiais sejam priorizados sem colocar em risco a ordem internacional liberal emergente após o fim da Guerra Fria.
Sob o argumento de reduzir os gastos no Exterior e aumentar a atividade econômica interna, Trump pressionou os europeus a assumirem os gastos militares com a Otan e se retirou dos Acordos de Paris sobre mudança climática, assunto sensível na Europa. Os europeus responderam com um pacto de Cooperação Estruturada de Defesa (Pesco, em inglês), sem a participação estadunidense. Em um continente marcado pela crise ucraniana, o afastamento entre os EUA e a Europa fortalece a Rússia.
Trump anunciou a saída dos EUA da Parceria Transpacífico, implodindo o principal mecanismo do governo para conter a crescente projeção econômica da China. A mesma China acusada de roubar os empregos dos americanos também foi fortalecida quando se exigiu que o país fosse protagonista na solução da crise nuclear com a Coreia do Norte. A iminente guerra comercial entre os dois países na OMC exporá ainda mais a tendência nacionalista na economia dos EUA. A China, curiosamente, ao defender a ordem liberal internacional, terá mais credibilidade do que seus próprios criadores.
Trump também proibiu a entrada nos EUA de cidadãos de alguns países árabes, atendendo a tendências islamofóbicas de seu eleitorado. Para compensar a medida, estreitou as relações com a Arábia Saudita por meio de vendas de armas e anunciou o abandono do Acordo Nuclear com o Irã, inimigo dos sauditas. Para equilibrar a balança de poder na região e agradar setores protestantes radicais da sociedade americana, reconheceu Jerusalém como capital de Israel. Além de criar o risco de uma nova intifada, os EUA afastaram-se novamente dos países árabes e aumentaram a insegurança de uma região já bastante instável.
Na América Latina não foi diferente. De olho nos votos cubanos na Flórida, retrocedeu algumas medidas tomadas na reaproximação com Cuba e bem recebidas pelos parceiros da região. Também insistiu na construção de um muro na fronteira com o México e na "modernização" do Nafta para atender ao seu nacionalismo econômico. Ao não descartar uma intervenção militar na Venezuela, os EUA, sempre vistos com desconfiança pelos latino-americanos, reforçaram essa percepção.
Em suma, a política externa de Trump reduziu o papel de liderança que os EUA exerciam e contribuiu para aumentar a instabilidade mundial e o poder de seus rivais. Em meio a tantas crises engendradas pelo nacional-populismo da política externa dos EUA, deve-se perguntar se o precário equilíbrio internacional se manterá nos próximos três anos de Trump na Casa Branca.
"Podemos ter uma certeza: Trump vai dobrar a aposta e seguir atacando seus opositores"
As eleições de 2016 mudaram a política interna nos Estados Unidos. Trouxeram ao poder um presidente inusitado, Donald Trump, e concederam aos republicanos o controle da Casa Branca, das duas casas do Congresso e a maioria na Suprema Corte, com a confirmação do juiz conservador Neil Gorsuch em março. Mas o que poderia ser um ano tranquilo passou longe disso.
Trump não deixou de gerar controvérsias: a proibição da entrada de muçulmanos nos Estados Unidos, a defesa de neonazistas dizendo haver "pessoas boas nos dois lados" em Charlottesville, o apoio à candidatura de Roy Moore em meio a acusações de assédio sexual, o ataque a jogadores da NFL e da NBA que protestavam por igualdade racial.
Mas as polêmicas escondem outras questões. A grande derrota do primeiro ano foi não conseguir acabar com o Obamacare. Os republicanos foram derrotados em todas as vezes que trouxeram o tema a votação. Agora, Trump tenta sabotar a lei com cortes de financiamento e atrasos.
Talvez com algum aprendizado, a grande vitória de Trump tenha sido a aprovação da reforma tributária. O pacote foi "escrito" e votado ao apagar das luzes, sem tempo para discussão. A título de cortes de impostos temporários para a classe média, a reforma traz reduções permanentes para grandes empresas e multimilionários, sob o argumento de que mais dinheiro na mão das empresas gera mais investimento e emprego. Quando a hipótese foi testada, sob Reagan, Bush pai e Bush filho, o país terminou com déficits imensos.
O futuro do governo Trump depende das investigações do procurador-especial Robert Muller e das eleições para o Congresso em 2018. A investigação original sobre possíveis laços de funcionários de Trump com o governo russo tornou-se potencialmente uma investigação sobre obstrução da Justiça, quando Trump demitiu James Comey, chefe do FBI, em maio. Com a confissão de Michael Flynn, ex-conselheiro de segurança nacional, o círculo se fecha sob o presidente.
Além da investigação em si, dois cenários preocupam Trump. Uma vitória decisiva dos democratas em 2018 traria dificuldades para governar e a possibilidade de impeachment. Outra preocupação é que republicanos "abandonem o barco" devido à baixa popularidade de Trump, criando mais dificuldades.
Quaisquer sejam suas dificuldades, podemos ter uma certeza: Trump vai dobrar a aposta e seguir atacando seus opositores.
Fabiano Mielniczuk
diretor da Audiplo e professor do Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais da UFRGS e professor da ESPM-Sul
Geraldo Zahran
doutor pela Universidade de Cambridge, professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC-SP e coordenador do OPEU — Observatório Político dos EUA